quinta-feira, 20 de outubro de 2011

São Paulo: telepático, impermeável, absoluto: πνεῦμα em Cor. I


Elementos disposicionais do conceito de πνεῦμα em São Paulo
16-17 de Setembro de 2011 -Colóquio Categorias Existenciais II: Disposições. Lugar: Lisboa, Casa Fernando Pessoa Organização: grupo "Sistemas Filosóficos"  LIF, CEF-UNL
António Caeiro UNL/LIF
Um estudo do sentido e do campo semântico em que ocorrem o substantivo πνεῦμα e o adjectivo πνευματικός, ά, όν e o verbo πνέω em São Paulo obriga ao confronto com dificuldades de toda a ordem. As ocorrências de palavras que comecem com o radical ΠΝΕΥΜ-, no corpus Paulino, perfazem o número 183. De entre as Epístolas, a primeira aos Coríntios é a mais fértil, com 56 ocorrências seguida de Romanos com 37. Apenas os Actos dos Apóstolos as levam de vencida com 70 ocorrências e o Evangelho segundo São Lucas com 36. 
Há diversas possibilidades de aproximação à compreensão do sentido de uma palavra. Podemos estudar a partir da sua morfologia o seu étimo e a família de palavras que configura, tentar compreender o seu comportamento em contexto, fazer o zooming que salienta e acentua a presença de todas as palavras de morfologia idêntica, estudar a sua sintaxe. 
Este trabalho de análise no isolamento do foco de sentido não pode, porém, perder de vista unidade orgânica do corpus de que faz parte. De outro modo, corremos o risco de ficarmos com um caleidoscópio que nivela diferentes formas de compreensão e adesão a um determinado sentido. E o que talvez possa ser mais grave é que temos mesmo um resultado objectivo produzido por operadores científicos. Neste caso a leitura e a interpretação dos dados não deixa de existir. Mas é a mesma que se ocupa de textos de diversas proveniências com os mais variados temas de estudo. Por outro lado, a ideia romântica da adesão ao que vai na alma de um determinado autor corre o risco inverso. Só há leitura e interpretação. A subjectivização e relativização seria radical e parodoxal. O texto é o que lemos dele. Faz parte dessa leitura a convicção de que pensamos congenialmente com o autor. Só lemos o que lá pomos.
Suponhamos uma passagem em revista de todas as ocorrências das nossas palavras πνεῦμα e πνευματικός, ή, όν, e do verbo πνέω. Aferimos da possibilidade do nome surgir em complemento directo, predicativo do sujeito ou sujeito oracional, os diversos casos em que surge e a respectiva transfiguração, com que palavras vem associado, quando é que não ocorre e deveria ocorrer, como se comporta o verbo e de que sujeitos é predicado, se é usado nas diversas vozes, etc.. Depressa se percebe que o estudo tem de ser alargado a palavras que nada têm que ver com a raiz ΠΝΕΥΜ mas que surgem num mesmo campo de sentido: ψυχή e ψυχικός, ή, όν, e o verbo ψυχόω, νοῦς, νοητικός, ή, όν, νοέω. Como se não bastasse há opostos destes conceitos com que tradicionalmente andam a par: σῶμα, σωματικός, ή, όν, especialmente em Paulo σάρξ, σαρκινός, ή, όν. Mas o estudo não poderia ficar-se por Paulo. Ter-se-ia que perceber os paralelos no Antigo Testamento em Hebraico e os da tradução dos Septuaginta bem como a história da tradição da tradução latina. O escrúpulo científico depressa deixaria cair a empresa. Significaria o domínio do Hebraico e do aramaico. Ser-se-ia obrigado a estudos comparativos dos termos, compreensão dos textos na sua origem, datação, situação em que foram escritos, etc., etc..
A própria palavra com que traduzimos πνεῦμα para português e as correspondentes nas línguas europeias, espírito, perdeu a ligação com o étimo: sopro, respiração. Se olharmos por outro lado para a proliferação de campos em que a palavra é usada, não podemos deixar de ficar perplexos com a sua pulverização, fragmentação, pior do que tudo com algum escrúpulo filosófico: reificação. Uma busca no Google da palavra “spirit” dá-nos 711.000.000 entradas. Normalmente, a palavra surge com um complemento determinativo: o espírito do desporto ou desportivo, o espírito de competição, do que for. Mas também ficamos a saber de uma variadíssima gama de cursos para melhoria e desenvolvimento de capacidades espirituais que se podem encontrar em Health clubs ou SPA’s. As costas largas da palavra permite variadíssimas outras dimensões mais complexas. Diz-se de alguém que tem um grande espírito e fala-se do espírito dos tempos. Na história da filosofia, é, por exemplo, absolutizado por Hegel. Não será, obviamente, despiciendo referir a dimensão religiosa que dá corpo de sentido à palavra na teologia cristã, radicalizada pelo epíteto: santo.
O nosso percurso será limitado necessariamente por dois operadores axiais. O primeiro é de natureza teórica, se assim se pode dizer. Foi empregue para seleccionar os textos a serem submetidos a análise. Estamos em crer que não é nem artificial nem simplesmente ad hoc. É, antes, apoiado na tradição exegética mais do que no número de ocorrências. Assim, concentrar-nos-emos na primeira Epístola aos Coríntios de entre os textos que são campeões de ocorrências: os Actos dos Apóstolos, o Evangelho segundo são Lucas e a Epístola aos Romanos. Deixamos assim de lado as restantes Epístolas que compõem o corpus Paulino. 
Romanos é sem dúvida a Epístola mais importante de São Paulo. Configura o grande tratado de teologia cristã. Mas é em Coríntios 1 onde encontramos as linhas fundamentais de uma argumentação teológica totalmente assente na eclosão apocalíptica do espírito. Os Capítulos 2 e 3 tratam da Revelação que configura o saber de Paulo, uma revelação operada por obra e graça do Espírito e que assim não tem origem no humano nem se constitui através dos humanos, Gal, 1,1.  O Capítulo 12 permite tratar da complexa noção de Corpo de Cristo ou do modo de sermos um com os outros um corpo que extravasa para fora da anatomia do corpo a que cada ser humano está ligado. A metamorfose operada relativamente ao modo habitual de pensarmos o corpo é total e absoluta. Não apenas cada um deixaria de estar no corpo que vê ao espelho e que lhe faz sentir fome, sede e apetite, para ficar ligado a Cristo e com ele a todo o humano, ao próximo, ao amigo, ao irmão, mas também a todos os seres humanos em geral, inscritos numa dada etnia numa dada geração, independentemente de etnias ou gerações de gerações de humanos. Compreender uma tal possibilidade implica a inserção sine qua non num horizonte de ser que é caracterizado fundamentalmente por poder ser espírito: o espírito é a atmosfera e o elemento essências de cada humano. E é por isso que cada um é à escala mundial, é configurável pela totalidade do tempo e está implicado em todos os outros que são, foram ou poderão vir a ser. 
É pela aberta e reconhecimento da dimensão pneumática que temos a capacidade de discernir a multiplicidade de espíritos bem como a integração da variedade de dons possíveis num único espírito. Pergunta-se aí pelas diversas dimensões espirituais ou virtudes teológicas bem como do modo mais excelente de todos para fazer caminho até lá. Ou antes, pelo modo como o caminho é o espírito na sua dimensão mais radical. Ser-se o máximo seria existir o espírito. 
O capítulo 15, o mais decisivo na argumentação Paulina, recupera os primeiros capítulos. O único conteúdo do anúncio é Cristo crucificado. A única missão apostólica e a tentativa de expressar esse acontecimento. Expressar Cristo na Cruz só é realizável estando lá. Abrir-se ou não a dimensão pneumática implica ficar metamorfoseado pelo horizonte de sentido que passa ou não a configurar cada humano e cada vida no encaminhamento da via sacra. Este confronto apresenta-se escandaloso ou louco e estulto. Mas essa dupla possibilidade de interpretação correspondendo à reacção judaica e grega, respectivamente, são mais ou menos anódinas relativamente ao que aqui está em causa. A argumentação de Paulo obriga-nos ao confronto do mais asfixiante modo como podemos dar conta do espírito: no seu esvaziamento ou desaparecimento, esvaziamento ou desaparecimento que não são sem consequências. Sem espírito tudo é possível, pode fazer-se e ser-se tudo como se não houvesse amanhã. Por outro lado, a falta de presença de espírito não é inócua, ingénua, não nos deixa na vida como se nada fosse. Deixa-nos com a falta do seu sopro, com falta de ar, provoca asfixia. Estrangula.
A segunda frente de análise está patenteada no título desta comunicação. Elementos disposicionais do conceito de πνεῦμα. A hipótese interpretativa de que partimos está camuflada na enunciação. Na verdade, o πνεῦμα designa a atmosfera em que existimos. Com isto não se quer dizer que essa atmosfera seja reconhecida como tal de forma evidente. Muito menos que o seu acontecer seja depurado pela revelação apodíctica que nos assegura do seu arraigamento em Deus. A própria formulação é feita com o cuidado, contudo, de procurar perceber a possibilidade de dar conta de um tal acontecimento. Como habitualmente relacionamo-nos com conceitos ao tê-los formado já ou não ainda. 


Como com todos os conceitos o mesmo se passa à partida com o conceito de πνεῦμα. Mas a verdadeira concepção não é a que temos nem o sentido de um conceito é o que lhe damos. Não, quando em causa está um advento desta natureza, com estas características e essa essência. Faz parte essencial do conceito de πνεῦμα que a acontecer a sua existência, é ele próprio o conceito, a compreensão. O seu sentido é o que nos dá a compreender. Assim, pela sua existência não somos apenas compreendidos sob o seu conceito. Existimos simplesmente nele. 


