domingo, 18 de março de 2012

Antiga, 5ª sessão (Protocolo de Rita Couto).


Aula 5 – 12.Março.2012 (2ª) – VITA

Vida numa perspectiva kantiana, enquanto forma e conteúdo que admite isolamento e estratificação entre ontologias regionais, pensadas como géneros supremos que incluem diferenciações específicas e individuais.

Relação entre a disponibilidade de tempo para ser com o tempo a haver, como se acolhesse um lote temporal do qual é possível usufruir.

Possibilidade de relação com o tempo (não no sentido de matar tempo, ou preenchê-o, mas de criar tempo). Criação de tempo como possibilidade divina ou que aproxima aos deuses (em Píndaro, Cronos é apresentado como o pai de todas as coisas).



ACEPÇÕES DE VITA (Lewis&Short)

VITA

I Sentido Literal

A – Viver (βίος) - Vida não estanque, mas pensada como a entidade vivente que se executa e é no tempo, numa relação dinâmica através da antecipação do que vai ser.

B – Período de vida (Aetas) – Entende-se a vida como algo inteiro, total, que se dá num contínuo. Mesmo quando se fala de um período da vida este não é fragmentado, não aparece aos bocados, mas integra-se numa continuidade. Os prazos que vão sendo preenchidos, que se fecham, contextualizam o haver ou não tempo. O humano relaciona-se com esses limites da vida, do haver e não haver tempo.


II - Sentido Transferido

A – Subsistência – Estamos implicados na sobrevivência, que não se limita ao subsistir no tempo, mas inclui a supressão de necessidades vitais. (Conceito de moléstia em Santo Agostinho: Vida humana tem de ser repetidamente restaurada, compreendendo biorritmos.) Vida compreende a necessidade de ser assegurada a partir da subsistência.

B – Qualidade de vida/ Modo de vida – Corresponde ao preenchimento da vida com conteúdos diversos, que são também sujeitos activos e “personalidades vitais”. Existência de modos de vida que são próprios do humano.

C – Vida real vs fantasia/ficção – Compreende-se que vida está estruturada em conteúdos modais. A realidade, enquanto o filme da nossa vida, é possível de ser contraposto ao que criamos. A normalidade é tida como mínimo denominador comum, transversal às vidas que são estranhas umas às outras.

D – Vida enquanto psique – Algo que está connosco, que é a “nossa vida”, que tem vida própria. Relacionamo-nos com algo que está em nós e que temos como um objecto querido. Simultaneamente existe a possibilidade de um outro se tornar a “nossa vida”. Vida entendida como um acontecimento restrito a cada indivíduo, sendo que cada vida é única e intransmissível.

E – Humanidade – Correspondente à ideia grega de βίος, que difere da ideia grega de ζωή. ζωή não é estritamente humana, mas está presente em todos os seres vivos. A ΖΩΗ ΑΙΣΘΗΤΙΚΗ é o que permite o acesso às coisas, a percepção. A diferença radical que Aristóteles encontra é que o que configura a nossa vida não é apenas a vida nutritiva ou perceptiva mas também a situação, que altera a percepção e a possibilidade da vida, que passam a estar constituídas num horizonte prático. A noção contida em βίος é a de que vivemos autobiograficamente, revendo tudo o que já vivemos (o que altera a nossa posição perante o passado), mas vamos fazendo também a própria vida enquanto esta se encontra a decorrer.
A Vida é tida como um curriculum vitae feito de conteúdos que se sucedem, perante os quais não temos uma perspectiva rígida e objectiva, mas plástica. Há milhares de conteúdos que nos escapam mas escrevemos os “marcos”, de modo a nos localizarmos. Há por um lado uma localização para si e uma localização perante os outros. O ficar na memória após a morte no pensamento latino é tido como o preenchimento do sentido da vida, idêntico à noção semita de Livro da Vida. Procura-se encontrar um sentido de si, um “assento para si”, um sítio para si.

F – Percurso de Vida – Sentido de encaminhamento da vida, compreende um sujeito que é a “personagem principal” do filme da sua vida. Instalação nas esferas disposicionais da vida através da (re)vivência de momentos, preenchidos de conteúdos emocionais. Possibilidade de ter uma vida preenchida ou esvaziada, de ficar na memória ou ser esquecido.




