sexta-feira, 23 de março de 2012

Antiga, 8ª sessão protocolo de Tomaz Fidalgo.


Affectus

Termo que traduz o grego πάθοσ,εοσ

Antes de partir para Tácito temos de ir a Aristóteles: compreender a interpretação dos afetos

Ética a NIcómaco 108b11 -- Há três espécies de disposições (διάθεσισ). duas são de perversão: uma de excesso, outra  de falta; uma única de constituir virtude. Todas são opostas uma das outras. Umas são limites extremos, e a outra encontra-se na posição do meio, e são contrárias umas relativamente às outras. A do meio é contrária às disposições extremas.
Αs disposições/ habitus/disposições adquiridas (ἔξεισ) que se encontram no meio excedem as que se encontram a ser por defeito, e relativamente às excessivas existem por defeito, nas afecções e nas acções. Ex o que é generoso parece agarrado ao dinheiro relativamente ao esbanjador, mas parece generoso relativamente ao avarento. Aqueles que se encontram em situações extremas são repelidos pela disposição do meio.
O que Aristóteles está a descrever é o plano da praxis, ou seja, o plano da acção humana. Há um sentido em que a noção de praxis corresponde à nossa acção, em que conseguimos identificar o agente, a altura, etc; corresponde à forma como a gramática permite esgotar a situação: sujeito, predicado, complementos, etc... Mas existe uma outra forma de compreender a praxis: como horizonte de execução do humano. Em Homero, o termo tem o sentido de atravessar um rio, ou um mar: foca a travessia, a exposição aos perigos, o motivo pelo qual se navega, etc. Nesse sentido corresponde à compreensão que na vida temos programas, problemas, projectamos soluções e deparamo-nos com estados de coisas. É esta tensão com o que se passa que gera a tensão com a resolução do sentido das situações e da vida -- estamos sempre numa óptica de resolução daquilo com que nos deparamos.
Entre essas formas de exposição, algumas são constantes. Estamos sempre expostos à ira e ao prazer, exposição essa que contraria o λογοσ. O difícil é fazer a gestão de tudo -- Ex. Um prazer pode ser excessivo e por isso levar à ressaca, ou ciar uma dependência que leva não à melhoria da vida mas a um vício que a torna pior. A neutralização da perspectiva do prazer também não constitui nenhuma virtude para Aristóteles -- a perspectiva humana sem qualquer contacto com o desejo de prazer não é humana (não tem a ver com o sentir ou não prazer, mas sim com o fechamento do desejo de prazer).

Ex. De enquadramento em situações vitais, ou seja, da vida prática: O audaz e o cobarde têm uma relação excessiva ou defeituosa com o medo -- um não sente medo porque não tem uma tensão com o medo, o outro porque tem uma tensão excessiva com o medo. Mas o audaz pode ser audaz por tensão excessiva com o medo: ele tem medo, mas foge para a frente em vez de fugir para trás. 
Assim, o audaz, o cobarde e o corajoso correspondem a três modos de relação com o medo -- correspondem por isso a diferentes disposições e diferentes disposições adquiridas. O que define o modo da experiência prática é o modo como nos relacionamos com esses acontecimentos. Não tem a ver com uma anestesia ou uma hipertrofia do prazer, mas a um modo específico de relação com o prazer, e com o medo, etc.
É o πάθοσ que determina a situação em que nos encontramos. Quando preguntamos aos outros como está, quando percebemos que outros são desejáveis ou temíveis, é isso que temos em vista. É nesta situação fronética que identificamos a forma de abertura à vida, ou seja, a antecipação relativamente ao que vem, ao que nos envolve. São esses vectores que criam polos de atracção e de repulsa -- eles não se constituem no plano teórico, porque ele não tem anda a ver com as coisas, com os afectos, ele é um ponto de vista que está no gozo da teoria pura. Fica por perceber qual a determinação do πάθοσ que permite abrir para a teoria -- se não houver um πάθοσ que abra à teoria não há nenhuma teoria que se constitua. Nós podemos perceber que há dias em que não dá, não conseguimos fazer nada, e há dias em que não conseguimos sair dele nem que caiam bombas à volta.
Ser cobarde só pode ser compreendido ao descrever o cobarde, pois só se percebe o fenómeno caso se entenda a natureza do agente.
φρόνησισ -- tem que ver com o diafrágma -- encher os pulmões, tem que ver com a respiração. Forma peculiar de acordar para uma situação - transição da demência  (ὰφροσύθνην) para a φρόνησισ -- momento de passagem do estar a dormir para estar acordado. É uma forma de lucidez que é descrita como o despertar para uma situação. Esta lucidez corresponde a vagas formais de acordo com o sentido que as coisas podem ter e só se dá quando se tem esta perspectiva fronética. A medição daquilo perante o qual nos encontramos é patológica.