A tentativa de identificação de elementos disposicionais do conceito de πνεῦμα é a tentativa de circunscrever ontologicamente o fenómeno do espírito. Só a sua acção não humana mas divina nos trabalharia. O seu acontecer dá-se por si, inesperadamente, contra todas as expectativas e em circunstâncias ou situações absolutamente adversas, onde não quereríamos estar. Este é o risco do arrostamento com o fenómeno religioso. Dele resulta o perigo e o peso da meditação sem precedentes da nossa vida, porquanto o religioso põe da forma mais radical que há a nossa própria vida sobre perspectiva. 
As alegorias do espírito
Schmitz, Hermann, Das Göttliche und der Raum, System der Philsophie III, Teil 4, Studienausgabe, Bouvier, 1977
O πνεῦμα como fenómeno divino é na sua essência caracterizado pelo casual. Sem origem no mundo, exclui-se o humano como o seu fundamento ou qualquer uma das suas instituições. Por maioria de razão, excluem-se a natureza ou o reino animal (Schmitz 12). Mas há expressões coloquiais que indicam haver uma compreensão prévia, ainda que não temática do acontecimento. Ao falarmos em problemas morais, crises de identidade ou emocionais ou impactos afectivos temos como plano de fundo o ser desses acontecimentos como o que nos atinge e afecta: o que nos foi acontecer. 
A condição em que de cada vez nos encontramos, a possibilidade de nos acharmos de uma determinada maneira é o que somos. Podemos referi-lo apenas como maneira de ser ou feitio. Mas o alcance da nossa exposição ao que está aí para vir é total. Nem tudo o que nos acontece deste modo: os outros aí, a sua ausência e afastamento ou a sua vinda e presença, as catástrofes naturais ou as revoluções dos homens tem à partida o selo divino. O que importa referir para já é que a possibilidade do religioso a dar-se é desta natureza. Atinge-nos telepaticamente, abate-se de cima para baixo sobre nós, nasce e cresce no fundo de cada um de nós. 
Mesmo sem se identificar a causa, se assim se pode dizer, ou reconhecendo-a com um controlo remoto sobre nós, a nossa condição é tal que podemos ser atingidos, ficar afectados e ser tocados por acontecimentos cuja origem e proveniência não conseguem ser identificadas. O facto é que se pode sentir o efeito de uma presença emocional ou afectiva, dar conta de uma presença que tudo transtorna feita sentir-se de forma abrupta e súbita.
Tanto assim é que a nossa vida pode ser a expressão de uma reacção a uma presença indefinida que mexe connosco e nos afecta. Sabemos como a sobrevivência post traumatica não é possível sem sequelas e como muitos comportamentos resultam de uma opressão obsessiva, sem contornos definidos. 
Pentecostes: história que cunhou o protótipo do espírito santo. A presença sentida é extraoridinária e estranha. Não se sabe o que é, mas consegue-se descrever perfeitamente o que está a acontecer. A objectividade é constituída não na realidade mas no carácter efectivo com que se apresenta, com matizes complexos diferenciados que são descritíveis e comunicáveis. A presença ominosa, 13.
A descrição é alegórica, mas é baseada em fenómenos bem concretos, para depois ser filtrada e dirigida para o que efectivamente é existe mas não é real. O vento que se levanta e sopra, rajadas de vento, ventos que atingem velocidades tremendas, ventanias. O mar que se começa a agitar, as vagas enormes que se formam para se abaterem sobre o litoral, aumento súbito da temperatura que faz ficar alagado em suor, impactos emocionais brutais. Ou seja, cada uma destas frases aponta para fenómenos bem conhecidos. O vento, o mar, a temperatura. Mas nenhum deles é o espírito nem todos eles ao mesmo tempo. 

