9ª aula Filosofia Contemporânea.
Distinção
entre Sinn e Bedeutung
Sinn - sentido
Bedeutung - denotação, significado,
referente.
Bedeutung aparece a partir de Fregue:
Ex.
Figura
com três lado
Figura
com três ângulos.
Tem
sentidos diferentes mas o mesmo referente [Bedeutung]
-- não podem ser substituídos porque não se pode substituir "lado"
por "ângulo", mas referem o mesmo X.
Investigações
filosóficas:
analisar
as perspectivas que foram ignoradas por Frege, que estava limitado pela
determinação de verdade por determinação do referente -- os enunciados da Alice no País das Maravilhas pode ter
sentido, mas não se pode fazer uma correspondência entre eles e a realidade, e
por isso não podem ser verdadeiros.
O
que é que constitui uma Bedeutung losigkeit
(?)-- uma ausência de referente. Como é que o sentido se relaciona com o
referente? e com a ausência de referente? Como esgotar todas as possibilidade
de relação entre Sinn e Bedeutung?
É
aqui que está dada a chave para a distinção entre Verstehen e nicht Verstehen. Qual é a natureza da nossa relação com o
sentido e a referência? Qual é a nossa relação com a compreensão? Qual é a
compreensão da própria compreensão? Qual a nossa adesão à compreensão?
Isto
está relacionado com o "ser levado por" (gefürt werden), fenómeno de acompanhamento que permite entender e ser
levado com as coisas.
Wittgenstein
tem em vista a compreensão da "Ahah experience" -- o que é que faz
com que eu passe a entender algo? Uma expressão intrínseca do "estar a ser"
na compreensão do que me envolve. O estar a ser levado(gefürt werden) corresponde a essa óptica irremediavelmente resolutiva do
nosso acesso ao mundo -- a forma complexa como a nossa compreensão do sentido
tem a ver com a sequência, desse ser no tempo, do estar a ser levado no tempo.
Em causa está a articulação do modo como somos levados pela leitura de um
livro, somos levados ao assistir a um filme, como planeamos uma tarde, etc., ou
seja, como compreendemos o fluxo do tempo (ex. início do ano lectivo e o final
do mesmo ano).
583. Tu falas como se aquilo que se passa
neste instante não tivesse um referente. O que é que quer dizer uma sensação
profunda? O que é que quer dizer um referente? Poderia uma pessoa ter uma
sensação do amor durante um segundo?
O
que acontece neste instante tem um referente. A envolvência dá-lhe importância.
E a palavras esperança ganha significado no contexto da vida humana. O sorriso
só ganha sentido no rosto.
“Tem
algum sentido perguntar de onde é que tu sabes que é isso em que crês. E a
resposta "eu reconhecê-lo-ei pela introspeção", poder-se-ia dar
nalguns casos, mas na maioria dos casos não.”
A
determinação do que acontece jetzt
corresponde a uma absolutização que cristaliza um momento no tempo. O que a
perspectiva teórica faz é neutralizar a instantaneidade de tal forma que o que
era naquele momento passa a ser para sempre. Há uma incomensurabilidade entre o
momento da crise afectiva e depois as consequências.
Mas as coisas têm impacto e para terem impacto
precisam de zona de aceleração. O que nos deixa num determinado estado é essa
sensação -- a determinação desses estados corresponde a formas de agressão, de
invasão. Aquilo que estamos a identificar como jetzt pode ser o momento de compreensão de um axioma (a ahah
experience), mas esse momento de impacto é datado e ficou para sempre.
Fenómenos que se dão a determinada altura, mas que marcam alterações do modo de
vida, esquecimentos, novidades na vida, mas que nunca vêm numa estrutura de
toca e foge; pelo contrário, o referente vem sempre envolvido em sentido, ao
ponto de não haver referente sem sentido, ou sequer de não haver sequer
referente. De tal modo que cada impacto marca para o futuro tudo o que se vai
viver: tudo o que vivemos faz moça para a frente -- na vida estamos sempre numa
situação pós traumática, e nós temos é de nos habituar a essa nova presença em
nós. A perspectiva de Wittgenstein é homeopática, como nos estoicos e em
Nietzsche -- a filosofia como homeopatia.
