quarta-feira, 14 de março de 2012

Contemporânea 6ª sessão (Agradecimento especial ao senhor Tomaz Fidalgo)


Ser conduzido ( geführt werden)

Retomar a análise da sessão anterior.


170. Ex. Compreensão da leitura. Tentativa de descrição do modelo do que significa compreender um sentido. Compreender uma atmosfera e o ser levado pelo tempo, o ir nas horas. Estar no fluxo, estar dentro de algo implica este estar a ser levado nas horas, estar a ser levado pela própria leitura. A partir daí há várias descrições dos modos de ser levado. Aquilo que os latinos identificara como sendo um actus

actus, us

ago,is, egi, agere, actum

e em grego -- ειμι ,  ἳημι

Aquilo que foi identificado na história da filosofia como o problema do ser. A descrição do ser tem que ver com a descrição da dinâmica temporal, a habitação de uma atmosfera sempre em trânsito.

Conseguiríamos nós sentir as letras que stamos a ler se não as comparássemos com um traço? É aqui que sentimos um distinção como uma influência ou falta de influência. O termo é Einfluss, que é um termo fluvial. Está em causa uma sincronização: o ler implica uma exposição àquilo que pode ser lido. Sincronização no sentido em que o ler e o lido estão numa intervenção sinérgica do leitor nos caracteres impressos: aquilo que acontece entre mim e os caracteres. O gesto técnico de ler só por si não permite entrar no fluxo do que estou a  ler, não me permite entrar no que estou a ler, não me permite ler. Descrever o que acontece quando estamos a ler e somos levados para fora de onde estamos: quando estou concentrado a ler estou noutro mundo, não vejo nada do que está a minha volta.

A relação entre mim e o livro é assimétrica -- eu posso ler o livro e ele pode ser lido por mim, mas eu não posso ser lido por ele.

É o reconhecimento de mim, da possibilidade de intervenção pela leitura no sentido que pode ser tirado do livro. As letras em si são inertes sem intervenção minha. Não se trata apenas de uma sincronização: é mesmo estar a intervir cirurgicamente. É nessa altura que há um sentido que transcende completamente os conteúdos apresentados (as letras). É só assim que eu passo a ser leitor e não aquele que pode ler, e que o livro passa a ser lido e não apenas susceptível de ser lido.

O contacto com o que está escrito não depende apenas da apresentação óptica, pois eu quando estou a ler já nem vejo as gralhas, estou de tal forma embrenhado que o sentido tolda e torna quase secundária a apresentação das letras e palavras que estou a ler. Há um excesso de sentido no ser contacto em que se dá a minha adesão com a ressuscitação possível do sentido. Esse sentido não é de natureza perceptível, mas inteligível. O estar a ler transcende o contacto dos meus olhos com as letras e palavras. O que está a funcionar na leitura excede completamente a minha relação perceptível com as páginas. Tem de haver não só disponibilidade de entrar nesse sentido, mas entrada efectiva nesse mesmo sentido.

O deixar-me conduzir consiste apenas em focar as linhas que leio e o obscurecimento dos pensamentos que flutuam na minha cabeça e na ordem do dia. Mas esta descrição não consegue ser eficaz, porque ela descreve negativamente o que acontece na leitura. Não consegue descrever poruqe quer mostrar um carácter operativo na ausência da operação.

Percepção de um sentimento. o conteúdo do que ele está a analisar é um conteúdo formal. A percepção sensível é completamente insuficiente para compreender o fenómeno que se pretende descrever.  Se eu falo desta vivência do influxo, do que origina a causa, do ser levado, quer dizer que eu como que sinto o movimento do aspecto com a linguagem. Explicitação de um horizonte de sentido, e não se consegue descrever a ocasião que eu tenho para a leitura acontecer -- e eu leio. Não se consegue descrever qual a alavanca que me mete dentro de influxo e que transforma os conteúdos ópticos pelo facto de me transportar para dentro do sentido. É quando estamos dentro desse sentido que somos levados nas horas.
Estou na percepção de um sentimento e não de um conteúdo de sentido.


171.  Compreendemos um caracter japonês pode ser activado por alguém que sabe ler japonês. Descrição entre polos diferentes, mas que pressupõe para ser compreendido que pode haver um contacto linguístico  no qual, sem sair da âmbito linguístico, se passa a perceber o sentido.

O que se compreende é que as letras e o som são compreendidas no ler. Destruição de dialética da identidade dos caracteres como legíveis e da acção da leitura como acontecimento da lucidez: podemos varrer os caracteres de um livro de manhã à noite e não ler esses caracteres. Compreender o que é ler um livro dá-se na leitura do livro. É semelhante a uma fusão. É a associação que nós fazemos entre o rosto de uma pessoa e o seu nome. Há uma relação entre o sentido das palavras e as palavras que referem esse sentido, de tal forma que uma está implicada na outra.
A dificuldade é esta: A relação entre sentido e possibilidade de ser catapultado pelas palavras para o sentido não se prende com ouvir do som... Quando descemos ao nível sonoro dos sons não percebemos que são eles que têm uma característica excessiva, sintética, que nos permite ser catapultado para o sentido. Os caracteres têm em si, de algum modo, uma característica que nos permite ser catapultados para o sentido, mas ao descer ao puramente perceptível essa característica pode-se perder.