O espírito não é nada. Ou seja, a substância destas descrições é ainda mais poderosa do que estas realidades. E, contudo, o espírito não tem realidade. Mas talvez o que importa filtrar é o modo como decorre o drama da acção daquelas realidades: o súbito e o repentino, a agitação, o aumento de grau, a intensidade, a invasão do olhar. 13
É assim como se uma não realidade se apresentasse, súbita e repentinamente, se abatesse como que provinda de lado nenhum sobre nós, deixando-nos fora de nós. Uma realidade por que não esperávamos e nos prende toda a nossa atenção. O que dela temos são verbos e não realidades. O seu ser é como, mas não é o mesmo do que, a agitação do mar, a formação de núvens, o levantar-se do vento, o aumentar do grau da temperatura. 
Agitar-se, formar, levantar, aumentar, etc., são nomina agentis, só os compreendemos com o algo que agita, é agitado e se agita. Ou seja não são realidades que existam. São expressões comportamentais de sujeitos oracionais como o ar, o mar, a atmosfera. Mas podiam ser da criança, do governo, do velho, do peso. O levantar-se do vento é diferente do levantar-se do velho. O vento não é o velho. O modo como o levantar-se do vento é pensado é diferente do modo como velho se levanta. 
Mas há algo de comum no levantar-se: o estar num estado e passar a estar noutro. O vento amainado levanta-se: começa a soprar. O velho sentado levanta-se. O verbo aponta para o começo ou princípio de uma acção que altera um estado de coisas em que o seu sujeito se encontrava. Este elemento de sentido conota o espírito de uma forma concreta: o que não era ou estava ausente passa a estar presente e a ser. De um não qualquer coisa que não era passa a sentir-se uma presença mais vincada do que tudo o resto: inunda e invade tudo, alaga-me e enxarca-me, envolve-me. 
Ao –me e tudo: todos os outros, o céu estrelado e o interior da terra, toda a minha vida passada e futura, antes de ter nascido e depois de ter deixado de ser: tudo está nessa presença que se levanta, agita, abate, aumenta de intensidade numa escalda de violência sem precedentes.
Nos Actos dos Apóstolos, lê-se em 2, 4: καὶ ἐπλήσθησαν πάντες πνεύματος ἁγίου, n. 40, 14. E fala-se numa Πληροφορία, 14. Ser atingido pelo espírito santo como agente é ficar cheio ou repleto com o espírito santo, expressão de meio ou instrumento. Trata-se de uma Atmosfera, 14 que permite no dizer de Schmitz uma “Hipostasierung des heiligen Geistes”. Mas quando se faz uso do artigo definido, deixa-se na sombra o modo como aparece. 15
A possibilidade de nos referirmos concretamente à presença do espírito como nos referimos a uma pessoa ao designá-la pelo nome é radicalmente diferente do modo como estamos a falar com essa mesma pessoa, coexistimos ou convivemos com ela. Também a presença de uma pessoa se manifesta no seu ser connosco o mais das vezes e primariamente de forma indefinida. É perfeitamente possível não saber do que uma pessoa gosta, a dificuldade que temos em comprar presentes de aniversário e de Natal para pais e amigos, a cor dos olhos de alguém e sabermos perfeitamente da presença que se faz sentir em nós, como é connosco, como nos deixa e faz sentir. 
Schmitz na sua análise do “Heiliger Geist” caracteriza a formação do espírito como derramamento e sombreamento a toda à volta (Ausgießung und Umschattung). Os fenómenos físicos e meteorológicos são alegorias vivas da presença do espírito. Numa primeira instância são como as metáforas na Ilíada para descrever sentimentos: a saudade ardente do outro no desejo erótico, eros, ou a preocupação aflitiva (begehrliches ertoisches Verlangen, eros, im ersten, beklommener Kummer, achos). Numa segunda instância, refere-se ao modo como se formam atmosferas, como se geram climas, como cada um de nós cai e está dentro dessas atmosferas: als Atmosphären in die der Ergriffene hineingerät, 18.
A metáfora da pomba com as suas asas abertas protectoras e auspiciosas e semiótica do ar líquido baseada na compreensão arcaica segundo a qual o ar é água rarefeita permite compreender como o espírito é derramado, nos envolve ou paira como nuvens no céu sobre os homens (Schmitz 18). 
“Die Vorstellung eines geflügelten Geistewesens mit ausgebreiteten, Schatten spendenden Flügel anspielt, … wie eine Taube, Luc, 3, 33, Jo., 1, 32., p. 22, “Wie die Flügel der Tabuen über ihren Jungen sind und die Schnäbel ihrer Jungen ihren Schnäbeln zugekehrt, so sind auch die Flügel des Geistes über meinem Herzen”, Oden Salomonis, 28, 1, pp. 22-23. Citações a partir das quais Schmitz procura caracterizar a atmosfera e ambiente de protecção e familiaridade que é um vestígio do modo como efectivamente se é tocado afectivamente pela presença do Espírito Santo. (Atmosphäre der Geborgenheit, die im affektiven Betroffensein vom heiligen Geist) ou na metáfora da luz do brilhar do sol (Schmitz 23).
O derramamento, Ausgiessung, Guss, Erguss aponta a uma atmosfera transpessoal, überpersönliche Atmosphäre, que servem para descrever a vocação e o chamamento apostólico, como chuva: “überschattende Macht auf die in Fleisch und Blut Christi zu wandelnden eucharistischen Gaben, Brot und Wein herabkomme” (Schmitz 19), presentes quando Jesus fala da corrente de água viva ou para referir o facto de um único espírito que ao derramar-se é o mesmo que se dá como presente a uma multiplicidade de indivíduos ou como o sol que nasce para todos. (Ergossenheit: Jesus-Rede von Strömen lebendingen Wassers, Der heilige Geist als der eine und selbe ungeteilt Vielen gegenwärtig und Anteil an sich gibt, Schmitz 19-20). Permite compreender a chuva fertilizante enviada por Deus e a Graça como doçura que derramada expande o coração. (Des von Gott gesandten befruchtenden Regens Gnaden: süß hearbströmend sein Herz weitet.)
Independentemente do elemento fértil da humidade (Feuchtens Element), da possibilidade de substantivação numa pessoa ou numa figura, o elemento decisivo é o modo como acontece, os verbos que descrevem as acções fundamentais do acontecer do espírito, os advérbios que os acompanham. 
O espírito é o elemento ou a atmosfera em que se vive e para o que se despontou (Element oder Atmosphäre, worin man lebt oder aufgeht). Schmitz refere o elemento disposicional fenomenológico fundamental do acontecimento ao dizer que “Die Ergriffenheit von Gefühlen als deren Ergossenheit über den Ergriffenen sind Keineswegs subjektiven oder gar privaten”. Antes tratam-se de “ergreifende Mächten und mächtigen Atmosphären” que “spontan und ganz natürlich sich aufgedrängen” (Schmitz 20.).
O abater-se da sombra, Übeschatten, ἐπισκιάζειν, surge no Evangelho segundo são Lucas em 1, 35: “πνεῦμα ἅγιον ἐπελεύσεται ἐπὶ σὲ καὶ δύναμις ὑψίστου ἐπισκιάζει σοι” (o espírito santo abater-se-á sobre ti e o poder do altíssimo fará sombra sobre ti) e em 9, 34: ταῦτα δὲ αὐτοῦ λέγοντος ἐγένετο νεφέλη καὶ ἐπεσκίαζεν αὐτούς· ἐφοβήθησαν δὲ ἐν τῷ εἰσελθεῖν αὐτοὺς εἰς τὴν νεφέλην. (Depois de dizer isto, surgiu uma nuvem e abateu a sua sombra sobre eles. Ficaram transidos de medo por os ter feito entrar para dentro da própria núvem.).
Eucharistische Epiklese, 
Es enstand eine Wolke und überschattete sie, sie schauderten, ἐφοβήθησαν, als sie in die Wolke inheingingen“, Lukas, 9, 34”, 21
A REDE CONCEPTUAL
Τὸ πνεῦμα aparece substantivado em 2, 10, 1: Depois de reconhecido ὁ θεός como o agente da revelação, ἡμῖν δὲ ἀπεκάλυψεν  θεὸς, através do espírito, διὰ τοῦ πνεύματος. Paulo apresenta-o numa das suas operações fundamentais de perscrutação de tudo, até sonda as profundezas de Deus: τὸ γὰρ πνεῦμα πάντα ἐραυνᾷκαὶ τὰ βάθη τοῦ θεοῦ, 2, 10. A não ser τὸ πνεῦμα τοῦ ἀνθρώπου τὸ ἐν αὐτῷ, nenhum dos humanos alguma vez soube daquilo que é próprio dos humanos, τίς γὰρ οἶδεν ἀνθρώπων τὰ τοῦ ἀνθρώπου εἰ μὴ τὸ πνεῦμα τοῦ ἀνθρώπου τὸ ἐν αὐτῷ; Do mesmo modo que ninguém ou nada conseguiu reconhecer o que é pertença ou o que é próprio de Deus a não ser o espírito de Deus: οὐδεὶς ἔγνωκεν, 2, 11. 
I.
Ο espírito tudo perscruta, o espírito sabe, o espírito reconhece. Para além do poder cognitivo, de perscrutação e de compreensão: πάντα ἐραυνᾷ, οἶδεν, ἔγνωκεν.
Há um espírito que existe no humano, τὸ ἐν αὐτῷ, é o espírito de Deus. Ele habita em vós, τὸ πνεῦμα τοῦ θεοῦ οἰκεῖ ἐν ὑμῖν, 3, 16, 1. Como sujeito da passiva: ἵνα τὸ πνεῦμα σωθῇ ἐν τῇ ἡμέρᾳ τοῦ κυρίου, 5, 5, para que o espírito fique salvo ou seja preservado no dia do senhor, é necessária a destruição da carne, a ausência do corpo e a presença de espírito, 5, 3. 
II. 
τὸ πνεῦμα τοῦ θεοῦ οἰκεῖ ἐν ὑμῖν, τὸ πνεῦμα σωθῇ ἐν τῇ ἡμέρᾳ τοῦ κυρίου.
Há um único espírito mesmo apesar das divisões carismáticas ou dos diversos dons distribuídos por quem os obtem: τὸ δὲ αὐτὸ πνεῦμα, 12, 4, 1. A doação é feita, κατὰ τὸ αὐτὸ πνεῦμα, 12, 8. 
III. 
τὸ δὲ αὐτὸ πνεῦμα, κατὰ τὸ αὐτὸ πνεῦμα
Nós não captámos ou compreendemos o espírito do mundo mas o espírito que provem de Deus, para vermos como fomos agraciados por Deus, ἡμεῖς δὲ οὐ τὸ πνεῦμα τοῦ κόσμου ἐλάβομεν ἀλλὰ τὸ πνεῦμα τὸ ἐκ τοῦ θεοῦ, 2, 11, 4. A expressão da relação com o espírito é de captação ou compreensão. Captamo-lo para podermos compreender as coisas de Deus.
A captação aqui em causa agarra-se-nos à pele. Talvez se possa compreender melhor o que está em causa na captação do espírito não como um acto cognitivo e activo da nossa parte, mas antes uma invasão que nos deixa num determinado estado e na verdade sob o efeito da sua impressão.  Veja-se, por exemplo, a comparação agressiva entre a união em corpo com uma prostituta e a união em espírito com o Senhor 6, 17: da mesma forma que o que se liga a uma prostituta se torna num único corpo com ela, porquanto existirão os dois num único pedaço de carne, o que se liga ao senhor torna-se com ele num único espírito, ὁ δὲ κολλώμενος τῷ κυρίῳ ἓν πνεῦμά ἐστιν, 6, 17, 2, como comunhão no matrimónio com Deus, 7, 40. 
E num único espírito todos fomos baptizados ou mergulhados ou ficamos imersos num único corpo, ἐν ἑνὶ πνεύματι ἡμεῖς πάντες εἰς ἓν σῶμα ἐβαπτίσθημεν, todos bebemos de um único espírito, πάντες ἓν πνεῦμα ἐποτίσθημεν, todos quer dizer: Judeus ou Gregos, escravos ou livres, 12, 13. Sublinhe-se o contraste entre a locução adverbial: num único a contrastar com todos. τὸ αὐτὸ πνευματικὸν βρῶμα ἔφαγον, καὶ πάντες τὸ αὐτὸ πνευματικὸν ἔπιον πόμα· ἔπινον γὰρ ἐκ πνευματικῆς ἀκολουθούσης πέτρας, 10, 4. 
IV. 
1) Ἐλάβομεν ἀλλὰ τὸ πνεῦμα τὸ ἐκ τοῦ θεοῦ
