Affectus
Termo que traduz o grego πάθοσ,εοσ
Antes de
partir para Tácito temos de ir a Aristóteles: compreender a interpretação dos
afetos
Ética a NIcómaco 108b11 -- Há três espécies de disposições
(διάθεσισ). duas são de perversão: uma de excesso, outra de falta; uma única de constituir virtude.
Todas são opostas uma das outras. Umas são limites extremos, e a outra
encontra-se na posição do meio, e são contrárias umas relativamente às outras.
A do meio é contrária às disposições extremas.
Αs
disposições/ habitus/disposições adquiridas (ἔξεισ) que se encontram no meio excedem as que se encontram a ser por
defeito, e relativamente às excessivas existem por defeito, nas afecções e nas
acções. Ex o que é generoso parece agarrado ao dinheiro relativamente ao
esbanjador, mas parece generoso relativamente ao avarento. Aqueles que se
encontram em situações extremas são repelidos pela disposição do meio.
O que
Aristóteles está a descrever é o plano da praxis,
ou seja, o plano da acção humana. Há um sentido em que a noção de praxis corresponde à nossa acção, em que
conseguimos identificar o agente, a altura, etc; corresponde à forma como a
gramática permite esgotar a situação: sujeito, predicado, complementos, etc...
Mas existe uma outra forma de compreender a praxis:
como horizonte de execução do humano. Em Homero, o termo tem o sentido de
atravessar um rio, ou um mar: foca a travessia, a exposição aos perigos, o
motivo pelo qual se navega, etc. Nesse sentido corresponde à compreensão que na
vida temos programas, problemas, projectamos soluções e deparamo-nos com
estados de coisas. É esta tensão com o que se passa que gera a tensão com a
resolução do sentido das situações e da vida -- estamos sempre numa óptica de
resolução daquilo com que nos deparamos.
Entre essas
formas de exposição, algumas são constantes. Estamos sempre expostos à ira e ao
prazer, exposição essa que contraria o λογοσ. O difícil é
fazer a gestão de tudo -- Ex. Um prazer pode ser excessivo e por isso levar à
ressaca, ou ciar uma dependência que leva não à melhoria da vida mas a um vício
que a torna pior. A neutralização da perspectiva do prazer também não constitui
nenhuma virtude para Aristóteles -- a perspectiva humana sem qualquer contacto
com o desejo de prazer não é humana
(não tem a ver com o sentir ou não prazer, mas sim com o fechamento do desejo
de prazer).
Ex. De
enquadramento em situações vitais, ou seja, da vida prática: O audaz e o cobarde
têm uma relação excessiva ou defeituosa com o medo -- um não sente medo porque
não tem uma tensão com o medo, o outro porque tem uma tensão excessiva com o
medo. Mas o audaz pode ser audaz por tensão excessiva com o medo: ele tem medo,
mas foge para a frente em vez de fugir para trás.
Assim, o
audaz, o cobarde e o corajoso correspondem a três modos de relação com o medo
-- correspondem por isso a diferentes disposições e diferentes disposições
adquiridas. O que define o modo da experiência prática é o modo como nos
relacionamos com esses acontecimentos. Não tem a ver com uma anestesia ou uma
hipertrofia do prazer, mas a um modo específico de relação com o prazer, e com
o medo, etc.
É o πάθοσ
que determina a situação em que nos encontramos. Quando preguntamos aos outros
como está, quando percebemos que outros são desejáveis ou temíveis, é isso que
temos em vista. É nesta situação fronética
que identificamos a forma de abertura à vida, ou seja, a antecipação
relativamente ao que vem, ao que nos envolve. São esses vectores que criam
polos de atracção e de repulsa -- eles não se constituem no plano teórico,
porque ele não tem anda a ver com as coisas, com os afectos, ele é um ponto de
vista que está no gozo da teoria pura. Fica por perceber qual a determinação do
πάθοσ que permite abrir para a teoria -- se não houver um πάθοσ que abra à
teoria não há nenhuma teoria que se constitua. Nós podemos perceber que há dias
em que não dá, não conseguimos fazer nada, e há dias em que não conseguimos
sair dele nem que caiam bombas à volta.
Ser cobarde
só pode ser compreendido ao descrever o cobarde, pois só se percebe o fenómeno
caso se entenda a natureza do agente.
φρόνησισ -- tem que ver com o diafrágma --
encher os pulmões, tem que ver com a respiração. Forma peculiar de acordar para
uma situação - transição da demência (ὰφροσύθνην) para a φρόνησισ -- momento
de passagem do estar a dormir para estar acordado. É uma forma de lucidez que é
descrita como o despertar para uma situação. Esta lucidez corresponde a vagas
formais de acordo com o sentido que as coisas podem ter e só se dá quando se
tem esta perspectiva fronética. A
medição daquilo perante o qual nos encontramos é patológica.
105b19 -- Tem de se examinar o que é a excelência (ἀρετέ) - uma vez que os fenómenos da lucidez são
três -- πάθοσ, δύναμισ, ἑξισ --, perguntamos qual destes três será a
excelência.
