11ª aula
(Continuação) Mundo, SZ, §§12-15. Totalidade, SZ,
§48.
SZ
§12 Die Vorzeichnung des
In-der-Welt-seins aus der Orientie- rung am In-Sein als solchem.
A análise de Heidegger incide nas proposições,
principalmente na proposição in, bem
como no que pode ser uma dupla interpretação do que pode ser o in:
- como categoriais (Ex.
Kant)
- como aquilo a que Hiedegger chama existenciais.
No primeiro momento parecem ser contrapostas, mas no segundo
momentos mostra como o acontecimento do sentido parece ser existencial. A
determinação de conteúdos categoriais resulta de uma suspensão do horizonte
existencial, suspensão essa que acontece já na nossa perspectiva quotidiana e é
condição sine qua non do projecto
científico, por exemplo.
O primeiro momento é
a tentativa de formulação de dois regimes de constituição do sentido:
-categorial -- Vorhendenheit (pura perantidade), tentativa
de tradução de obiectivitas (aquilo
que é posto perante nós)
- existencial
A determinação existencial tem de ser feita. E é preciso
diferenciar existenziell e existenzial. A vida está organizada de raiz num sistema
existencial. Ao contrário da tentativa de pensar a relação categorial entre um
eu que pensa e uma extensão que é pensada. A análise existencial não depende da
determinação de um acesso perceptitvo/intuitivo.
O termo ek - sistenz,
vem do verbo latino existo,is, ere, existi, que tem três sentidos fundamentais:
1º -- uma posição fora da própria posição estável, fora do sítio em
que alguém está de pé, uma posição fora de si, uma posição que se compreende a
si como excêntrica (ex. desistir, resistir, etc têm o sentido fundamental do sisto). Existir tem o sentido básico de
estarmos sempre fora de nós. Como na visão e na audição e no tacto e etc...(Ex.
o frango está bom não apenas no pedaço que estou agora a provar, mas o meu
juízo estende-se todo o frango que está no prato) O ponto é que estamos em nós
próprios e nos sítios onde esses conteúdos estão constituídos. Eu estou numa
determinada posição, etc., mas distribuo-me por uma diversidade de frentes de
acção.
2º -- A ideia é que estamos estendidos para fora de nós de
tal forma que estamos já esticados e em contacto com o ponta mais extrema da
nossa vida, com o fim da nossa vida. A existenz
é esta saída para fora de nós que implica o nosso desenrolar no tempo: a nossa
perspectiva nunca é estática, o seu centro implica uma irradiação centrifuga no
decurso do tempo: estamos num transcurso temporal. Estamos sempre em tensão
relativamente ao desfecho -- estamos em tensão com a situação em que a o
empreendimento em que "estamos a ir" acaba; estamos já lá, nesse fim.
Mas esse conteúdos onde já estamos não são perceptivos. Eles são polos de
atracção indefinidos. Esse limite é o fim qualitativo
da situação encetada. O nosso ponto de vista nunca está apenas na vivência dos
conteúdos perceptivos, porque ele está sempre já onde ainda não está. São esses
conteúdos não percepcionados que determinam a nossa orientação. Mas é
uma orientação que não é apenas espacial, mas é sobretudo temporal. Ex.
Orientação a curto, médio e longo prazo.
3º -- ideia de manifestação: ideia de que sou visível. Percebemos
que somos visíveis e somos vistos de uma certa forma pelo que está fora de nós
(numa zona de combate eu sei que posso ser visto e isto pode querer dizer que
posso ser morto).
A existência tem um livro de encargos para nós. Há uma perspectiva
de desincunbência. Mas não é apenas essa desoneração dos encargos quotidianos.
A existência tem, continuamente a fazer pressão sobre nós, um retrato de nós
numa versão superlativa: aquilo que eu posso ser mas ainda não sou: uma versão
potencial daquilo que eu seria no melhor dos casos. Uma espécie de olhar sobre
a versão suprema do que nós somos e que nos diz "ainda não chegaste
cá", ou "já cá estiveste e saíste outra vez", e a ideia é a de
comparação com a versão aguda de mim, com aquilo que seria um "eu
pleno". O problema é que o último momento de mim pode não coincidir com
essa versão suprema de mim, pode até acontecer que eu venha a piorar até lá...