2) Ἐν ἐνὶ πνεύματι ἡμεῖς πάντες εἰς ἓν σῶμα ἐβαπτίσθημεν
3) Πάντες ἓν πνεῦμα ἐποτίσθημεν, 
4) τὸ αὐτὸ πνευματικὸν βρῶμα ἔφαγον
5) καὶ πάντες τὸ αὐτὸ πνευματικὸν ἔπιον πόμα· 
6) ἔπινον γὰρ ἐκ πνευματικῆς ἀκολουθούσης πέτρας. 
7) Ὁ δὲ κολλώμενος τῷ κυρίῳ ἓν πνεῦμά ἐστιν.
A forma da apropriação descrita por metáforas de assimilação de líquidos e alimentos sólidos, para o interior do corpo humano ou então de uma imersão e alagamento que enxarcam. Apropiração por hosmose. Captação, agarrar. Fica de fora o elemento cognitivo nitidamente. Não há aqui nada para ser conhecido. 
É o que dá dimensão de sentido à oração e à prece e surge como equivalente a νοῦς, ἐὰν [γὰρ] προσεύχωμαι γλώσσῃ, τὸ πνεῦμά μου προσεύχεται, προσεύξομαι τῷ πνεύματι, προσεύξομαι δὲ καὶ τῷ νοΐ· 14, 14-15. 
V. τὸ πνεῦμά μου προσεύχεται
Distingue-se ontologicamente do sopro vital ou da existência humana para dentro da qual nasceu o primeiro Homem, Adão: εἰς ψυχὴν ζῶσαν, 15, 45, porquanto o último Adão nasceu para o espírito que cria vida, sopro vivificante, ὁ ἔσχατος Ἀδὰμ εἰς πνεῦμα ζῳοποιοῦν, 15, 45. Tal distinção ontológica permite reconher o modo de ser radicalmente diferente entre Adão, o proto humano e Cristo o segundo homem. O primeiro é configurado pela lucidez vital da existência humana, mas não pelo sopro que dá vida na lucidez. O segundo é todo espírito, 15, 46. O πνεῦμα configura a ψυχή, não o inverso. Há almas sem espírito. O corpo dotado de alma é semeado; o que é dotado de pneuma, ressuscitado, posto de pé, levantado, σπείρεται σῶμα ψυχικόν, ἐγείρεται σῶμα Πνευματικόν, 14, 44.
VI. 
1) εἰς πνεῦμα ζῳοποιοῦν
2) σπείρεται σῶμα ψυχικόν, ἐγείρεται σῶμα Πνευματικόν, 14, 44.
As coisas de que falamos não se encontram nos conceitos da sabedoria humana, susceptíveis de ser aprendidos ἃ καὶ λαλοῦμεν οὐκ ἐν διδακτοῖς ἀνθρωπίνης σοφίας λόγοις mas nos que podem ser ensinados pelo espírito, genitivo subjectivo, ἀλλ’ ἐν διδακτοῖς πνεύματος. 
Foi com temor e um tremor enorme que fui até junto de vós: pois a minha palavra e o meu anúncio não são passíveis de persuasão ou convencimento, existem na demonstração apodíctica que o espírito executa e no seu poder possibilitante, não reside na sabedoria dos homens mas no poder de Deus, καὶ ἐν φόβῳ καὶ ἐν τρόμῳ πολλῷ ἐγενόμην πρὸς ὑμᾶς, καὶ ὁ λόγος μου καὶ τὸ κήρυγμά μου οὐκ ἐν πειθοῖ[ς] σοφίας [λόγοις] ἀλλ’ ἐν ἀποδείξει πνεύματος καὶ δυνάμεως,  ἵνα ἡ πίστις ὑμῶν μὴ ᾖ ἐν σοφίᾳ ἀνθρώπων ἀλλ’ ἐν δυνάμει θεοῦ, 2, 4-5. 
O espírito cria a vida, πνεῦμα ζῳοποιοῦν, faz depender dele a vitalidade que nele existe de maneira diferente, impõe-se com a certeza apodíctica e possibilitante de Deus, não é conteúdo conceptual susceptível de ser compreendido ou ensinado nem mesmo pelo humano numa situação transparente. A minha palavra e o meu anúncio existem na demonstração apodíctica do espírito, ὁ λόγος μου καὶ τὸ κήρυγμά μου οὐκ ἐν πειθοῖ[ς] σοφίας [λόγοις] ἀλλ’ ἐν ἀποδείξει πνεύματος καὶ δυνάμεως.
VII. καὶ ὁ λόγος μου καὶ τὸ κήρυγμά μου οὐκ ἐν πειθοῖ[ς] σοφίας [λόγοις] ἀλλ’ ἐν ἀποδείξει πνεύματος καὶ δυνάμεως. É apodíctico.
O sentido das possibilidades espirituais apenas se podem juntar com possibilidades da mesma ordem, πνευματικοῖς πνευματικὰ συγκρίνοντες, o homem que existe apenas na dimensão vital não recebe enquanto tal o que é pertença e provem de Deus, ψυχικὸς δὲ ἄνθρωπος οὐ δέχεται τὰ τοῦ πνεύματος τοῦ θεοῦ, é para ele uma tonteria e não é capaz de reconhecer o que apenas pode ser decidido espirtualmente numa situação crítica, μωρία γὰρ αὐτῷ ἐστιν, καὶ οὐ δύναται γνῶναι, ὅτι πνευματικῶς ἀνακρίνεται, 2, 13. A dimensão espiritual decide tudo o que é indecidível, ela própria não é objecto de decisão de nada ou ninugém, ὁ δὲ πνευματικὸς ἀνακρίνει [τὰ] πάντα, αὐτὸς δὲ ὑπ’ οὐδενὸς ἀνακρίνεται, 2, 15. 
VIII. ὁ δὲ πνευματικὸς ἀνακρίνει [τὰ] πάντα, αὐτὸς δὲ ὑπ’ οὐδενὸς ἀνακρίνεται, 2, 15.
É o que tudo executa a partir da possibilidade intrínseca, a manifestação do espírito é dada a cada um para o que lhe é conveniente: ὁ ἐνεργῶν τὰ πάντα ἐν πᾶσιν, ἑκάστῳ δὲ δίδοται ἡ φανέρωσις τοῦ πνεύματος πρὸς τὸ συμφέρον, 12, 7-8: ᾧ μὲν γὰρ διὰ τοῦ πνεύματος δίδοται λόγος σοφίας, ἄλλῳ δὲ λόγος γνώσεως κατὰ τὸ αὐτὸ πνεῦμα, 12, 8, ἑτέρῳ πίστις ἐν τῷ αὐτῷ πνεύματι, ἄλλῳ δὲ χαρίσματα ἰαμάτων ἐν  ἐν τῷ ἑνὶ πνεύματι, ἄλλῳ δὲ ἐνεργήματα δυνάμεων, ἄλλῳ [δὲ] προφητεία, ἄλλῳ [δὲ] διακρίσεις πνευμάτων, ἑτέρῳ γένη γλωσσῶν, ἄλλῳ δὲ ἑρμηνεία γλωσσῶν· πάντα δὲ ταῦτα ἐνεργεῖ τὸ ἓν καὶ τὸ αὐτὸ πνεῦμα, διαιροῦν ἰδίᾳ ἑκάστῳ καθὼς βούλεται, 12, 9-11.
XI. πάντα δὲ ταῦτα ἐνεργεῖ τὸ ἓν καὶ τὸ αὐτὸ πνεῦμα, διαιροῦν ἰδίᾳ ἑκάστῳ καθὼς βούλεται, 12, 9-11.
A Epístola aos Coríntios encerra o núcleo duro do ensinamento teológico do Apóstolo: Cristo crucificado. A proclamação, κήρυγμα, e boa nova, εὐαγγέλιον, têm o mesmo conteúdo. Para os Judeus que pediam sinais e para os Gregos que procuravam a sabedoria, a proclamação da boa nova era, respectivamente, um escândalo e uma loucura. Cristo na Cruz consubstancia a compreensão do seu encaminhamento nesta vida, en têi zôêi, como uia crucix. Consubstancia também o segundo elemento decisivo da loucura: Cristo ressuscitado. A argumentação cerrada da Paulo procura extremar o impasse que os Coríntios procuravam de algum modo ultrapassar. Ensinava-se que não podia haver ressuscitação dos mortos. Assim, que Cristo tendo morrido, não poderia ter ressuscitado. A instanciação universal abrange Cristo. O modus ponens anula o enunciado particular. 
Εἰ δὲ Χριστὸς οὐκ ἐγήρεται, κενὸν ἄρα καὶ τὸ κήρυγμα ἡμῶν, κενὴ καὶ ἡ πίστις ὑμῶν, 15, 14. Εἰ δὲ Χριστὸς οὐκ ἐγήρεται, ματαία ἡ πίστις ὑμῶν, 15, 17. A conclusão de importância vital para a existência vem logo a seguir: εἰ ἐν τῇ ζωῇ ταύτῃ ἐν Χριστῷ ἠλπικίτες ἐσμὲν μόνον, ἐλλεινότεροι πάντων ἀνθρώπων ἐσμέν. A interpretação da πίστις como ματαία e κενή esvazia de sentido a possibilidade escatológica da ressureição. Esta possibilidade tornada ineficaz, suprimida a sua garantia teológica corresponde a uma manifestação extrema do desespero. Se a via sacra e a crucifixação é uma das dimensões do anúncio, a neutralização da possibilidade da ressureição retira o chão total a uma existência dentro dos contornos de uma tal configuração. Ou seja, a argumentação não faz sentido para quem está fora do horizonte co-determinado pela crucifixação e pela ressureição. A ressurreição é o limite extremo da crucifixação, não existe sem crucifixação do mesmo modo que a crucifixação, ou a minha configuração em Cristo, está em tensão extrema com a possibilidade da ressureição.
Não podemos esquecer que o conteúdo da revelação, Cristo crucificado, é loucura ou estultícia para os Gregos e escândalo para os Judeus, isto é, trata-se de uma avaliação de um conteúdo fechado para o πνεῦμα de Deus. O conteúdo da revelação é derramado ou infundido pelo espírito através de Deus. Apenas esta possibilidade vislumbra o sentido de Cristo na Cruz e põe-no em relação tensa com o possibilitante. 
Não se fica incólume à proclamação e ao anúncio. Opera-se uma efectiva transformação da vida e dos seus contornos temporais, espaciais, psicológicos e existências. Opera-se a uma metamorfose total. É como Paulo se refere aos Coríntios como não tendo nenhuma falta de Graça divina, porquanto eles se encontram “na expectativa que espera pela revelação do nosso senhor, Jeus Cristo”, 1, 7: ἀπεκδεχομένοι τὴν ἀποκάλυψιν, o latim diz: expectantes. Ou como fala na vida com um sentido temporal comprimido: ὁ καιρὸς συνεσταλμένος ἐστιν, 7, 29, de tal sorte que a configuração deste mundo começa a passar, παράγει γὰρ τὸ σχῆμα τοῦ κόσμου τούτου, 7, 31, ou de uma forma mais radical quando em 15, 30: pergunta: “Mas que raio então porque é que estamos a correr riscos a toda a hora?” e em 31: “Estamos a morrer a cada instante”, καθ’ ἡμέραν ἀποθνήσκομεν.
A partir de 15, 20, opera-se à neutralização da reductio ad absurdum theologicum: Mas Cristo, contudo, ressurgiu dos mortos, ἀπαρχὴ τῶν κεκοιμημένων. “O último inimigo a ser destruído é a morte” (15:26). A ressurreição de Cristo não apenas representa mas garante a possibilidade de ressurreição dos mortos: ἰδοὺ καινὰ ποιῶ πάντα, Apo., 21, 5. O possibilitante que está configurado pela ressurreição é a doação das doações originária, absoluta e impermeável à compreensão. A ininteligibilidade do facto da vida não anula pragmaticamente a inconcebivilidade da ressurreição, antes, promove a promessa dessa possibilidade. 
Da possibilidade da Ressureição, Paulo faz depender os efeitos da presença de Jesus 14, 45-57 (104). É por mor dela que se ganha transparência, σοφία, relativamente aos seus requisitos. Faz agir retroactivamente já a lavagem, a santificação e a justificação, ἀπολύτρωσις, ἁγιασμός, δικαιοσύνη (1, 30). Mas estas possibilidades existenciais não são compreendidas senão como tendo origem em Deus. A σοφία é σοφία ἀπὸ θεοῦ (ibid.). A dificuldade consiste em compreender como é que se opera este contacto entre o que Deus dá a compreender e a compreensão demasiadamente humana. 
Deus é de confiança, é poder e sabedoria, πιστὸς ὁ θεός (1:9; 10:13); é Deus que converte a loucura ou a estultícia de ὁ λόγος ὁ τοῦ σταυροῦ em δύναμις (1:18; 2:5; cf. 6:14); A σοφία θεοῦ (1:21; 2:7) configura Cristo como: δύναμις θεοῦ καὶ θεοῦ σοφία (1:24). O que quer que se passe entre Deus e Cristo, entre Cristo e os humanos, entre Deus e os humanos tem como meio o πνεῦμα ou o que é representado por si. Este elemento atmosférico do vital e do compreensível existe na proporção ontológica de cada ente vivo. Se é a forma de manifestação de Deus, ao interpretarmos a forma de manifestação do espírito, encontramos a forma de manifestação do seu poder e da sua sabedoria, da sua vontade. A potência e a compreensão de Deus: criam. Ele sabe criar, não apenas manipular geneticamente por engenharia os elementos por forma a reproduzi-los. O estranho é que o acontecimento da criação está intrinsecamente ligado a um acontecimento de compreensão. Como se a criação fosse a expressão de um pensamento: οὐδεὶς θεὸς εἰ μὴ εἷς, 8, 4, ἡμῖν εἷς θεὸς ὁ πατὴρ ἐξ οὗ τὰ πάντα καὶ ἡμεῖς εἰς αὐτόν, καὶ εἷς κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς δι’ οὗ τὰ πάντα καὶ ἡμεἰς δι’ αὐτοῦ, 8, 6. Deus é causa eficiente de TODAS AS COISAS: τὰ δὲ πάντα ἐκ θεοῦ, 11, 12 e causa final que orienta e dirige todo o viver humano e todas as vidas humanas: ὁ υἱὸς ὑποταγήσεται τῷ ὑποτάξαντι αὐτῷ τὰ πάντα, ἵνα ᾖ ὁ θεὸς τὰ πάντα ἐν πᾶσιν, 15, 28. 