É esta forma de influxo que permite perceber o que é ler. A leitura não se prende apenas com a técnica de ler ou com a posssibilidade do livro ser lido ou a possibilidade de eu ler, mas a leitura dá-se quando eu leio, quando eu sou a ler. Estou a ler quando estou a ser levado nas horas. É neste sentido que se compreende que se cria o mundo quando eu ler -- compreender é ser. É isso que está a ser descrito nesta entrada pelo mundo adentro. Quando eu estou a ler eu estou ali, estou a ser nesse mundo, nesse horizonte de sentido.  O que Wittgenstein tenta aqui é explicar o que se passa quando eu percebo algo. Compreender algo é ser isso. Isso só se dá na entrada de um fluxo, de um rio que me leva -- é o ser levado.



172. Pensemos nesta vivência do estar a ser levado, estar a ser conduzido. Ex. Como tens passado? Vou indo. Isto corresponde à forma como estamos montados na vida -- o estar motado no cavalo do tempo (Píndaro). Ex. de Witt -- na dança, no ser levado por um caminho por onde não queremos ir, estar a se levado de olhos vendados, ser levado na conversa (ir para onde a conversa nos leva), descer um caminho no campo. Descrição, não de uma percepção, mas de uma forma de expectativa: estar na expectativa do puxão da mão, ou da condução da mão a dançar. Não há apenas uma leitura peceptiva do que se está a passar mas tem de haver uma leitura da antecipação, um antecipação quanto à pressão ou quanto à direcção. Nós não temos nunca uma percepção meramente perceptiva: a percepção disponibiliza logo uma possibilidade de antecipação -- a leitura perceptiva está já dada numa perspectiva de expectativa em relação ao que está por vir.

Ex. dança - torna-se mais sensível para perceber ao menor dado a direcção por onde se vai seguir. Temos de estar receptivos e projectar/ adivinhar o que vem. Qual é a base da projecção? um toque, ou o rosto de alguém, etc. Está em causa uma disponibilidade para perceber para onde o parceiro que conduz nos quer levar. Se tivéssemos só percepção não era possível nenhuma interpretação, nenhum sentido. A interpretação só é possível por causa desta expectativa. E é também isto que acontece numa conversa. Na conversa não há um indivíduo que fala para outro, há uma conversa.

(Está a ser abatida uma compreensão intelectual da compreensão do sentido -- compreender não é uma operação intelectual.)

Pergunta: o que é há de semelhante nestas circunstâncias? o que é que há de comum nestas circunstâncias? O que é que torna todos estes fenómenos como viver a vida como estando a ser levados nela? Compreensão da vida como estar metido num fluxo. "foram muitos anos" mostra esta estrutura complexa do estar a ser levado pela vida.

Ele tenta, através de instanciações diferentes do estar a compreender algo, instanciar o que é compreender algo. Tenta encontrar o que é ser levado por algo, descrevendo coisas diferentes ele tenta chegar ao que é estar a ser levado. A vivência concreta da pergunta pelo sentido mostra de forma concreta esta pergunta do "por onde estou a ir?", ou seja, mostra a tensão de antecipação com o que está por vir. Experiência do tempo a ocorrer e da relação com oq ue está para ser, bem como com o que foi e o que era para ter sido.

Outro exemplo: escrever. Estar a escrever é também assim, é estar a ser levado pelo que tem de ser escrito. (Rilke: é a mão que escreve).

Nós fomos nas horas pelo modo peculiar como intervimos no tempo. O qeu eu fiz ao fim do dia foi o que fiz do tempo: ser levado é a forma peculiar como fazemos tempo. E isto é completamente pessoal e intransmissível: o meu dia foi completamente diferente do de todos os outros, e eu não posso pôr ninguém nos meu tempo, a ser levado na situação em que eu sou levado -- não posso pôr ninguém a ver o que eu vejo, a ser levado como eu sou.

 O que está a ser descrito é a possibilidade de intervenção na vida: forma peculiar de transporte que nos leva nas horas, ou seja, da modificação. Nós termos de fazer algo da vida é que é tremendo. mas este ter de fazer algo é a impossibilidade de não estar a ser levado; ou melhor, o mais desagradável na vida é não estar a ser levado. O que causa os problemas é que o não estar a ser levado é contra natura, por isso não ser levado na vida corresponde a um tédio absoluto.


175 - querer ser levado e não conseguir.


A pergunta pelo sentido é feita a nós por qualquer coisa que está dentro da nossa cabeça. Porque apenas nesse instante emerge a ideia daquele influxo etéreo e incaptável, insusceptível de ser agarrado. O que permite compreender o sentido é incapturável. Quem é esse agente brutal que me faz acordar e adormecer? O que é que dá a possibilidade de habitar um sítio e compreender um sentido?


176 - A experiência deste influxo é um vinculação (Verbindung). A simultâneadade ou sincronização é insuficiente para descrever o que está em causa. A vida é uma expressão maciça dessa fonte de pressão que é aquilo que nos leva. Todos os segundos da minha vida têm de ser uma expressão de eu só poder ir por ali -- fazer vida é ir pela única possibilidade de eu ir.

177 - Eu só compreendo porque o conceito me deixa compreender através dele, eu compreendo porque estou a ir nesse conceito. Ele está a descrever a pergunta pela origem da mudança: de onde vem a origem da mudança? Em causa está a identificação de "de onde é que isto veio?"  A questão é que a origem da mudança vem do futuro, como disse Aristóteles. Vem de uma forma de tensão em relação a um haver, a algo que há de vir.


197 - Compreensão do futuro. Tudo se passa como se pudéssemos captar/compreender o uso de uma palavra de um golpe. O momento em que estamos a ser levado não é um momento que se construa, é um momento em que de repente estamos lá.
Naquilo que acontece não há nada de espantoso nem de estranho, estranho torna-se porem o facto de sermos levados a pensar que o desenvolvimento futuro de algum modo tem de estar presente na captação e por outro não está presente.


Compreensão - ser levado - forma de abertura - tensão com o que está por vir.


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