Pensar
que a nossa relação com o que nos envolve é sem referente: Deus é sem
referente, o amor é sem referente... O que está em causa é o carácter sem
referencial do sentido da vida que estamos a levar. O que está permanentemente
em causa é a pergunta pelo sentido da atmosfera em que estamos envolvidos. Até
porque na maioria da vida nós estamos a ir nas horas -- a pergunta é pela
natureza deste ir indo nas horas, ou seja, de este ir indo na vida. De tal modo
que cada impacto tem uma vivência absolutamente esquizofrénica -- tem uma
vivência primordial e depois uma retrospectiva em que tento reconstituir esse
primeiro impacto, e vivo nessa recapitulação e na perpetuação de um primeiro
impacto que já é diferente.
A
ideia de situação e de atmosfera está a tentar descrever o ambiente em que
vivemos: vivemos como se estivéssemos envoltos numa bolha de sentido. de tal
modo que as determinações fundamentais da vida podem ser todas da minha cabeça:
Deus, o amor, a amizade, etc. Ou seja, elas podem estar só na minha cabeça, só
fazem sentido na minha cabeça e na minha vida, não têm nenhuma referência. de
tal modo que a frase "eu amo-te" lida por pessoas diferentes
pode ter sentidos diferentes (e quase
certamente tem), e não tem nenhum referente. O referente está sempre
contextualizado num sentido e é a experiência está sempre contextualizado num
sentido e só existe porque existe um sentido que permite essa experiência.
89. Nós estamos aqui com estas reflexões
no lugar em que o problema se põe, em que medida o lógica é sublime? Porquanto
pareceria que lhe inere uma profundidade específica, uma Bedeutung geral. Ela subjazeria no fundo de todas as ciências,
porquanto a consideração lógica considera a essência das coisas, ela pretende
ver as coisas sobre o seu fundamento, e ela não deve preocupar-se com o ser
assim ou assado do facto. Ela jorra não de um interesse pelo facto, nem pela
necessidade de captar conexões causais, mas de compreender num esforço o
fundamento/essência de tudo o que é conforme com a experiência
Wittgenstein:
Nós não queremos aprender nada de novo, queremos apenas compreender qualquer
coisa que já está aberta à frente dos nossos olhos.
(cita
agostinho e a famosa frase do tempo -- "Quid est ergo tempus? Si nemo ex me quaeret,scio; si quaerenti
explicare velim,nescio;fidenter tamen dico, scire me.")
As
coisas surgem-nos na sua superfície, não apenas por vermos os lados que estão à
vista (que se perdem se virmos de outro sítio), mas o que está em causa é a
forma complexa da relação entre Grund
e surgimento.
Uma
coisa não é nunca um acontecimento isolado. A forma como referimos as coisas
não tem uma forma de sentido que reduz as coisas à sua apresentação -- há uma
metamorfose da minha relação com o referente -- entre mim e as coisas há um sentido (= o espaço que
está entre mim e o referente é o espaço lógico) -- e esse referente é posto por
mim. Qual é a natureza da minha relação com o sentido que altera a minha
relação com o referente consoante eu estou numa aula de geometria ou na vida
quotidiana? O que está a articular a sala de aula? Ex. Viver numa cidade
fantasma; ou o quarto da infância -- o meu quarto da infância não é o mesmo que
outra pessoa ocupa agora, mesmo que esteja no "mesmo" espaço. Em
última análise há uma impermeabilização do sentido da minha vida para outra
pessoa qualquer, porque o sentido da vida das pessoas que determinam o sentido
é diferente de uns para outros -- há tantas cidades de Lisboa quantos
habitantes de Lisboa.