No levantamento da rede conceptual de espírito tínhamos salientado várias características: I.
Ο espírito tudo perscruta, o espírito sabe, o espírito reconhece. Para além do poder cognitivo, de perscrutação e de compreensão: πάντα ἐραυνᾷ, οἶδεν, ἔγνωκεν.
II. 
τὸ πνεῦμα τοῦ θεοῦ οἰκεῖ ἐν ὑμῖν, τὸ πνεῦμα σωθῇ ἐν τῇ ἡμέρᾳ τοῦ κυρίου.
III. 
τὸ δὲ αὐτὸ πνεῦμα, κατὰ τὸ αὐτὸ πνεῦμα
IV. 
1) Ἐλάβομεν ἀλλὰ τὸ πνεῦμα τὸ ἐκ τοῦ θεοῦ
2) Ἐν ἐνὶ πνεύματι ἡμεῖς πάντες εἰς ἓν σῶμα ἐβαπτίσθημεν
3) Πάντες ἓν πνεῦμα ἐποτίσθημεν, 
4) τὸ αὐτὸ πνευματικὸν βρῶμα ἔφαγον
5) καὶ πάντες τὸ αὐτὸ πνευματικὸν ἔπιον πόμα· 
6) ἔπινον γὰρ ἐκ πνευματικῆς ἀκολουθούσης πέτρας. 
7) Ὁ δὲ κολλώμενος τῷ κυρίῳ ἓν πνεῦμά ἐστιν.
V. τὸ πνεῦμά μου προσεύχεται
VI. 
1) εἰς πνεῦμα ζῳοποιοῦν
2) σπείρεται σῶμα ψυχικόν, ἐγείρεται σῶμα Πνευματικόν, 14, 44.
VII. καὶ ὁ λόγος μου καὶ τὸ κήρυγμά μου οὐκ ἐν πειθοῖ[ς] σοφίας [λόγοις] ἀλλ’ ἐν ἀποδείξει πνεύματος καὶ δυνάμεως. É apodíctico.
VIII. ὁ δὲ πνευματικὸς ἀνακρίνει [τὰ] πάντα, αὐτὸς δὲ ὑπ’ οὐδενὸς ἀνακρίνεται, 2, 15.
XI. πάντα δὲ ταῦτα ἐνεργεῖ τὸ ἓν καὶ τὸ αὐτὸ πνεῦμα, διαιροῦν ἰδίᾳ ἑκάστῳ καθὼς βούλεται, 12, 9-11.
A dificuldade está em compreender a possibilidade de haver um único espírito pelo qual simplesmente tudo vem a ser e modo como se fragmenta e pulveriza por cada um dos que vem à existência. O πνεῦμα diz-se assim de muitas maneiras. Mas esta última XI. πάντα δὲ ταῦτα ἐνεργεῖ τὸ ἓν καὶ τὸ αὐτὸ πνεῦμα, διαιροῦν ἰδίᾳ ἑκάστῳ καθὼς βούλεται, 12, 9-11. Tem a marca distintiva que procruremos identificar: a de fazer ser e existir eficazmente mesmo na possibilidade e da de distribuir-se ou de ser distribuida de diversas maneiras, em diversos graus, com diversas capacidades por cada ente singular.
O reconhecimento do humano como templo de Deus e não como uma configuratio anatómica reduzida a membros, órgãos e aparelhos, é o ponto de partida. Os humanos são configurados pelo espírito, são à escala universal e tem a marca da eternidade: οὐκ οἴδατε ὅτι ναὸς θεοῦ ἐστε καὶ τὸ πνεῦμα τοῦ θεοῦ οἰκεῖ ἐν ὑμῖν; (3, 17). Mas o πνεῦμα no humano não caracteriza apenas formalmente o plural da humanidade. É o σῶμα, o corpo próprio, portanto, cada corpo de cada pessoa, ἴδιον σῶμα, que é o templo a priori, mesmo que não reconhecido como tal, do ἅγιον πνεῦμα, 6, 19. Reconhecer o ser-se habitado pelo espírito inverte a lógica categorial habitual. O σῶμα πνευματικόν é um oxímoro, uma contradictio in actu enuntiandi, se não se perceber a pertença da vida humana ao Possibilitante: οὐκ οἴδατε ὅτι οὐκ ἐστὲ ἑαυτῶν, 6, 19. E o princípio de alienação do que se pensa ser o próprio e exposição à apropriação de si pelo πνεῦμα fica desenhado na sua argumentação fundamental. 
Quando Paulo fala do Espírito de Deus não está a entender πνεῦμα como produção de prodígios ou êxtase. Paulo recupera um aspecto da doutrina do Velho Testamento: a manifestação da presença de Deus ao seu povo, aos seus agentes ou ao mundo num modo criativo, profético, acelerador e renovador Espírito (“Spirit” expresses God’s presence to His people, agents, or world in a creative, prophetic, quickening, or renovating mode (Gen 1:2; Num 24:2; 1 Sam 19:20, 23; 2 Chr 15:1; 24:20; Pss 51:12; 139:7; Isa 11:2; 61:1; Ezek 2:2; 11:5). Essa presença é radicalizada segundo Paulo na compreensão de Cristo ressuscitado. O último Adão tornou-se num espírito que dá vida, 15, 45. 
Passemos em revista o que permite compreender nas suas diversas acepções o ἐνεργεῖν e o διαιρεῖν do espírito. 
Ele manifesta-se em πνευματικά, possibilidades espirituais que se exteriorizam para o bem comum a partir do interior de cada um. Paulo considera três formas de manifestação diferentes que poderíamos considerar como características que cada um pode encontrar em si, o modo de ser com que nasceu, e em geral são dádivas com que cada um é agraciado. Há dons em sentido estrito: χαρίσματα, serviços, διακονίαι, e obras, ἐνεργήματα. Há uma distribuição de cada um destes πνευματικά de tal sorte que pode reconher-se a sua diferença já no interior de cada um. A despeito de tal diferença a sua origem é uma única fonte. Há diferenças entre os dons, διαιρέσεις, mas existe um único espírito, τὸ δὲ αὐτὸ τὸ πνεῦμα, há diferenças entre os serviços, mas há um único senhor, ὁ δὲ αὐτὸς κύριος, há diferenças entra os obras, mas há um único Deus que fez em si todas as coisas serem tudo, ὁ δὲ αὐτὸς θεὸς ὁ ἐνεργῶν τὰ πάντα ἐν πᾶσιν, 12, 4-6.
Esta característica que faz depender as possibilidades oferecidas de um única fonte, radicalizada na ἐνέργεια de Deus, que encerra em si a chave da compreensão do dom ou talento, da graça, do serviço e dedicação e da obra, é o que permite perceber que tudo é πνευματικῶς. De tal sorte que ao descer até ao concreto de cada um, nenhum é senão o que faz, manifesta e exibe neste plano. ἑκάστῳ δὲ δίδοται ἡ φανέρωσις τοῦ πνεύματος πρὸς τὸ συμφέρον, 12, 7. O pronome indefinido em dativo de atribuição, ἑκάστῳ, regido por δίδωμι, é concretizado com nove exemplos, introduzidos por relativos e pronomes indefinidos, que admitem por sua vez a multiplicidade de concretizações: μὲν γὰρ διὰ τοῦ πνεύματος δίδοται λόγος σοφίας, ἄλλῳ δὲ λόγος γνώσεως κατὰ τὸ αὐτὸ πνεῦμα, ἑτέρῳ πίστις ἐν τῷ αὐτῷ πνεύματι, ἄλλῳ δὲ χαρίσματα ἰαμάτων ἐν τῷ ἑνὶ πνεύματιἄλλῳ δὲ ἐνεργήματα δυνάμεων, ἄλλῳ [δὲ] προφητεία, ἄλλῳ [δὲ] διακρίσεις πνευμάτων, ἑτέρῳ γένη γλωσσῶν, ἄλλῳ δὲ ἑρμηνεία γλωσσῶν· 12, 8-10. Destaque-se a instanciação lógica com a mesma estrutura formal ᾧ̣ … δίδοται, τoda ela dependente das locuções adverbiais: διὰ τοῦ πνεύματος, κατὰ τὸ αὐτὸ πνεῦμα, ἐν τῷ αὐτῷ πνεύματι, ἐν τῷ ἑνὶ πνεύματι.
A conclusão: πάντα δὲ ταῦτα ἐνεργεῖ τὸ ἓν καὶ τὸ αὐτὸ πνεῦμα, διαιροῦν ἰδίᾳ ἑκάστῳ καθὼς βούλεται, 12, 11.
Uma tal distribuição do espírito por cada um tem de ser compreendida de forma universal, de tal sorte que as diferenças impermeáveis entre indivíduos têm de ser reconhecidas numa identidade de pertença. Para além da “physical make up” da humanidade, a carne, o corpo, a lucidez, e do espírito que singulariza cada ser humano, Paulo conta com essa diferença. Conta com pessoas de diferentes etnias, níveis culturais, bases religiosas. Distingue-os como (Ioudaioi,1:22, 23, 24; 9:20 ter; 10:32; 12:13) ou “povo de Israel” (10:18), gregos (Hellênes,1:22, 24; 10:32; 12:13), e gentios ou pagãos (ethnê,1:23; 5:1; 10:20; 12:2), estrangeiros, barbaros (14:11 bis). Assim, uns escravos (7:21-23); outros “sábios” (sophoi,1:20, 26, 27; 3:18; phronimoi, 4:10; 10:15); escrivãos ou investigadores filosóficos (1:20); poderosos ou nobres de nascimento some (1:26); fracos (1:27; 8:11; 9:22; 11:30); fortes (1:25, 27; 4:10); homens de espírito (3:1; 14:32); mundanos (3:1, 3); alguns de sexualidade imoral (5:9-11; 6:9); alguns são casados (7:10, 33, 34), solteiros (7:8, 32, 34), virgens (7:25, 28, 34, 36-38); viúvas (7:8, 39); maus (6:1, 9); falam idiomas (12:29; 14:2, 4); profetas (12:28-30; 14:2, 4), apóstolos, professores. 
Mas obviamente que o catálogo não podia estar completo se não houvesse uma concreteziação dos que cometem actos injustificados ou são injustos (adikoi,6:1, 9). Em 5:9-11, Paulo classifica-os como “sexualmente imorais, gananciosos, burlões, idólatras, caluniadores, bêbedos” e em 6:9-10, como “fornicadores, idólatras, adúlteros, catamitas, sodomitas, ladrões, bêbedos, , caluniadores, e burlões.” 
E na aparente rejeição desta gente: “não herdarão o reino dos céus” (6:9), “expulsai-os de entre vós” (5:13, quoting Deut 17:7), por outro lado, o possibilitante doa a ἀπολύτρωσις, δικαιοσύνη τε καὶ ἁγιασμός. Sabemos como é esta a linha de argumentação da epístola aos Romanos. Como é a operação e a dádiva do espírito santo que faz renascer o morto em vida no pecado para a salvação. 
ἐνεργεῖν de Deus é o manifestado no espírito e pelo espírito: é o seu trabalho e a sua produção (Gal, 2, 8; 3, 5, Filip. 2, 13): πάντα δὲ ταῦτα ἐνεργεῖ τὸ ἓν καὶ τὸ αὐτὸ πνεῦμα διαροῦν ἰδίᾳ ἑκάστῳ καθὼς βούλεται, 12, 11. E como tinha referido em 12, 7: ἑκάστῳ δὲ διδόται ἡ φανέρωσις τοῦ πνεύματος πρὸς τὸ συμφέρον. Cada um implica todos numa horizonte universal que cobre todos independentemente das diferenças mais extremas: todos incluídos na susceptibilidade de Deus. É por isso que “a φανέρωσις τοῦ πνεύματος não é apenas de características interiores, íntimas, espirituais no sentido corrente do termo, mas também dos sinais externos da presença e activida do espírito dentro da comunidade”.  Não se trata de uma realidade interior, por assim dizer. A manifestação é a forma de expressão do espírito, portanto, o modo como o espírito cria dons, serviços e trabalhos. Sem dons, serviços e trabalhos não há espírito. O espírito constitui assim a relação entre Deus e o humano quando se expressa desse modo. Actualiza assim a imagem de Deus na sua semelhança porquanto é a forma particular de criar e produzir.
De 12, 12 a 12, 31, Paulo passa da análise do πνεῦμα para a do σῶμα. Esta passagem que compara a relação dos membros avulso do corpo entre si e o seu todo como alegoria da relação dos humanos entre si e Cristo como a atmosfera elementar do horizonte a que todos pertencem gerações de gerações de antepassados, gerações e gerações de descendetes, é decisiva para compreendermos as estruturas ontológicas elementares que transfiguram o sentido habitual de corpo, partes do corpo e da relação entre si bem como do sentido habitual da relação entre humanos como relação entre sujeitos, indivíduos, tipos, mesmo pessoas. 
Na referida passagem queremos acentuar três aspectos fundamentais. Primeiro, o modo como Paulo pulveriza e fragmenta as partes do corpo e as suas funções, impermeabilizando-as até à náusea. Portanto, aponta à fragmentação possível do humano constituído em ilhas individuais intransponíveis umas para as outras, pulverizadas no mar da vida. Em segundo lugar, como a unidade sintética das totalidades parciais e totais resulta de uma operação concreta de um sistema de alagamento, irrigação, derrame, afluxo, alastramento por todas as partes. O σῶμα é já ele um todo, não porque é mais do que a soma das partes, mas porque está dotado da vida que as anima a todas numa relação consigo. Uma parte do corpo é uma inexistência. Uma mão ou um pé decepados, um olho fora da órbita ou uma orelha arrancada não são partes do corpo, fora da vida do corpo. Do mesmo modo, nenhuma pessoa aparentemente isolada é única. 