É isto que Heidegger analisa na analítica existencial e
temporal do dasein -- no momento do
nascimento já está o último momento da vida, tal como no último momento estão
todos os momento da vida. Não estão em causa os percursos que percorremos, mas
formalmente a nossa maneira de ser existencial implica-nos num horizonte com um
ponto de partida e um ponto de chegada e toda ela está esticada virtualmente do
seu início até ao seu fim. O que se está a constituir está já a ser puxado por
um futuro a haver. O presente está constituído numa forma de desdobramento que
vem do fim ou do princípio. O conteúdo de tempo em que vivemos é um quando
qualitativo: o início do primeiro semestre é diferente do início do segundo
semestre, etc... O quando é a unidade
de sentido que articula os lapsos de tempo, mas esse quando é qualitativo: é
ele que determina o carácter ainda não terminado do que está em jogo. A
organização do sentido é situacional (pode ser como do jogo de 90min ou pode ser o da liga
inteira, pode ser o do ano lectivo ou o da licenciatura inteira...) O que
nós pensamos é sempre é a unidade qualitativa de uma situação existencial,
e só isso nos permite articular vários pequenos momentos perceptivos
diferentes.
A pergunta
fundamental é: por que unidades de sentido eu oriento a minha vida? O
problema é que a vida constitui uma unidade formal que não depende dos vários
conteúdos da minha vida...Qual é a relação da existência com aquilo que nós
queremos para nós?
O que está em causa é o horizonte de sentido como horizonte
de jogo (tal como em Wittgenstein). A expressão da existência do mundo -- a
nossa agenda é uma expressão sintomática daquilo que nós somos (os sítio onde
vamos, as pessoas com que estamos e com quem não estamos) são determinações que
por si são completamente incompreensíveis, mas que correspondem a uma expressão
de uma estrutura fundamental de sentido.
Assim, a existenz
incorpora-se em nós no mundo. Os conteúdos intra-mundanos estão conformados
pela forma radical de cada existência (que só podem ser vividos por cada
pessoa): esse horizonte de sentido é completamente intransmissível -- ele não
pode viver a minha existência, e eu nunca posso não ser a minha existência, por
muito que tente. A própria existência
passa a vida a perguntar-me o que é que eu tenho feito, o que é que eu tenho sido.
As mesmas pessoas a ver um quarto estão encerrados em limites completamente
diferentes, pelo que vêem coisas completamente diferentes. O conteúdo que
objectivamente aparentemente é o mesmo é irrecuperável de umas pessoas para
outra: aquele quarto é completamente irrecuperável para outra pessoa que não
eu. O mundo é o horizonte que serve de terminus
ad quem da minha própria vida. O mundo é sempre o meu mundo. A
existência habita o mundo à escala mundial. O nosso mundo é confundido
com o mundo em si, que aparentemente é objectivamente o mesmo. Em causa não
está a relação entre um sujeito e um objecto, mas o facto de não existir
existência sem um mundo, como não existe um mundo sem uma existência.
Ou seja, o in-der-welt-sein é uma expressão aparentemente composta.
Mas quer-se mostrar o carácter unitário formal de que esta expressão é uma
equação. A ideia acaba por desenbocar na análise do in-sein, e na verdade na análise do in. As determinações espaciais são determinações de relação (só há
esquerda se for à esquerda de algo, tal como só há interior em relação com o
exterior).
Numa primeira determinação, quando eu estou a dizer que uma
coisa está dentro de outra eu geralmente estou só a categorizar uma relação de
espaço. Ex.água no copo. Neste caso eu anula a noção de mundo, porque posso
pensar infinitesimamente (fragmento de Pascal sobre os infinitos), posso pensar
algo sempre como algo de (estrutura infinita de τί κατὰ τινός). Mas é esta
estrutura que me permite perceber, por exemplo, a organização de uma cidade
pela sua organização geográfica; e isso não tem que ver com
categorizações mundanas ou existenciais. A geometria esventra o mundo e coloca
esse espaço que vivemos sob uma forma susceptível de ser categorizado pela
matemática. Pelo contrário, é o sentido da minha situação que determina o aí em que estou -- o "eu estou em
tal sítio" é determinado pela pressão daquilo que eu estou a fazer em tal
sítio (estar no hospital para o doente e para o paciente -- o aí é diferente para o doente e para o
médico). A relação espacial pode ser neutralizada do sitio onde eu me encontro
a fazer o quê -- pode nesse sentido corresponder à identificação de tópicos (τόποι) da batalha naval.
Mas pode também haver uma noção de χώρα -- a terra de onde viemos -- que
significa o sítio de onde vimos, não no sentido espacial do termo, mas o sítio
que dá chão, o sítio peculiar da habitação de um espaço, relativamente ao qual
temos saudades (e isso não tem nada a ver com a localização geográfica). A
determinação do mundo não pode ser feita em primeira linha por determinações
categoriais -- porque isso torna o mundo inabitável, tira o sentido do mundo.
Será que só podemos categorizar relações espaciais? Não, parece que não e que
aliás essa nem é a determinação fundamental que organiza a vida. A cadeira
estar colada à mesa não está dada pelos três centímetro a que está da mesa, mas
pelo contexto da sala de aula. O que determina a relação da cadeira com a mesa
é o horizonte de sentido.
