• JOGOS DE LINGUAGEM
• 7.
Na prática do uso da língua (2), uma das partes chama as palavras, a outra age de acordo com elas; no ensino da língua, porém, encontramos este processo: o aprendiz denomina os objetos. Isto é, ele fala a palavra quando o instrutor aponta para a pedra. – Vai-se encontrar aqui até um exercício mais fácil: o aluno fala as palavras que o instrutor lhe dita — ambos são processos semelhantes à linguagem.
Podemos também imaginar que todo o processo de uso de palavras em (2) seja um desses jogos por meio dos quais as crianças aprendem a língua materna. Quero chamar esses jogos de “jogos de linguagem”, e falar às vezes de uma língua primitiva como um jogo de linguagem.
E poder-se-ia chamar os processos de denominação das pedras, e de repetição das palavras ditadas também, de jogos de linguagem. Pense nos vários usos de palavras que se faz nas brincadeiras de roda.
Chamarei também a totalidade: da linguagem e das atividades com ela entrelaçadas, de “jogo de linguagem”.
• 23.
Mas quantos tipos de sentenças existem? Talvez asserção, pergunta e ordem? – Há inúmerosdesses tipos: inúmeros tipos diferentes de aplicação de tudo o que chamamos de “sinais”, “palavras”, “sentenças”. E essa multiplicidade não é nada fixa, dada de uma vez por todas; mas novos tipos de linguagem, novos jogos de linguagem, poderíamos dizer, passam a existir, e outros envelhecem e são esquecidos. (Nós podemos ter uma imagem aproximada disso nas mudanças da matemática.)
A expressão “jogo de linguagem” deve enfatizar aqui que o falar de uma língua é parte de uma atividade ou de uma forma de vida.
• 23. (Cont.)
• Ponha diante de si a multiplicidade de jogos de linguagem por estes e outros exemplos:
• Dar ordens e agir segundo ordens –
• Descrever um objeto segundo a aparência ou por medição –
• tabelas
• Produzir um objeto segundo uma descrição (desenho) – Informar um acontecimento –
Fazer conjecturas sobre um acontecimento –
Propor uma hipótese e prová-la –
Fazer conjecturas sobre um acontecimento –
Propor uma hipótese e prová-la –
• Apresentar os resultados de um experimento mediante e diagramas –
• 23. (Cont. 2)
• Inventar uma estória; e ler
• Fazer teatro-
• Cantar na roda -
• Adivinhar enigmas -
• Contar uma anedota; contar um conto -
• Resolver um exemplo de cálculo aplicado -
• Traduzir de uma língua para outra -
• Pedir, agradecer, amaldiçoar, orar.
• 23 (Cont. 3)
É interessante, comparer a multiplicidade dos instrimentos da língua e os seus modos de aplicação, a multiplicidade de tipos de enunciados e de palavras, com aquilo que os lógicos disseram sobre a estrutura da linguagem. (E também o autor do Tractatus)
• 1.
1Augustinus, in den Confessiones I/8:cum ipsi (majores homines) appellabantrem aliquam, et, cum secundum eam vocem corpus ad aliquid movebant, videbam, et tenebamhoc ab eis vocari rem illam, quod sonabant, cum eam vellent ostendere.Hoc autem eos velle ex motu corporis aperiebatur: tamquam verbis naturalibus omnium gentium, quae fiunt vultu et nutu oculorum, ceterorumque membrorum actu, et sonituvocis indicanteaffectionem animiin petendis, habendis, rejicindis, fugiendisve rebus. Ita verba in variis sententiis locis suis posita, et crebro audita, quarum rerum signa essent, paulatim colligebam, measque iam voluntates, edomito in eis signis ore, per haec enuntiabam.
• Trad. 1
Quando os adultos nomeavam algum objeto e se voltavam para ele, então percebi e entendi que o objeto, pelos sons que eles proferiam, vinha a ser designado quando queriam apontar para ele. Isso, entretanto, inferia dos seus gestos, a língua9 natural de todos os povos, a língua que, pelo jogo das caras e dos olhos, pelos movimentos dos membros e o soar da voz, mostra os sentimentos da alma quando esta ambiciona algo, ou apreende, ou recusa, ou foge. Assim, aprendi a compreender passo a passo que coisas as palavras designavam, e que eu, sempre e repetidamente, nos seus lugares determinados e em frases diferentes, ouvia proferir. E trouxe por elas, na medida em que minha boca se acostumou a esses sinais, meus desejos à expressão.
• 12.
Tal como olhar para a cabine de uma locomotiva: lá estão alavancas que mais ou menos se parecem. (Isto é compreensível, porque todas elas devem ser agarradas com a mão.) Mas uma é a alavanca de uma manivela que pode ser alterada continuamente (ela regula a abertura de uma válvula); a outra é a alavanca de um comutador que só tem duas posições de funcionamento, ou ela está fechada ou aberta; um terceiro é o cabo do freio, quanto mais forte se puxa, mais forte se freia; uma quarta é a alavanca de uma bomba que só funciona quando se a movimenta para lá e para cá.
Se dizemos: “Toda palavra da linguagem designa alguma coisa”, então até aqui não dissemos absolutamente nada; a não ser que expliquemos exatamente que diferença desejamos estabelecer. (Poderia ser que quiséssemos diferenciar as palavras da língua (8) das palavras ‘sem significado’ que ocorrem nos poemas de Lewis Carroll, ou de palavras como “tra-la-lá” numa cantiga.)