Um indivíduo é uma abstracção. É já com a totalidade do corpo maciço dos outros em que nasce, da sua geração, das antepassadas e das da posteridade. É já todos os outros. Em terceiro lugar, de que modo a compreensão da relação entre a unidade orgânica do todo que é o corpo seja o individual seja o colectivo e partes do corpo são pensadas à maneira da relação da unidade de sentido orgânica do πνεῦμα relativamente às suas diferentes formas de manifestação. 


Paulo não pensa a relação entre uma coisa corpo e uma outra coisa espírito como se tivessem de ser coladas. Pensa-as como dois aspectos de um único acontecimento, até mesmo porque o corpo sem espírito surte os seus efeitos e o espírito manifesta-se e envolve a mais ínfima partícula do cosmos, mesmo quando ela não existe ao modo do espírito. O corpo maciço dos humanos está motivado pelo πνεῦμα, isto é, irrigado, envolvido, no afluxo da totalidade da vida. A relação entre parte e todo procura assim identificar horizontes pneumáticos de que são feitos depender tudo o que existe até à ínfima partícula infinitesimal. O infinito e o vasto cosmos são incomensuráveis relativamente ao πνεῦμα. Têm o mesmo estatuto ontológico da ínfima partícula infinitesimal do cosmos.


[O debate teológico acerca da relação analógica entre as partes do corpo e a cabeça e respectivamente os membros da igreja e a Cristo como a cabeça, a hiererquia da comunidade, fica necessariamente fora do debate.]
12, 12: καθάπερ γὰρ τὸ σῶμα ἕν ἐστιν καὶ μέλη πολλὰ ἔχει, πάντα δὲ τὰ μέλη τοῦ σώματος πολλὰ ὄντα ἕν ἐστιν σῶμα, οὕτως καὶ ὁ Χριστός· 13 καὶ γὰρ ἐν ἑνὶ πνεύματι ἡμεῖς πάντες εἰς ἓν σῶμα ἐβαπτίσθημεν, εἴτε Ἰουδαῖοι εἴτε δοῦλοι εἴτε ἐλεύθεροι, καὶ πάντες ἓν πνεῦμα ἐποτίσθημεν. 14 Καὶ γὰρ τὸ σῶμα οὐκ ἔστιν ἓν μέλος ἀλλὰ πολλά.
A relação entre a multiplicidade de membros ou partes do corpo, como se o corpo humano fosse visto como um polvo com vários pés por que são distribuídos no seu interior e à superfície outras partes, e a unidade passa à definição absolutizada da multiplicidade: todas as partes do corpo sendo diversas são um único corpo. A totalidade do diverso na unificação do corpo é a alegoria viva da dinâmica de cristo: οὕτως καὶ ὁ Χριστός. Em 13, reestabelece-se a relação com o fundamento da possibilidade de todos uns com os outros fazermos parte, como membros diversos, de um único corpo. 


É por termos sido imersos e mergulhados num mesmo único espírito que tal é possível. Todos, sem excepção, de qualquer nação, etnia, classe, género, idade, todos: Judeus, escravos ou homens livros bebemos absorvemos um único espírito. A corrente do espírito é nitidamente pensada aqui como resultante da fonte da vida, a água da vida. Só mergulhados ou embebidos nesta dimensão, podemos compreender as dimensões de profunidade e superfície, proximidade e distância relativamente ao todo. Fora dessa atmosfera, fora de água, não se pode fazer a mínima ideia do que aqui está em causa. Se substituirmos em 14 σῶμα por πνεῦμα, temos: Pois, com efeito, τὸ πνεῦμα não é composto de um único membro mas de muitos. Alargando a cláusula: de todos. 
15: Se o pé disser “não sou mão, não sou do corpo, ἐκ τοῦ σώματος”, não é por isso que não é do corpo. 16: e se a orelha disser: “não sou olho, não sou do corpo, ἐκ τοῦ σώματος”, não é por isso que não é do corpo. 17: Se o corpo todo é apenas um olho, onde há lugar para o pé? Se o corpo todo é a audição, onde há lugar para o olfacto?
A disposição de cada um dos membros do corpo, ἓν ἕκαστον αὐτῶν, na relação entre si e de todos com o corpo inteiro na sua totalidade, ἐν τῷ σώματι, exclui necessariamente a possibilidade de um único membro acumular em si todos os outros. Se assim fosse não haveria corpo. Em cada parte ínfima do corpo humano está a totalidade do corpo. Um pontapé dado numa pedra só com o dedo mais pequeno do pé direito afecta um corpo para o dia inteiro. 


Mas se Paulo precisa de tudo o que tem: a necessidade e a função do pé só pode ser sentida e exercida pelo pé e não por qualquer outro dos membros, nem pela cabeça. Assim, mesmo aqueles mesmbros que parecem ser os mais fracos do corpo são necessários, ἀναγκαῖα. A importância de cada um dos membros do corpo não é apenas vista pelo carácter insubstituível da função que exerce. Todos estão submetidos a uma determinação de sentido que extravasa em muito o exercício da função e a necessidade. A relação entre as partes do corpo e o corpo inteiro não é apenas pensada como uma relação de posse intrínseca ou de interiores. O corpo todo e os seus membros estão expostos ao exterior, estão desprotegidos e são vulneráveis, estão implicados no olhar dos outros, mais radicalmente ainda estão envolvidos por uma semiótica dependente da dimensão espiritual.


23: Envolvemos as partes que pensamos serem as mais ignóbeis do corpo com um preço superior e as nossas partes vergonhosas com uma honra superior. 24: O que em nós existe de mais valioso não precisa de ser coberto.


As determinações do ignóbil e do valioso, do vergonhoso e do honroso, ἀτιμία vs. τίμη, ἀσχημοσύνη vs. εὐσχημοσύνη e a graduação respectiva indicam a imersão do corpo numa dimensão pneumática que o tinge por completo e assim também é a atmosfera que envolve todos os humanos, não há apenas ar.


24: Deus misturou de forma concomitante, συνεκέρασεν, o corpo de tal sorte que à parte que estava privada de honra lhe deu o maior preço 25: e também para que não houvesse cisões no corpo mas um único se preocupasse com todos os membros na relação de uns com os outros. O sentido do cuidado μερίμνα integra cada membro, μέλος, cada χρεία, tem a função de anular a ἀτιμία e promover a τίμη, de neutralizar a ἀσχημοσύνη e formar εὐσχημοσύνη, tudo numa forma de envolvência: περιτίθησθαι. 


Quando em 26, Paulo diz: se um único membro sofre, todos os membros sofrem com ele ao mesmo tempo. Se um único membro é exaltado em glória todos os outros membros se regozijam sem excepção: já está a falar a partir de um ponto de vista pneumático, que abre a totalidade: diacrónica e contemporânea, como que envolvida pela corrente viva da vida. 27: ῾Υμεῖς δέ ἐστε σῶμα Χριστοῦ καὶ μέλη ἐκ μέρους. Beber ou fazer beber a água, mergulhar na água, derramar água. Estas alusões são mais complexas como complexas são a relação com a água. O baptismo é o mergulho no espírito que aflui e inunda, que irriga, faz nascer e crescer. 


O elemento aquático ou fluvial a atmosfera líquida ou o líquido é o do fluxo e da corrente da vida cuja fonte e nascente são o fazer nascer e correr. 
Se a preocupação com o que convem no corpo eleva o que é mais humilde, estima o ignóbil, honra o vergonhoso, tal é assim pela abertura de preocupação ao horizonte em que gerações de gerações de humanos viveram vivem e viverão como a totatilidade dos membros de um corpo espiritual cujo todo é Cristo orgânico.
A discussão no capítulo 12 do πνεῦμα e do σῶμα relativamente à natureza homogénea do envolvimento de cada uma dessas unidades de realidade com as suas partes, elas mesmas partes de uma única realidade explicada pela relação totalizante do diverso com a unidade de sentido prepara a argumentação final de 15, 20-58. O debate implica já a abertura da dimensão pneumática e a respectiva metamorfose o que implica para já a descrição da possibilidade do humano ser um σῶμα πνευματικόν. 


A contradictio in actu adiectiuandi ou oxímoro é sem dúvida do ponto de vista natural loucura e escândalo. Pelo menos, podemos dizer para já com Lindemann que o corpo na expressão σῶμα πνευματικόν é “sehr ‘unkörperlich’” (1 Cor, 360) ou na de Fitzmyer: “meaning diametrically opposed to “body.” 
A compreensão da metamorfose do σῶμα ψυχικόν, que existe na dependência da ψυχή em σῶμα πνευματικόν, um corpo que é pertença do espírito, -ΙΚΟΣ, é concomitante à diferença ontológica sublinhada por Paulo entre a existência do πρῶτος ἄνθρωπος:— εἰς ψυχὴν ζῶσαν, configurada pelo horizonte de uma lucidez viva e a do derradeiro Adão, homem, εἰς πνεῦμα ζῳοποιοῦν, que é ele próprio o nomen agentis da corrente criadora de vida, a que a tudo aflui, alastra, inunda, que tudo envolve. O sentido da integração das partes na sua totalidade no todo é este: uma lucidez viva não cria vida. A sua corrente não vem da fonte criadora da vida que a cada instante é transversal à totalidade das coisas que são. E não o é, porque o nível da facticidade está isolado por Deus. Sabe-se criada por Deus e, portanto, suscpetível de ressuscitar. A diferença ontológica entre os dois corpos é a diferença radical entre o horizonte humano antes de Cristo e depois de Cristo. A compreensão de Cristo ressuscitado é a compreensão da dimensão pneumática do humano e do envolvimento de cada parte do nosso corpo, do nosso corpo na sua totalidade, em todos os momentos da vida, antes de nascer e depois da morte, com essa possibilidade possibilitante.
A diferença entre σῶμα ψυχικόν e σῶμα πνευματικόν é indicada pelos radicalmente distintos processos de criação, respectivamente, um é semeado, uma metáfora agrícola usada na genética, e o outro é ressuscitado, à letra posto de pé, em sentido figurado: acordado. Nascer é  como acordar. Morrer é como adormecer. Em causa está pois a possibilidade de mesmo que 44 se tenha sido semeado σῶμα ψυχικόν se possa ser ressuscitado como σῶμα πνευματικόν. Esta possibilidade mantém o paralelismo com a metáfora da semente lançada. Quando germina, deixa de ser semente, quando ganha corpo deixa de ser gérmen, quando se torna adulta, deixa de ser criança. O começo de uma nova fase de vida implica morte da anterior. 


36: aquilo que tu semeias não há-de dar vida, ζῳοποιεῖται, a não ser que morra, ἀποθάνῃ, 37: Pois o que tu semeias não é o corpo que há-de nascer, γενησόμενον, mas apenas um grão nu como de trigo ou de um qualquer outro cereal. 38 Deus deu a cada ente um corpo como pretendia, ἠθέλησεν, e a cada semente o seu corpo próprio, ἴδιον σῶμα. 39 Nem toda a carne é do mesmo tipo de carne (a mesma argumentação do corpo), mas uma é dos humanos, a outra é a carne dos animais, a outra é a carne das aves, a outra é a carne dos peixes. 