(esta perspectiva é oposta à do Tractatus -- é a perspectiva diametralmente oposta à do Tractatus, em que o mundo é dado por uma
determinação exclusivamente categorial, e que por isso mesmo é inabitável.)
A organização dos conteúdos de uma
casa é dada pelos sítios próprios das coisas da casa -- o lugar dos meus
apontamentos é ali. Esse "ali" é dado por uma ideia de contexto
específico de habitabilidade.
A perspectiva categorial corresponde
ao esventramento da perspectiva existencial (como se vê no Tractatus). É uma desmundanização do mundo.
É nesta linha que Heidegger analisa
o que é incarnar num corpo, o in-sein.
É uma dinâmica complexa dos verbos que dizem ir e vir, e é essa ideia
fundamental do verbo sein alemão --
que corresponde à determinação da situação. "Eu não estive lá" não
tem nada a ver com a determinação geográfica: eu posso estar num sítio e
"não estar lá".
O fundamental é:
1º a determinação do contexto em que
nos encontramos;
2º a influência do "por
ser" no horizonte de sentido. Estar em
é estar onde estamos num horizonte de sentido.
O ser é um processo, um procedere. Há uma compreensão de um X
que está a ser riscado. Nós temos de ir ao lugar Y para riscar X da lista de
tarefas (neste sentido há uma desincumbência).
O aí é situado e está sempre a
determinar-se por um "a haver".
" Das
In-Sein meint so wenig ein räumliches »Ineinander« Vorhandener, als »in«
ursprünglich gar nicht eine räumliche Beziehung der genannten Art bedeutet; »in«
stammt von innan-, wohnen, habitare, sich aufhalten; »an« bedeutet: ich bin
gewohnt, vertraut mit, ich pflege etwas; es hat die Bedeutung von colo im Sinne
von habito und diligo "
Este in-sein significa tão pouco um
ser dentro de um outro espacial que este in
originalmente não quer dizer uma relação espacial. In vem do alemão antigo inann-
e significa morar(wohnen) (significar
em português demorar e por isso habitar, ser o sítio do costume). A questão é
que a vida toda é uma estadia, é um sítio onde nos demoramos. Este ser é
determinado por um ir que vai
trabalhando a nossa incorporação num sítio: e por isso tem categorias de
"cuidar de", de "domesticar", ect..
Este segundo sentido tem a ver com colo, e por isso com habito e diligo. Esta ideia está presente no ser-no-mundo.
É
neste sentido que surge a compreensão de duas perspectivas de distintas categorial e existencial, sendo que a categorial
só é possível por esvaziamento da perspectiva existencial, e por isso por
anulação da perspectiva completamente resolutiva em que nos encontramos no
quotidiano. A determinação dos sítios de uma cidade é completamente fantasmagórica
do ponto de vista objectivo; a organização geográfica de Liebos não tem nada a
ver com a cidade que eu habito -- não nos passa pela cabeça que a organização
geográfica dos espaços públicos implica uma neutralização dos planos de
execução da minha vida.
A forma de ida ao mundo é a forma de
habituação em que nós fazemos o
mundo, estamos nos sítios e colonizamos esses sítios consoante a abordagem que
esse sítio requer. A forma como estamos ali depende da interpretação da
situação em que estamos e da forma como temos de reagir a essa interpelação.
Os exemplos são o da cadeira e da
mesa -- a cadeira nunca pode tocar a
mesa, porque a cadeira não pode tocar.
Nós é que tocamos, não as cadeiras. Nesse sentido as cadeiras e mesas não existem, porque elas não podem estar
fora de si, não pode estender-se para fora de si.
Nós estamos sempre fora de nós
porque estamos sempre fora da anatomia do corpo, por exemplo, percebemos que
alguém está a olhar para nós quando estamos lá nos olhos dele a olhar para nós.
É por isso que uma percepção pura nunca
poderá dar conta do que é Helena de Troia. Do mesmo modo, a camuflagem e
simulação implicam uma compreensão de como os outros nos vêem.
O ponto final do parágrafo implica
uma discussão do acesso. Para Heidegger a abertura para o ponto de vista
categorial tem de ser diferente da forma de abertura para o ponto de vista
existencial. A forma de acesso do ponto de vista categorial é forçosamente
diferente da forma de acesso do ponto de vista existencial.
Ou seja, a determinação perceptiva
do castanho e do ser cilíndrico da cadeira anula completamente a compreensão
que eu tenho do que é ser cadeira. Nesse caso seria um olhar puro,
desmundanizado (aquilο a que os gregos chamaram νοῦσ).
A perspectiva existencial é uma
abertura a uma situação que nos implica nessa mesma situação -- ir ao
supermercado não pode ser feito numa perspectiva pura, pois esta só capta o
mínimo denominador comum que é completamente estanque à organização da minha
vida, não permite a vinculação à situação em que nos encontramos.
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