105b19 -- Tem de se examinar o que é a excelência (ἀρετέ) - uma vez que os fenómenos da lucidez são três -- πάθοσ, δύναμισ, ἑξισ  --, perguntamos qual destes três será a excelência.
πάθοσ é prazer e sofrimento (ἡδονή e λύπη), que são conteúdos que levam a uma perseguição e uma fuga -- vê o que acontece e ao memso tempo que sente isso está a antecipar o futuro disso como promessa e ameaça. São eles que determinam os processos de lucidez, são eles que nos põem em tensão com o que vem. Criamos uma continua análise do estado em que nos encontramos, uma continua interpretação do aocntecimento, em tensão com o sentido ou falta de sentido das situações com que nos deparamos. 
As δυνάμεισ (significa "ser capaz") são formas de acontecimento de acordo com as quais somos afectados. Somos capazes de ficar irritados, de ficar deprimidos, de ficar com compaixão (sempre no aoristo -- estamos expostos a isso pelo menos uma vez --, e na voz passiva: há um agente que nos afecta). É definido o horizonte de excitabilidade em que nos encontramos. Podemos ter uma conversa com uma pessoa que tem δυνάμεισ diferentes, e nesse caso não nos encontramos ponto comum, é uma conversa de surdos. A nossa irascibilidade é susceptível de maior ou menor estímulo de acordo com tal e tal situações. São potencias de afectação relativamente a agentes que nos irritam - nós temos a potência de sermos irritados, e o conteúdo da irritação é essa própria potência, mas depois há gatilhos que nos acordam a ira.
Ou seja: somos susceptíveis de ser irritados, ou de ter compaixão, ou de estar deprimidos -- temos uma possibilidade de ser assim que é activada pelo horizonte da praxis no qual nos encontramos.
ἕξεισ ( ζοων λογον ἓχεισ -- ser capaz de logos). Tem na origem o verbo ser. Corresponde a uma segunda natureza e corresponde a uma forma de ser (tal como as δυνάμεισ), mas que resulta do trabalho -- visa domesticar ou incentivar características do ponto de vista. Visa a formação de um modo de ser -- a formação de um carácter. É por ela que nos encontramos bem ou mal relativamente aos παθή. Ela é definida como modo de ser: um πωσ πρόσ τά παθή -- é tido aqui em vista a acentuação das circunstâncias adverbiais, ou seja, o modo como nos relacionamos com os παθή. Nós relacionamos-no violentamente ou então de maneira alguma, e nesse caso relacionamo-nos mal com os παθή, mas se estivermos no meio relacionamo-nos bem com os παθή. A violência do πάθοσ é definida pelo modo de me relacionar com eles, e não é o πάθοσ que determina o modo de me relacionar com ele.  O que sabe é aquele que modera isso, nem que seja pela técnica -- o general que avalia o perigo e sabe qunado e como reagir ao πάθοσ.
O ponto é que nós na vida não temos técnica para viver, não há uma receita para me relacionar com a vida.
Nem as excelências ou as virtudes são os afectos. As pessoas não são boas de acordo com as paixões, mas de acordo com as excelências e perversões. Também não se louva as pessoas pelos παθή, nem o modo como se encontra -- ou seja, é o modo (πωσ), de acordo com ἔξεισ, com determinações adquiridas. O mesmo acontecimento de sofrimento ou prazer é visto de três ponto diferentes:
1) relação imediata no conteúdo com o prazer ou a irritabilidade; o momento de impacte. Nós estamos sempre na antecipação deste momento -- à espera do prazer e da dor e a perseguir e fugir em função disso.
2)estado em que podemos estar se entrarmos em confronto com o estímulo. Possibilidade de contacto com isso que nos activa: que nos atrai o repele. Simulação a sério das situações com que nos vamos encontrar, mas sem estar mesmo a sentir isso -- despertar essas situações que não estão perante nós e por isso antecipar as tais situações. Possibilidade de jogo lógico de antecipação da possibilidade prática (Ex. treino). A possibilidade de coragem quando tudo é contra, de ser piedoso quando tudo é contra, tudo isto é altamente improvável -- possibilidade de manter o contacto com a única coisa que me mantém longe do caminho que me leva à perdição -- o que tenho de fazer é perceber que será infinitamente pior se for por esse caminho para onde tudo aponta -- o logos das ἕξεισ põe-me na circunstância de eu perceber o estado em que vou ficar se seguir esse caminho: tudo está contra mas eu posso perceber a circunstância em que vou estar se tomar essa decisão -- mas essa compreensão é patológica. Ex a cobardia é antecipada pela vergonha. (vergonha, pudor, arrependimento -- αισχύνη; pudor -- αἰσχεόν;  σἰδώσ). Possibilidade da situação em que vamos estar por antecipação dela sem ela se constituir -- antecipação da fuga como acto veronhoso; antecipação da ressaca depois do prazer. Mas este trabalho da paideia nunca abandona os afectos - não é um cálculo frio e lógico das situações, mas a antecipação dos πάθη a que vamos estar expostos se fizermos isto ou aquilo. Eu não faço isso porque se fizer não vou suportar a vergonha. A possibilidade da excelência ou da virtude não se dá sem antecipação. Tem o sentido de uma προ αιρεσισ, uma escolha que eu prefiro em preterência de outras. A αίρεσισ tem a ideia de escolha: A)a identificação do que é elegível, aquilo que posso escolher e preterir; B) qual é a natureza deste acontecimento na natureza humana, qual a natureza da escolha, ao escolher por onde é que eu vou -- corresponde a um "ir por aí"; a escolha faz-se exercendo-se: eu posso escolher não ir por aí. Isso significa  que eu escolher não ser fumador é não fumar, é não ser fumador. Na resolução do que eu faço eu escolho e sou -- em certa medida eu sou o que eu faço (mas há uma certa reserva). Eu escolho o que sou na medida em que aquilo que eu escolho eu sou -- eu escolho não fumar quando não sou fumador. Em causa na προαίρεσισ não está um eu gostava de ser X, mas sou Y, mas eu sou aquilo que verdadeiramente escolhi ser. Em cada caso adoptar uma opção é ser justamente isso. O âmbito da escolha desta προαίρεσισ é do âmbito dos sentimentos. Em causa não está a profissão, um vestido, etc., mas a possibilidade de compreender a possibilidade de não ficar irritado pode ser um conteúdo preterível ou elegível, e há uma antecipação desses caminhos. A característica fundamental e compreendida pela utilização portuguesa do "agarrar uma oportunidade". Ao escolher ser ou não ser X, isso corresponde a uma conteúdo temporal que está a ser esgotado e isso pode ser apanhado ou deixado escapar -- os momentos oportunos que nos dão ocasião para sermos são aquelas em que identificamos os horizontes elegíveis e preteríveis para a nossa vida.
Nós dizemos a respeito dos πάθη -- somos levados por eles. A maneira de acontecer é passiva: somos levados e não temos nada a dizer, é um querer que não é nosso. Mas de acordo com as excelências e as perversões já não somos só levados, porque já estamos posicionados de uma determinada maneira. Νa posição de escolha do âmbito do sentido e da fuga daquilo que destrói o sentido. As excelências e os males não são potências -- porque nós não somos bons ou maus pela capacidade de sofrer. O ser muito sensível não é bom por si. Nós somos capazes de ser afectados por natureza, mas não somos bons ou maus por natureza (não nascemos bons ou maus).