Gen 1:11-12: “. . .árvores de fruto com fruto. Cada uma das suas sementes é de acordo como o seu tipo.” (Não importa qual é o número das sementes e como podem assemelhar-se umas às outras:— cada uma tem de deixar de ser semente para se tornar o corpo definido pela sua própria espécie. A identidade ou continuidade entre a semente semeada e “o corpo que há ser” resulta da determinação do Criador: aqui dá: está a dar: continua a dar.” Assim também: 40 Há corpos celestais e corpos terrestres, assim também é diferente a glória dos corpos celestiais dos corpos terrestres, 41. Diferente é a glória dosol da glória da lua como diferente é a glória dos astros: de astro para astro há graus diferentes de glória.
Quatro antíteses são expressas pelos verbos na passiva divina: σπείρεται/ ἐγείρεται para explicar como é que a semente do σῶμα πνευματικόν é toda uma vida humana. Ela tem de morrer para nascer. A metamorfose da vida humana em πνεῦμα configura-a pela ἀνάστασις νεκρῶν: A) 42: σπείρεται ἐν φθορᾷ, ἐγείρεται ἐν ἀφθαρσία, 43 ἐν ἀτιμία ἐν δόξα, ἐν ἀσθενεία ἐν δυνάμει. Estas três preparam a última: σῶμα ψυχικόν, ἐστιν καὶ πνευματικόν. A diferença ontológica é assentuada de tal maneira que não pode ser já considerada mera retórica. O primeiro homem é χοϊκός o segundo: ἐξ οὐρανοῦ.


Na verdade podemos pensar numa espécie de darwinismo divino ou de radicalização no divino desde o pó, passando pelo corpo, a descoberta da atmosfera do sopro vital e a compreensão do operador absoluto da criação o espírito. Mas isso é apenas uma descrição cronológica. Se não houvera uma precedência de Deus não seria possível mesmo depois de gerações e gerações de humanos Cristo. Cristo é já desde sempre o limite. 
Mas o pneuma ou algo peneumatikon que tivesse um corpo e por outro lado um corpo que também é animado, ou até mesmo algo de psíquico que também tem corpo. O corpo em ambos os casos é diferente. O elemento psíquico não desaparece para dar lugar ao pneuma. É que também algo que é um pneuma tem algo de psíquico sob a sua dependência. A diferença radica uma vez mais no contraste operado entre a semente dotada de alma e o corpo configurado em Deus pela metamorfose que opera. Deus cria o espírito. É uma possibilidade exclusiva de Deus. É também em Deus através do espírito que o humano tem o seu corpo e a sua vida e a sua alma e tudo em geral na dependência de uma possibilidade que não é sua.
No levantamento da rede conceptual de espírito tínhamos salientado várias possibilidades do seu ser e do modo como nos relacionamos com ele. Figura como objecto de uma acção a nobis: 
IV. 1) Ἐλάβομεν ἀλλὰ τὸ πνεῦμα τὸ ἐκ τοῦ θεοῦ, 2) Ἐν ἐνὶ πνεύματι ἡμεῖς πάντες εἰς ἓν σῶμα ἐβαπτίσθημεν, 3) Πάντες ἓν πνεῦμα ἐποτίσθημεν, 4) τὸ αὐτὸ πνευματικὸν βρῶμα ἔφαγον,  5) καὶ πάντες τὸ αὐτὸ πνευματικὸν ἔπιον πόμα·  6) ἔπινον γὰρ ἐκ πνευματικῆς ἀκολουθούσης πέτρας, 7) Ὁ δὲ κολλώμενος τῷ κυρίῳ ἓν πνεῦμά ἐστιν.
Mas é na sua acção per se ou de Deo que ele se deixa reconhecer, quando figura como sujeito oracional: I. πάντα ἐραυνᾷ, οἶδεν, ἔγνωκεν. II. τὸ πνεῦμα τοῦ θεοῦ οἰκεῖ ἐν ὑμῖν, τὸ πνεῦμα σωθῇ ἐν τῇ ἡμέρᾳ τοῦ κυρίου. V. τὸ πνεῦμά μου προσεύχεται VI. 1) πνεῦμα ζῳοποιοῦν, ἐγείρεται σῶμα Πνευματικόν, 14, 44. VIII. ὁ δὲ πνευματικὸς ἀνακρίνει [τὰ] πάντα, αὐτὸς δὲ ὑπ’ οὐδενὸς ἀνακρίνεται, 2, 15. VII. καὶ ὁ λόγος μου καὶ τὸ κήρυγμά μου οὐκ ἐν πειθοῖ[ς] σοφίας [λόγοις] ἀλλ’ ἐν ἀποδείξει πνεύματος καὶ δυνάμεως. Genitivo subjectivo.


As características decisivas estão apresentadas em 12, 9-11 XI. πάντα δὲ ταῦτα ἐνεργεῖ τὸ ἓν καὶ τὸ αὐτὸ πνεῦμα, διαιροῦν ἰδίᾳ ἑκάστῳ καθὼς βούλεται, 12, 9-11. O que precisamente leva a compreender as locuções adverbiais: III. τὸ δὲ αὐτὸ πνεῦμα, κατὰ τὸ αὐτὸ πνεῦμα.
O seu acontecimento é absolutamente vertical tem-nos sob sua acção. A perspectiva humana mesmo na possibilidade extrema de um σῶμα ψυχικόν é-lhe absolutamente impermeável. Já em Gálatas 1, 1, Paulo se apresentava como apóstolo: οὐκ ἀπ· ἀνθρώπων οὐδὲ δι· ἀνθρώπου ἀλλὰ διὰ Ἰησοῦ Χριστοῦ καὶ θεοῦ πατρὸς τοῦ ἐγείραντος αὐτὸν ἐκ νεκρῶν. Em 1 Cor., o cartão de visita de Pauloé o mesmo: chamado, κλητός [particípio passivo], apóstolo de Cristo Jesus, διὰ θελήματος θεοῦ, por causa da vontade de Deus. E, embora, seja Paulo a desejar que a graça e a paz, χάρις  καὶ εἰρήνη esteja entre os Coríntios, elas são: ἀπὸ θεοῦ πατρὸς ἡμῶν καὶ κυρίου Ἰησοῦ Χριστοῦ. Paulo dá continuamente graças Deus pela graça que lhes foi dada a eles por Deus em Jesus, τῇ χάριτι τοῦ θεοῦ τῇ δοθείσῃ ἐν Χριστῶ. A Graça foi-lhes dada por Deus em Jesus. Sem a existência em Jesus não há dádiva, não há Graça, Deus fica impermeavel à dimensão humana. Não há Deus. 


Temos de esperar até 15, 10 para compreendermos qual a natureza desta χάρις, desta borla ou favor dispensado por um plano indisponível ao homem dotado apenas de ψυχή. Χάριτι δὲ θεοῦ εἰμι, καὶ ἡ χάρις αὐτοῦ ἡ εἰς ἐμὲ οὐ κενὴ ἐγενήθη, ἀλλὰ περισσότερον αὐτῶν πάντων ἐκοπίασα, οὐκ ἐγὼ δὲ ἀλλὰ ἡ χάρις τοῦ θεοῦ ἡ σὺν ἐμοί. A possibilidade da Graça é toda ela feita depender da dispensa de Deus em investir-nos com ela. Mas e se tal não acontecer? Paulo é claro: eu existo pela graça de Deus, não no sentido em que é por mor disso que vive ou que é essa a causa da sua vida, a única, mas no sentido em que: tem a Graça de Deus, existe na Graça de Deus, ela é já fim e princípio, o fim em si próprio desde sempre feito motivo. 


Ela trabalhou-o de tal forma que não foi em vão. E quando diz que trabalhou mais do que todos os outros, corrige, ou mostra o terminus a quo: não eu, mas a Graça de Deus, a que me tem a mim, mais do que a que existe comigo.
Quem existe no chamamento não pode ser senão o conteúdo do evengelho proclamado: Cristo na Cruz. É essa possibilidade radical que cancela e neutraliza tudo como cosmético, proveniente do que inevitavelmente será sempre parcial e não pertença de ninguém. 


A possibilidade radical que tem origem ἐκ οὐρανοῦ transforma cada um de nós no eu que leva num si parcial, mas com a certidão de nascimento divina, compreendido o conteúdo radical da vida como crucificção e destruição maciça e sistemática do horizonte mundano como impertinente e inoportuno, por essência insubordinável ao que está aí por ser. 
15, 47: ὁ δεύτερος ἄνθρωπος ἐξ οὐρανοῦ, 48: ἐπουράνιος. A carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus nem a destruição herdará o indestrutível. 


A única maneira de sermos é pneumática. Sem o espírito não existimos e, no entanto, essa possibilidade está-nos vedada pela própria condição humana. Na situação humana fora da dimensão pneumática: 13, 9: ἐκ μέρους γὰρ γινώσκομεν καὶ ἐκ μέρους προφητεύομεν. Se compararmos a nossa situação com a do perfectum percebemos que é paralela e analógica à nossa enquanto adultos relativamente a nós próprios enquanto crianças. Compreender haver um grau de afastamento não significa, contudo, saber como transpô-lo. Paulo parece indicar o grau de afastamento a partir da própria configuração da sua existência em Deus. Assim, também, tem uma noção nítida do seu afastamento relativamente ao que foi designadamente quando criança. A parte é parte de um todo. O todo de que a parte é parte é um todo dinâmico que se constitui no tempo e no tempo se altera, transforma, metamorfoseia, como a mesma pessoa de semente a adulto e velho. 10 ὅταν δὲ ἔλθῃ τὸ τέλειον, τὸ ἐκ μέρους καταφηθήσεται. 11 ὅτε γέγονα ἀνήρ, κατήργηκα τὰ τοῦ νηπίου. 12 βλέπομεν γὰρ ἄρτι δι· ἐσόπτρου ἐν αἰνίγματι, τότε δὲ πρόσωπον πρὸς πρόσωπον· ἄρτι γινώσκω ἐκ μέρους, τότε δὲ ἐπιγνώσομαι καθὼς καὶ ἐπεγνώσθην. 