A
importância do sentido é tal que para compreender uma coisa eu tenho sempre de
contextualizá-la. Não consigo perceber uma coisa fora do contexto. Funciona por
Zoom -- qual é a natureza mínima da unidade de conteúdo do contexto? O quarto
está organizado no contexto da casa, e a casa do prédio, e o prédio da rua e a rua
da cidade.
Do
mesmo modo, o que dá contexto à nossa vida é a expectativa e a sequência. O que
dá nexo e dá a conexão do sentido não é a sequência de momentos, mas o facto de
o a priori ser a sequência -- nós
estamos a ser levados sequencialmente a priori.
A compreensão é possível, o sentido é possível por a vivência em sequência ser a priori; não é o sentido que dá a sequência, mas a
sequência que permite o sentido. Mas este a
priori implica que a vida só se pode dar num contexto de sentido -- há uma
petição de sentido intrínseca á vida, que é constituída pela nossa vivência a priori no tempo. A própria vida é dada
na expectativa. De tal modo que o único acontecimento não anulável é o da
lucidez -- posso não compreender o sentido, mas a vida é sempre dada pelo
acontecimento de lucidez (a ψυχῆ é a vida). De tal modo que o que dá sentido
e contexto é a sequência das horas ou seja, o que impõe a necessidade de
sentido é a temporalidade. Assim, a vida é a totalidade do tempo e por isso a
totalidade das coisas . O Problema é que o tempo não é visto. E é o fenómeno do
estar a ser levado que permite pôr fora de mim o sentido -- faz parecer que é a
vida que dá e que tira o sentido.
90. É
como se nós tivéssemos de ver transparentemente as aparições. Mas a investigação
não se dirige às aparições, mas às possibilidade das aparições. Ou seja, a
articulação do seu sentido, a sua condição de possibilidade. Uma pessoa é uma
aparição, e essa aparição pode alterar-se completamente (se eu me apaixonar a
aparição da rapariga muda completamente).
Besinnen ; Besinnung. Tem Sinn na raiz -- significa qualquer coisa como dar sentido. Pode ser
traduzido por meditatio -- uma forma
de cuidado que faz um determinado pensamento (ex. da expressão "cuido que
sim"). Na enunciação da aparição é o sentido que constitui as próprias
coisas -- parece que estamos perante as próprias coisas quando estamos perante
o espaço lógico (um espaço lógico que não tem nada a ver com a ideia de lógica
do circulo de Viena) e que visa a estrutura antiga da oratio obliqua -- nós
estamos sempre a citar-nos quando falamos. O facto de eu estar a falar
pressupõe que sou eu que falo.
O ponto que importa focar prende-se com a ideia
fundamental de que o sentido tem a sua origem no carácter absolutamente
singular de cada um de nós. Nós executamos o sentido da própria vida. O que
fazemos, fazemos por o ter compreendido. todos os infinitivos estão montados no
irmos das horas que constitui a nossa vida -- a conexão é efectivamente o a priori, e não se trata de encontrar o
nexo entre o agora e depois, mas na compreensão que o agora é já uma
abstracção, o agora não existe a não ser como abstracção de uma sequência.
Uma agenda só faz sentido porque é nossa vida que está
a em jogo -- o sentido é o a priori,
a sequência é o a priori. É isto que
agostinho refere de forma brilhante nas confissões.
Ao reduzir a Bedeutung
ao próprio sentido, ou melhor, a possibilidade de neutralizar ao referente e a
significação, e de a significação permite anular os contrastes entre sonho e
realidade -- é o mesmo problema do Theeteto ( oposição entre ὑπαρ e ὄναρ)Se o
fenómeno de sentido é totalitário, então o acontecimento de sentido é privado e
dado num meinen (visar) e tem
contornos absolutamente onírico.
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