Aula 5 – 12.Março.2012 (2ª) – VITA
Vida numa
perspectiva kantiana, enquanto forma e conteúdo que admite isolamento e
estratificação entre ontologias regionais, pensadas como géneros supremos que
incluem diferenciações específicas e individuais.
Relação
entre a disponibilidade de tempo para ser com o tempo a haver, como se
acolhesse um lote temporal do qual é possível usufruir.
Possibilidade
de relação com o tempo (não no sentido de matar tempo, ou preenchê-o, mas de
criar tempo). Criação de tempo como possibilidade divina ou que aproxima aos
deuses (em Píndaro, Cronos é apresentado como o pai de todas as coisas).
ACEPÇÕES DE VITA (Lewis&Short)
VITA
I Sentido Literal
A – Viver (βίος) - Vida não
estanque, mas pensada como a entidade vivente que se executa e é no tempo, numa
relação dinâmica através da antecipação do que vai ser.
B – Período de vida (Aetas) – Entende-se a vida como algo
inteiro, total, que se dá num contínuo. Mesmo quando se fala de um período da
vida este não é fragmentado, não aparece aos bocados, mas integra-se numa
continuidade. Os prazos que vão sendo preenchidos, que se fecham, contextualizam
o haver ou não tempo. O humano relaciona-se com esses limites da vida, do haver
e não haver tempo.
II - Sentido Transferido
A – Subsistência – Estamos implicados na
sobrevivência, que não se limita ao subsistir no tempo, mas inclui a supressão
de necessidades vitais. (Conceito de moléstia em Santo Agostinho: Vida humana
tem de ser repetidamente restaurada, compreendendo biorritmos.) Vida compreende
a necessidade de ser assegurada a partir da subsistência.
B – Qualidade de vida/ Modo de vida – Corresponde ao preenchimento da
vida com conteúdos diversos, que são também sujeitos activos e “personalidades
vitais”. Existência de modos de vida que são próprios do humano.
C – Vida real vs fantasia/ficção – Compreende-se que vida está
estruturada em conteúdos modais. A realidade, enquanto o filme da nossa vida, é
possível de ser contraposto ao que criamos. A normalidade é tida como mínimo denominador
comum, transversal às vidas que são estranhas umas às outras.
D – Vida enquanto psique – Algo que está connosco, que é a
“nossa vida”, que tem vida própria. Relacionamo-nos com algo que está em nós e
que temos como um objecto querido. Simultaneamente existe a possibilidade de um
outro se tornar a “nossa vida”. Vida entendida como um acontecimento restrito a
cada indivíduo, sendo que cada vida é única e intransmissível.
E – Humanidade – Correspondente à ideia grega de βίος, que difere da ideia grega de ζωή. ζωή não é
estritamente humana, mas está presente em todos os seres vivos. A ΖΩΗ ΑΙΣΘΗΤΙΚΗ é o que permite o acesso às coisas, a percepção.
A diferença radical que Aristóteles encontra é que o que configura a nossa vida
não é apenas a vida nutritiva ou perceptiva mas também a situação, que altera a
percepção e a possibilidade da vida, que passam a estar constituídas num
horizonte prático. A noção contida em βίος é a de que vivemos autobiograficamente, revendo tudo o que já vivemos
(o que altera a nossa posição perante o passado), mas vamos fazendo também a
própria vida enquanto esta se encontra a decorrer.
A Vida é
tida como um curriculum vitae feito
de conteúdos que se sucedem, perante os quais não temos uma perspectiva rígida
e objectiva, mas plástica. Há milhares de conteúdos que nos escapam mas
escrevemos os “marcos”, de modo a nos localizarmos. Há por um lado uma
localização para si e uma localização perante os outros. O ficar na memória após
a morte no pensamento latino é tido como o preenchimento do sentido da vida,
idêntico à noção semita de Livro da Vida. Procura-se encontrar um sentido de
si, um “assento para si”, um sítio para si.
F – Percurso de Vida – Sentido de encaminhamento da vida,
compreende um sujeito que é a “personagem principal” do filme da sua vida.
Instalação nas esferas disposicionais da vida através da (re)vivência de
momentos, preenchidos de conteúdos emocionais. Possibilidade de ter uma vida
preenchida ou esvaziada, de ficar na memória ou ser esquecido.