As ocorrências de vita nos Anais de Tácito remetem-nos ainda para as noções de dies/aetas/ expleo/ suppedito/cura/intellego/etc.



DIOS/ DIES
A vida dos deuses é sem dia, a que se contrapõe a vida humana. Relação presente na lírica de Píndaro ou de Safo onde há uma descrição da vida humana como sendo efémera.

Noção grega/latina de que a vida é um único dia. Habituamo-nos a compartimentar o dia e a noite, havendo uma compreensão das fases do dia como um ser vivo (ideia do dia que nasce, que dura e que morre na noite). Aponta-se para o carácter dinâmico, da transição de estados.

Hermann Schmitz (System der Philosophie) – ficar na “meia-coisa”. Os registos documentais (diários, actas), multiplicam ou dividem os dias. A divisão do ano como civil/religioso/escolar como tipos e organização em relação com o decurso da vida. Descrição de algo que cresce, se soma, numa sequência já prevista por antecipação, mas que é limitada (não se antecipa no prazo de dez anos). Previsão não é “astrológica”.

Noção de data (sentido feminino de dies) – “dias úteis”. Calculo do que é para nós, ou não é para nós. Insistência e desistência nos conteúdos planeados e vividos.

Relação com o dia do nosso nascimento e da nossa morte como limites da vida, que a abrem e a fecham.



AETAS
Semântica idêntica à divisão dos dias – vida vista nas diferentes fases de desenvolvimento de um humano desde o nascimento e infância até à velhice e morte. “Idades” da vida.

Princípio da vida é o mesmo da morte: o oxigénio que permite a vida é o mesmo que oxida, que envelhece, destrói e corrói a possibilidade de viver, num sentido biológico.

Tempo da vida, enquanto dura, não susceptível de ser interrompido. Não há furos, mas dá-se num contínuo.

Geração como compartimentação temporal, uma abstracção que constitui um mínimo denominador comum, partilhado.


EXPLEO (preenchimento, completude)

 “Relação de não indiferença consigo” (MJC) – tentativa de melhoramento da nossa condição. Ideia de habilitação, ampliação de recursos. Noção de crescimento de si.

Temos presente a nossa condição escatológica, estamos comprimidos perante o nosso próprio fim. É possível pensar numa “organização da nossa morte”, através da distribuição de um herança, mas tudo acontece ainda na tensão de “nós a haver”, nunca estancada.

É possível termos a lembrança de pessoas que já não estão cá e com quem tivemos contacto, que nos transportaram para o tempo em que viveram. As lembranças de outros são tidas como um conteúdo que usamos em segunda mão, mas que transformamos num conteúdo nosso. Existe um sentido de pertença e de ancestralidade no decorrer e sucessão das vidas, onde a geração pode ser entendida como uma soma das vivências que se cruzam.

Ideia de avaliação da acção humana, que não se esgota no momento em que está a constituir-se, mas que se inscreve na totalidade da vida, de todo o tempo do Mundo.

Supremo como a medida de análise da nossa vida, devido à possibilidade permanentemente aberta de melhoramento, possível de ser “convertido em superlativo”.

EXPLEO/IMPLEO – VIDA como agente, que cria o espaço de relacionamento com o próprio através do saciamento ou do desvio do que desgraça, envergonha, que constitui uma má memória da vida.


SUPPEDITO (Suppeto)
(Neste caso vita surge como complemento directo.)

Recursos – ideia de projecto vital que inclui o recurso, a posse, a substância. Enchimento da vida. Tensão com a ideia de miséria. Preocupação de encontrar meios de subsistência que são condição necessária para a sobrevivência. Limite temporal da preocupação depende de ter a subsistência assegurada ou não.

Contacto via cupido/ ambitio/ libido/etc.  que nos põem em tensão com a necessidade e canalizam para a aquisição/expansão/querer. Lógica existencial do crer pelo crer leva ao tédio (tedium vitae), um prazer repetido que é descrito como alguém que se coça repetidamente, gerando dano no próprio (Tibério).


CURA

Estar ansioso, ter preocupação, o ter cuidado de si e com os outros. Vida como um peso sobre as costas de cada um, que gera obrigações perante as quais estamos em tensão para a desincumbência.


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