πάθοσ é prazer e
sofrimento (ἡδονή e λύπη), que são conteúdos que levam a uma
perseguição e uma fuga -- vê o que acontece e ao memso tempo que sente isso
está a antecipar o futuro disso como promessa e ameaça. São eles que determinam
os processos de lucidez, são eles que nos põem em tensão com o que vem. Criamos
uma continua análise do estado em que nos encontramos, uma continua
interpretação do aocntecimento, em tensão com o sentido ou falta de sentido das
situações com que nos deparamos.
As δυνάμεισ (significa "ser capaz")
são formas de acontecimento de acordo com as quais somos afectados. Somos
capazes de ficar irritados, de ficar deprimidos, de ficar com compaixão (sempre
no aoristo -- estamos expostos a isso pelo menos uma vez --, e na voz passiva:
há um agente que nos afecta). É definido o horizonte de excitabilidade em que
nos encontramos. Podemos ter uma conversa com uma pessoa que tem δυνάμεισ diferentes, e nesse caso não nos encontramos
ponto comum, é uma conversa de surdos. A nossa irascibilidade é susceptível de
maior ou menor estímulo de acordo com tal e tal situações. São potencias de
afectação relativamente a agentes que nos irritam - nós temos a potência de
sermos irritados, e o conteúdo da irritação é essa própria potência, mas depois
há gatilhos que nos acordam a ira.
Ou seja: somos
susceptíveis de ser irritados, ou de ter compaixão, ou de estar deprimidos --
temos uma possibilidade de ser assim que é activada pelo horizonte da praxis no qual nos encontramos.
ἕξεισ ( ζοων λογον ἓχεισ -- ser capaz de
logos). Tem na origem o verbo ser. Corresponde a uma segunda natureza e
corresponde a uma forma de ser (tal como as δυνάμεισ), mas que resulta do trabalho -- visa domesticar ou incentivar
características do ponto de vista. Visa a formação de um modo de ser -- a
formação de um carácter. É por ela que nos encontramos bem ou mal relativamente
aos παθή. Ela é definida como modo de ser:
um πωσ πρόσ τά παθή -- é tido aqui em vista a acentuação
das circunstâncias adverbiais, ou seja, o modo como nos relacionamos com os παθή. Nós relacionamos-no violentamente ou
então de maneira alguma, e nesse caso relacionamo-nos mal com os παθή, mas se
estivermos no meio relacionamo-nos bem com os παθή. A violência do πάθοσ é
definida pelo modo de me relacionar com eles, e não é o πάθοσ que determina o
modo de me relacionar com ele. O que
sabe é aquele que modera isso, nem que seja pela técnica -- o general que
avalia o perigo e sabe qunado e como reagir ao πάθοσ.
O ponto é que nós
na vida não temos técnica para viver, não há uma receita para me relacionar com a vida.
Nem as excelências
ou as virtudes são os afectos. As pessoas não são boas de acordo com as
paixões, mas de acordo com as excelências e perversões. Também não se louva as
pessoas pelos παθή, nem o modo como se encontra -- ou
seja, é o modo (πωσ), de acordo com ἔξεισ, com determinações adquiridas. O
mesmo acontecimento de sofrimento ou prazer é visto de três ponto diferentes:
1) relação
imediata no conteúdo com o prazer ou a irritabilidade; o momento de impacte.
Nós estamos sempre na antecipação deste momento -- à espera do prazer e da dor
e a perseguir e fugir em função disso.
2)estado em
que podemos estar se entrarmos em confronto com o estímulo. Possibilidade de
contacto com isso que nos activa: que nos atrai o repele. Simulação a sério das
situações com que nos vamos encontrar, mas sem estar mesmo a sentir isso -- despertar
essas situações que não estão perante nós e por isso antecipar as tais
situações. Possibilidade de jogo lógico de antecipação da possibilidade prática
(Ex. treino). A possibilidade de coragem quando tudo é contra, de ser piedoso
quando tudo é contra, tudo isto é altamente improvável -- possibilidade de manter o contacto com a única coisa que me mantém longe do caminho
que me leva à perdição -- o que tenho de fazer é perceber que será
infinitamente pior se for por esse caminho para onde tudo aponta -- o logos das
ἕξεισ põe-me na circunstância de eu perceber o estado em que vou ficar se
seguir esse caminho: tudo está contra mas eu posso perceber a circunstância em
que vou estar se tomar essa decisão -- mas essa compreensão é patológica. Ex a
cobardia é antecipada pela vergonha. (vergonha, pudor, arrependimento --
αισχύνη; pudor -- αἰσχεόν; σἰδώσ).