Wenn wir sagen: »jedes Wort der Sprache bezeichnet etwas« so ist damit vorerst noch gar nichts gesagt; es sei denn, daß wir genau erklärten, welche Unterscheidung wir zu machen wünschen. (Es könnte ja sein, daß wir die Wörter der Sprache (8) vonWörtern ›ohne Bedeutung‹ unterscheiden wollten, wie sie in Gedichten Lewis Carroll's vorkommen, oder von Worten wie »juwiwallera« in einem Lied.)
• 22.
A concepção de Frege segundo a qual numa asserção se incute uma suposição,24 que é aquilo que é afirmado, baseia-se, na verdade, na possibilidade que existe na nossa linguagem de escrever toda sentença assertiva na forma “Afirma-se que isto e isto é o caso.” – Mas “Que isto e isto é o caso” não é precisamente uma sentença da nossa língua – não é ainda um lance no jogo de linguagem. E se, em vez de “Afirma-se que ...”, escrevo “Afirma- se: isto e isto é o caso”, então a declaração “Afirma-se” torna-se, simplesmente, supérflua.
• 22. (Cont. 1)
Nós poderíamos muito bem escrever toda asserção na forma de uma pergunta com afirmação subsequente; talvez como: “Está chovendo? Sim!”. Isso mostraria que em toda asserção se incute uma pergunta?
• 22. (Cont. 2)
Tem-se, naturalmente, o direito de empregar um sinal de asserção em contraposição, por exemplo, a um sinal de interrogação; ou quando se quer diferenciar uma asserção de uma ficção ou de uma suposição. O erro é somente quando se quer dizer que a asserção consiste de dois atos, o considerar e o afirmar (atribuição de valor de verdade ou algo semelhante), e que executamos esses atos pelos sinais da proposição, mais ou menos como cantamos segundo as notas. O que pode ser comparado com o canto segundo as notas é a leitura em voz alta ou em voz baixa da sentença escrita, mas não o ‘significar’ (o pensar) da sentença lida.
• 22. (Cont. 3)
O sinal fregeano de asserção25 acentua o começo da sentença. Ele tem, portanto, uma função semelhante à do ponto final. Ele diferencia o período total da proposição no período. Quando ouço alguém dizer “Chove”, mas não sei se ouvi o começo ou o final do período, então esta sentença não é um meio de entendimento para mim.
• 22. (Cont. 4)
Denken wir uns ein Bild, einen Boxer in bestimmter Kampf stellung darstellend. Dieses Bild kann nun dazu gebraucht wer den, um jemand mitzuteilen, wie er stehen, sich halten soll; oder, wie er sich nicht halten soll; oder, wie ein bestimmter Mann dort und dort gestanden hat; oder etc. etc. Man könnte dieses Bild (chemisch gesprochen) ein Satzradikal nennen. Ähnlich dachte sich wohl Frege die »Annahme«.
Imaginemos uma figura representando um boxeador em determinada posição na luta. Essa figura pode ser usada para comunicar a alguém como ele deve se posicionar e se manter; ou como um determinado homem se posicionou aqui e ali; ou etc., etc. Poder-se-ia chamar essa figura de radical proposicional (falando quimicamente). Frege imaginou de maneira bem similar a “suposição”. 26
• 24. Pergunta
Quem não tem diante de si a multiplicidade dos jogos de linguagem estará, talvez, inclinado a fazer perguntas como esta: “O que é uma pergunta?” – Isto é o enunciado de que não sei tal e tal coisa, ou é o enunciado de que desejo que o outro possa me dizer ....? Ou é a descrição da minha condição mental de incerteza? – E o chamado de “socorro!” é uma descrição como essa?
Pense em quantas coisas diferentes são chamadas de “descrição”: a descrição da posição de um corpo por meio de suas coordenadas; a descrição de uma expressão facial; a descrição de uma sensação táctil; do humor.
Pode-se certamente substituir a forma habitual da pergunta pelo enunciado ou pela descrição: “quero saber se ....”, ou “estou em dúvida se ....” – mas, com isso, não se aproximam mais entre si os diferentes jogos de linguagem.
A importância dessas possibilidades de transformação, por exemplo, de todas as asserções em sentenças que comecem com as cláusulas “eu penso” ou “eu creio” (portanto, por assim dizer, em descrições da minha vida interior) vai se mostrar mais claramente em outro lugar. (Solipsismo).
• 27.
“Nós damos nomes às coisas e então podemos falar sobre elas. Referirmo-nos a elas na conversa.” – Como se com o ato de denominação já estivesse dado tudo o que faríamos depois. Como se houvesse apenas uma coisa chamada: “falar das coisas”. Enquanto fazemos as mais diferentes coisas com as nossas sentenças. Pensemos somente nas exclamações. Com as suas funções totalmente diferentes:
Água! Fora! Ai! Socorro! Lindo! Não!
Você ainda está inclinado a chamar essas palavras de “denominações de objetos”?
• 27. (Cont.)
Nas linguagens (2) e (8) não havia uma pergunta sobre a denominação. Isto e seu correlato, a explicação ostensiva, é, poderíamos dizer, um jogo de linguagem próprio. Na realidade, isso significa: nós somos ensinados, treinados para perguntar: “como se chama isto?” – e então a denominação se segue. E há também um jogo de linguagem: inventar um nome para alguma coisa. Portanto, dizer: “Isto se chama ....”, e então empregar o novo nome. (Assim as crianças nomeiam, por exemplo, suas bonecas, falam sobre elas e com elas. Considere, então, com isso, como é peculiar o uso do nome de uma pessoa para chamar o nomeado!)
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