A tensão entre τὸ τέλειον e τὸ ἐκ μέρους é expandida pela distinção temporal expressa pela oposição entre os advérbios ἄρτι e τότε, até aqui e depois, nessa altura. Mas a diferença temporal não é apenas relativa como a que existe entre cada um de nós criança e não ainda adulto e já adulto e não ainda criança. A tensão é continua e existe entre nós fora do âmbito do πνεῦμα e do seu único conteúdo e nós já configurados e metamorfoseados pelo todo que integra a partir do seu interior todos os momentos das nossas vidas, todos os outros com quem somos, tudo o que há nessa dimensão temporal e crónica. A voz passiva futuro e aoristo são verbos divinos: eu serei conhecido como terei sido conhecido: cara a cara, no advento consumado da presença e no esgotamento total do tempo de vida humano.
É a partir da compreensão de tudo já ter sido e tudo haver sido esgotado que Paulo fala. A possibilidade pneumática não relança a vida apenas pela força da habituação e ao treino da rotina. Abre-se a partir do todo que tudo fragmenta e pulveriza: num ápice, ἐν ἀτόμῳ, num abrir e fechar de olhos ou golpe de vista, ἐν ῥιπῇ ὀφθαλμοῦ (15, 52). Por esse acontecimento o que é destrutível fica necessariamente revestido de indestruição e o que é mortal revestido de imortalidade: ἐνδύσασθαι. 
Revisão disposicional do percurso feito a partir de 13.
Na vida como crucifixão e impossibilidade o que significa a acção do espírito. A obra e graça do espírito tem a sua certidão de nascimento em Deus revelado no mistério da morte. A possibilidade humana consiste no trabalho de exposição e vulnerabilidade totais para que ela o trabalhe e aja a partir de uma possibilidade impossível. Paulo diz: καὶ ἔτι καθ’ ὑπερβολὴν ὁδὸν ὑμῖν δείκνυμι, vou-vos mostrar ainda um caminho hiperbólico, absolutamente excessivo. A vulgata tem: excellentioris uia. Em 13 escutamos o hino ao amor, um amor que não é nem pode ser humano, mas é a forma radical como o espírito se pode concretizar. Na verdade, o espírito na graça de ser doado e na forma como opera é amor. Um amor impermeável a amores, um amor de vida. 
13.(1.)  Ἐὰν ταῖς γλώσσαις τῶν ἀνθρώπων λαλῶ καὶ τῶν ἀγγέλων, ἀγάπην δὲ μὴ ἔχω, γέγονα χαλκὸς ἠχῶν ἢ κύμβαλον ἀλαλάζον.  (2.)  καὶ ἐὰν ἔχω προφητείαν καὶ εἰδῶ τὰ μυστήρια πάντα καὶ πᾶσαν τὴν γνῶσιν, κἂν ἔχω πᾶσαν τὴν πίστιν ὥστε ὄρη μεθιστάναι, ἀγάπην δὲ μὴ ἔχω, οὐθέν εἰμι. (3.)  κἂν ψωμίσω πάντα τὰ ὑπάρχοντά μου, καὶ ἐὰν παραδῶ τὸ σῶμά μου ἵνα καυχήσωμαι, ἀγάπην δὲ μὴ ἔχω, οὐδὲν ὠφελοῦμαι. @1
1ª Carta aos Coríntios, 13: 1-13: Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver agapê, sou como bronze que ressoa, ou como címbalo que tine. 2 Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que possua a fé em plenitude, a ponto de transportar montanhas, se não tiver agapê, nada sou. 3. Ainda que distribua todos os meus bens em esmolas e entregue o meu corpo a fim de ser queimado, se não tiver agapê, de nada me aproveita.
4. A agapê é paciente, a agapê é benigna, não é invejosa; a agapê não se ufana, não se ensoberbece, 5. Não é inconveniente, não procura o seu interesse, não se irrita, não suspeita mal, 6. Não se alegra com a injustiça mas rejubila com a verdade. 7. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
8. A caridade nunca acabará. As profecias desaparecerão, as línguas cessarão e a ciência findará. 9. Porque a nossa ciência é imperfeita e a nossa profecia também é imperfeita. 10. Mas quando vier o que é perfeito, o que é imperfeito será abolido. 11. No tempo em que eu era criança, falava como criança, sentia como criança, raciocinava como criança; mas quando me tornei homem, eliminei as coisas de criança. 12 Hoje vemos como por um espelho, de maneira confusa, mas então veremos face a face. Hoje conheço de maneira imperfeita; então conhecerei exactamente, como também sou conhecido.
13. Agora subsistem estas três: a fé, a esperança e a agapê; mas a maior delas é a agapê.
A Agapê aparece em complemento directo pedido pelo verbo “ter” em oração subordinada condicional negativa nos três primeiros versículos do capítulo 13. 1) Se não tiver agapê, o que eu digo, falado na linguagem dos homens— e até mesmo na dos anjos,— é como cobre que ressoa ou címbalo que retine; 2) Se não tiver amor, sou nada:— nem mesmo que tenha o dom da profecia, conheça todos os mistérios, disponha de todo o conhecimento, possua a fé em plenitude, a ponto de transportar montanhas. 3) mesmo que distribua todos os meus haveres e entregue o meu corpo para que me orgulhe de mim próprio, se não tiver amor, nada me aproveita. Sem amor, falo sem sentido. Sem amor, sou nada, sem amor nada me aproveita. 
Se nos concentrarmos nestas três condições verificamos que podemos converter a condição negativa na condição positiva: 
1) se tiver amor, falo com sentido; 
2) se tiver amor, eu sou;
3) se tiver amor, tudo me aproveita.
(4.)   Ἡ ἀγάπη μακροθυμεῖ, χρηστεύεται ἡ ἀγάπη, οὐ ζηλοῖ, οὐ περπερεύεται, οὐ φυσιοῦται, (5.)  οὐκ ἀσχημονεῖ, οὐ ζητεῖ τὰ ἑαυτῆς, οὐ παροξύνεται, οὐ λογίζεται τὸ κακόν,  (6.)  οὐ χαίρει ἐπὶ τῇ ἀδικίᾳ, συγχαίρει δὲ τῇ ἀληθείᾳ·  (7.)  πάντα στέγει, πάντα πιστεύει, πάντα ἐλπίζει, πάντα ὑπομένει. (8.)   Ἡ ἀγάπη οὐδέποτε πίπτει. εἴτε δὲ προφητεῖαι, καταργηθήσονται· εἴτε γλῶσσαι, παύσονται· εἴτε γνῶσις, καταργηθήσεται.  
4. A agapê é paciente, a agapê é benigna, não é invejosa; a agapê não se ufana, não se ensoberbece, 5. Não é inconveniente, não procura o seu interesse, não se irrita, não suspeita mal, 6. Não se alegra com a injustiça mas rejubila com a verdade. 7. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. 8. A caridade nunca acabará. As profecias desaparecerão, as línguas cessarão e a ciência findará.
Dos versículos 4 a 8 o substantivo agapê surge-nos como sujeito de enunciados tanto negativos como positivos. A agapê 4) é paciente, a agapê é benigna, não é invejosa, não faz alarde de si, não se ensoberbece, não desgraça, não procura o interesse próprio, não se irrita, não suspeita o mal, não rejubila com a injustiça mas compraz-se com a verdade, 7. Tudo desculpa, em tudo crê, tem esperança em tudo, tudo suporta ou a tudo resiste. A agapê nunca se abate. 
Queria apontar para a construção dos enunciados em catadupa de 4 a 7 das construções intransitivas: é paciente, beneficia, não inveja, não faz alarde de si, não se ensoberbece, não desgraça. Aqui só figura expressis verbis como agente da paciência e do benefício. Os verbos ocorrem depois sem agapê como sujeito. Depois nas construções transitivas indirectas: não rejubila com a injustiça ou injustificação e rejubila com a verdade. Finalmente transitiva directa: não procura o interesse próprio. 
O alargamento de acção da ágape a todas as coisas em geral no seu todo: 
  1. a tudo basta,
  2. em tudo crê,
  3. em tudo tem esperança,
  4. a tudo resiste,
  5. a ágape nunca se abate.
Se em 13:1-3, a agapê figura como complemento directo em orações condicionais, de tal sorte que se ela não estiver presente a conclusão é 
a) não falo com sentido
b) sou nada
c) nada me aproveita, 
vemos que há uma expansão da compreensão da sua acção quando figura como sujeito de um enunciado declarativo negativo não inveja, não faz alarde de si, não se ensoberbece, não desgraça, não procura o interesse próprio, não se irrita, não pensa o mal, não rejubila com a injustiça. 
A sua presença configura-nos numa determinada forma de sentido e maneira de ser, para depois se expandir de uma forma omnipotente a todas as coisas: tudo desculpa, em tudo crê, em tudo tem esperança, a tudo resiste. Nunca se abate.
(9.)  ἐκ μέρους γὰρ γινώσκομεν καὶ ἐκ μέρους προφητεύομεν· (10.)  ὅταν δὲ ἔλθῃ τὸ τέλειον, τὸ ἐκ μέρους καταργηθήσεται. (11.)  ὅτε ἤμην νήπιος, ἐλάλουν ὡς νήπιος, ἐφρόνουν ὡς νήπιος, ἐλογιζόμην ὡς νήπιος· ὅτε γέγονα ἀνήρ, κατήργηκα τὰ τοῦ νηπίου. (12.)  βλέπομεν γὰρ ἄρτι δι’ ἐσόπτρου ἐν αἰνίγματι, τότε δὲ πρόσωπον πρὸς πρόσωπον· ἄρτι γινώσκω ἐκ μέρους,
τότε δὲ ἐπιγνώσομαι καθὼς καὶ ἐπεγνώσθην. (13.) νυνὶ δὲ μένει πίστις, ἐλπίς, ἀγάπη, τὰ τρία ταῦτα· μείζων δὲ τούτων ἡ ἀγάπη.
A segunda parte do versículo 8 e os versículos 9 a 12 descrevem as possibilidades alternativas ao ter agapê ou ao ficar exposto à sua acção: fazer profecias, falar todas as línguas, saber tudo, nada é: hão-de ficar sem efeito, serão anuladas, katargêthêsontai. Correspondem a formas de conhecimento parciais, ek merous. 11. A ágape é concebida como compreensão absoluta e total da verdade, com o perfeito, o completamente acabado, não parcial, mas totalizante: tò téleion, o que está a vir, a sobrevir, o que está a chegar. 
É esse total perfeito que permite compreender o carácter nulo de cada ponto de vista humano, de cada vida humana, de cada geração humana, de gerações de gerações de humanos havidas e por haver. 
Quando o que perfeito vier, há-de completar, há-de preencher na sua plenitude tal como simultaneamente anulará ou deixará sem efeito o que até então se tiver sabido, profetizado ou trazido à expressão humana. 




Em 11 ainda reconhecemos a relação entre o parcial, relativo, circunstancial temporal na relação com o todo perfeito como uma relação analógica entre a nossa compreensão e maneira de ser enquanto crianças e a nossa compreensão e maneira de ser já amadurecidas enquanto adultos. Tornar-se adulto significa de algum modo anular ou deixar sem efeito a compreensão de criança. O que vemos agora é como que imagens num espelho que não conseguimos vislumbrar nitidamente. Mas depois veremos cara a cara, arrostando com o próprio e não com a aparição do próprio. 


Na poderosa linguagem do Apóstolo, não vemos de um ponto de vista extrínseco à própria realidade, não conhecemos a partir de uma perspectiva, mas é como se fôssemos vistos e fôssemos conhecidos por esse perfeito que há-de vir e por esse homem adulto em que podemos tornar-nos.

A argumentação termina em 13: νυνὶ δὲ μένει πίστις, ἐλπίς, ἀγάπη, τὰ τρία ταῦτα· μείζων δὲ τούτων ἡ ἀγάπη. Resta então a fé, a esperança, o amor, estas três coisas: contudo a maior de todas estas virtudes teologiais é a agapê. 

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