Possibilidade da situação em que vamos estar por antecipação dela sem ela se
constituir -- antecipação da fuga como acto veronhoso; antecipação da ressaca
depois do prazer. Mas este trabalho da paideia
nunca abandona os afectos - não é um cálculo frio e lógico das situações, mas a
antecipação dos πάθη a que vamos estar expostos se fizermos isto ou aquilo. Eu
não faço isso porque se fizer não vou suportar a vergonha. A possibilidade da
excelência ou da virtude não se dá sem antecipação. Tem o sentido de uma προ
αιρεσισ, uma escolha que eu prefiro em preterência de outras. A αίρεσισ tem a
ideia de escolha: A)a identificação do que é elegível, aquilo que posso escolher
e preterir; B) qual é a natureza deste acontecimento na natureza humana, qual a
natureza da escolha, ao escolher por onde é que eu vou -- corresponde a um
"ir por aí"; a escolha faz-se exercendo-se: eu posso escolher não ir
por aí. Isso significa que eu escolher
não ser fumador é não fumar, é não ser fumador. Na resolução do que eu faço eu
escolho e sou -- em certa medida eu sou o que eu faço (mas há uma certa
reserva). Eu escolho o que sou na medida em que aquilo que eu escolho eu sou --
eu escolho não fumar quando não sou fumador. Em causa na προαίρεσισ não está um
eu gostava de ser X, mas sou Y, mas eu sou aquilo que verdadeiramente escolhi
ser. Em cada caso adoptar uma opção é ser justamente isso. O âmbito da escolha
desta προαίρεσισ é do âmbito dos sentimentos. Em causa não está a profissão, um
vestido, etc., mas a possibilidade de compreender a possibilidade de não ficar
irritado pode ser um conteúdo preterível ou elegível, e há uma antecipação
desses caminhos. A característica fundamental e compreendida pela utilização portuguesa
do "agarrar uma oportunidade". Ao escolher ser ou não ser X, isso
corresponde a uma conteúdo temporal que está a ser esgotado e isso pode ser
apanhado ou deixado escapar -- os momentos oportunos que nos dão ocasião para
sermos são aquelas em que identificamos os horizontes elegíveis e preteríveis
para a nossa vida.
Nós dizemos a respeito dos πάθη -- somos
levados por eles. A maneira de acontecer é passiva: somos levados e não temos
nada a dizer, é um querer que não é nosso. Mas de acordo com as excelências e
as perversões já não somos só levados, porque já estamos posicionados de uma
determinada maneira. Νa posição de escolha do âmbito do sentido e da fuga
daquilo que destrói o sentido. As excelências e os males não são potências --
porque nós não somos bons ou maus pela capacidade de sofrer. O ser muito
sensível não é bom por si. Nós somos capazes de ser afectados por natureza, mas
não somos bons ou maus por natureza (não nascemos bons ou maus).
Latim
L&S
affectus
(adf-), ūs, m. afficio.
I A state of body, and
esp. of mind produced in one by some influence (cf. affectio, I.), a
state or disposition of mind, affection, mood:
adfectuum duae sunt species: alteram Graeci πάθος
vocant, alteram ἦθος, Quint. 6, 2, 8:
qualis cujusque animi adfectus esset, talem esse hominem, Cic. Tusc. 5, 16,
47: dubiis adfectibus errat, Ov. M. 8, 473: mentis, id. Tr. 4, 3,
32: animi, id. ib. 5, 2, 8: diversos adfectus exprimere, flentis et
gaudentis, Plin. 34, 8, 19, n. 10: adfectu concitati, Quint. 6, 2, 8:
adfectus dulciores, id. 10, 1, 101; 1, 11, 2; 6, 1, 7 al.—Of
the body: supersunt alii corporis adfectus, Cels. 3, 18; 2, 15.—
Feeling -- forma de abertura ao afecto. forma de compreensão, o
sentimento está cheio de compreensão. Podemos é não interpretar logo
II Esp.
A Love, desire,
fondness, good-will, compassion, sympathy
(postAug.): opes atque inopiam pari adfectu concupiscunt, Tac. Agr. 30:
si res ampla domi similisque affectibus esset, Juv. 12, 10: parentis, Suet.
Tit. 8: adfectu jura corrumpere, Quint. Decl. 6, 11.—
B In Lucan and
in later prose, meton. for the beloved objects, the dear or loved
ones (in plur.; cf. adfectio, II. C.): tenuit nostros Lesbos adfectus, Luc.
Phars. 8, 132: milites, quorum adfectus (wives and children) in
Albano monte erant, Capitol. Maxim. 23; id. Anton. Phil. 24;
hence, adfectus publici, the judges as representatives of the people, Quint.
Decl. 2, 17 al.—
C In Seneca and
Pliny, low, ignoble passion or desire: adfectus sunt motus
animi improbabiles subiti et concitati, Sen. Ep. 75; Plin. Pan. 79, 3.—
D In the Latin of the
Pandects, ability of willing, will, volition (cf.
affectio, II. D.): hoc edicto neque pupillum, neque furiosum teneri constat,
quia adfectu carent, Dig. 43, 4, 1; 44, 7, 54; 3, 5, 19, § 2 al.
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