Latim

L&S


affectus (adf-), ūs, m. afficio.

I A state of body, and esp. of mind produced in one by some influence (cf. affectio, I.), a state or disposition of mind, affection, mood: adfectuum duae sunt species: alteram Graeci πάθος vocant, alteram ἦθος, Quint. 6, 2, 8: qualis cujusque animi adfectus esset, talem esse hominem, Cic. Tusc. 5, 16, 47: dubiis adfectibus errat, Ov. M. 8, 473: mentis, id. Tr. 4, 3, 32: animi, id. ib. 5, 2, 8: diversos adfectus exprimere, flentis et gaudentis, Plin. 34, 8, 19, n. 10: adfectu concitati, Quint. 6, 2, 8: adfectus dulciores, id. 10, 1, 101; 1, 11, 2; 6, 1, 7 al.—Of the body: supersunt alii corporis adfectus, Cels. 3, 18; 2, 15.—
Feeling -- forma de abertura ao afecto. forma de compreensão, o sentimento está cheio de compreensão. Podemos é não interpretar logo
II Esp.

   A Love, desire, fondness, good-will, compassion, sympathy (postAug.): opes atque inopiam pari adfectu concupiscunt, Tac. Agr. 30: si res ampla domi similisque affectibus esset, Juv. 12, 10: parentis, Suet. Tit. 8: adfectu jura corrumpere, Quint. Decl. 6, 11.—

   B In Lucan and in later prose, meton. for the beloved objects, the dear or loved ones (in plur.; cf. adfectio, II. C.): tenuit nostros Lesbos adfectus, Luc. Phars. 8, 132: milites, quorum adfectus (wives and children) in Albano monte erant, Capitol. Maxim. 23; id. Anton. Phil. 24; hence, adfectus publici, the judges as representatives of the people, Quint. Decl. 2, 17 al.

   C In Seneca and Pliny, low, ignoble passion or desire: adfectus sunt motus animi improbabiles subiti et concitati, Sen. Ep. 75; Plin. Pan. 79, 3.—

   D In the Latin of the Pandects, ability of willing, will, volition (cf. affectio, II. D.): hoc edicto neque pupillum, neque furiosum teneri constat, quia adfectu carent, Dig. 43, 4, 1; 44, 7, 54; 3, 5, 19, § 2 al.

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