As ocorrências de vita nos Anais de Tácito remetem-nos ainda para
as noções de dies/aetas/ expleo/ suppedito/cura/intellego/etc.
DIOS/ DIES
A vida dos
deuses é sem dia, a que se contrapõe a vida humana. Relação presente na lírica
de Píndaro ou de Safo onde há uma descrição da vida humana como sendo efémera.
Noção
grega/latina de que a vida é um único dia. Habituamo-nos a compartimentar o dia
e a noite, havendo uma compreensão das fases do dia como um ser vivo (ideia do
dia que nasce, que dura e que morre na noite). Aponta-se para o carácter dinâmico,
da transição de estados.
Hermann Schmitz
(System der Philosophie) – ficar na “meia-coisa”. Os registos documentais
(diários, actas), multiplicam ou dividem os dias. A divisão do ano como
civil/religioso/escolar como tipos e organização em relação com o decurso da
vida. Descrição de algo que cresce, se soma, numa sequência já prevista por
antecipação, mas que é limitada (não se antecipa no prazo de dez anos).
Previsão não é “astrológica”.
Noção de
data (sentido feminino de dies) –
“dias úteis”. Calculo do que é para nós, ou não é para nós. Insistência e
desistência nos conteúdos planeados e vividos.
Relação
com o dia do nosso nascimento e da nossa morte como limites da vida, que a
abrem e a fecham.
AETAS
Semântica
idêntica à divisão dos dias – vida vista nas diferentes fases de desenvolvimento
de um humano desde o nascimento e infância até à velhice e morte. “Idades” da
vida.
Princípio
da vida é o mesmo da morte: o oxigénio que permite a vida é o mesmo que oxida,
que envelhece, destrói e corrói a possibilidade de viver, num sentido
biológico.
Tempo da
vida, enquanto dura, não susceptível de ser interrompido. Não há furos, mas
dá-se num contínuo.
Geração
como compartimentação temporal, uma abstracção que constitui um mínimo
denominador comum, partilhado.
EXPLEO (preenchimento, completude)
“Relação de não indiferença consigo” (MJC) –
tentativa de melhoramento da nossa condição. Ideia de habilitação, ampliação de
recursos. Noção de crescimento de si.
Temos
presente a nossa condição escatológica, estamos comprimidos perante o nosso
próprio fim. É possível pensar numa “organização da nossa morte”, através da
distribuição de um herança, mas tudo acontece ainda na tensão de “nós a haver”,
nunca estancada.
É possível
termos a lembrança de pessoas que já não estão cá e com quem tivemos contacto,
que nos transportaram para o tempo em que viveram. As lembranças de outros são
tidas como um conteúdo que usamos em segunda mão, mas que transformamos num
conteúdo nosso. Existe um sentido de pertença e de ancestralidade no decorrer e
sucessão das vidas, onde a geração pode ser entendida como uma soma das
vivências que se cruzam.
Ideia de
avaliação da acção humana, que não se esgota no momento em que está a constituir-se,
mas que se inscreve na totalidade da vida, de todo o tempo do Mundo.
Supremo
como a medida de análise da nossa vida, devido à possibilidade permanentemente
aberta de melhoramento, possível de ser “convertido em superlativo”.
EXPLEO/IMPLEO
– VIDA como agente, que cria o espaço de relacionamento com o próprio através do
saciamento ou do desvio do que desgraça, envergonha, que constitui uma má
memória da vida.
SUPPEDITO (Suppeto)
(Neste
caso vita surge como complemento directo.)
Recursos –
ideia de projecto vital que inclui o recurso, a posse, a substância. Enchimento
da vida. Tensão com a ideia de miséria. Preocupação de encontrar meios de
subsistência que são condição necessária para a sobrevivência. Limite temporal
da preocupação depende de ter a subsistência assegurada ou não.
Contacto
via cupido/ ambitio/ libido/etc. que nos
põem em tensão com a necessidade e canalizam para a aquisição/expansão/querer. Lógica
existencial do crer pelo crer leva ao tédio (tedium vitae), um prazer repetido
que é descrito como alguém que se coça repetidamente, gerando dano no próprio
(Tibério).
CURA
Estar
ansioso, ter preocupação, o ter cuidado de si e com os outros. Vida como um peso
sobre as costas de cada um, que gera obrigações perante as quais estamos em
tensão para a desincumbência.
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