Aula 10 – 11.Abril.2012 (4ª) – CAUSA
Podemos
compreender duas determinações fundamentais:
1)
ὅθεν ἡ τῆς κινήσεως
ἀρχή - A ideia aristotélica de motivação, como determinação de um princípio de
acção, que constitui o início do processo da acção;
2)
τὸ οὖ ἕνεκα – a
causa final da acção.
Terminus ad quem/ Terminus a quo. Existe
uma coincidência entre o princípio da mudança e a causa final. O que inicia é já
o próprio objectivo, o fim que puxa pela acção. Podemos pensar, por exemplo, no
congelamento da água: todo o processo dá-se em vista do momento último em que
toda a água congelou, é o motivo de a expormos ao frio. Mas a ideia está também
presente na motivação pessoal. Neste caso há um desdobramento do que existe a priori, o conjunto de motivações
complexas de natureza psicológica, na exteriorização dada através da acção. Mas
a origem desta relação de causa-efeito pode ser-nos também extrínseca, quando o
que nos “puxa” está localizado numa outra pessoa, num ambiente ou numa condição
política que nos afecta. O ponto é que são as nossas motivações nos levam à
expressão dessas causas numa determinada acção. Por outro lado, a acção é
sempre localizada no mundo, tem referente. Não se trata, portanto de uma mera
relação mecânica: ela é contextualizada no Humano.
Termini a quibus. A
causa é o que dá a compreensão de uma abertura para uma acção. O motivo o que determina
a perseguição ou fuga.
A compreensão
da relação causal é dada a meio caminho. Quando vamos por impulso buscar um
copo de água à cozinha não pensamos se estamos com sede ou não. É na execução
da acção que a sua causa se clarifica. A própria situação vital constitui-se
desde logo num encaminhamento, estamos empurrados para viver sem pedirmos pela
nossa causa, pelo que nos põe a ser. Mas existe a causa de uma pessoa? É
possível adoptar-se uma causa? Constitui-se por natureza? O que nos motiva,
reconhecendo o facto de que estamos motivados? Encontramo-nos numa situação que
desde sempre nos coloca num contexto de marcha.
Por outro
lado, o que projecta os objectivos e propósitos? Podem estar hierarquizados,
serem comuns a várias pessoas ou a uma classe de pessoas, mas aí compreendemos que
há algo que para cada um de nós é susceptível de ser identificado como idêntico
ou diferente dos outros. Como colocamos objectivos para nós? Qual a natureza da
compreensão da natureza da causa que nos toca e motiva?
Há uma
compreensão de que estamos constituídos neste contexto de exposição a múltiplos
campos de pressão e simultaneamente na procura por um o propósito fundamental
para nós, que pode também ser neutralizado ou com o qual podemos ser numa
relação intermitente.
A
inexistência de uma causa dada à partida pressiona-nos para a busca de uma motivação
fundamental para se viver. Podemos reflectir sobre causas de acções passadas,
buscar pelas causas perdidas, dar conta das acções que se cumpriram ou foram
abortadas. Existe uma estrutura fundamental de motivação na nossa vida? Esta é
múltipla, plural ou única? Há uma relação entre a multiplicidade de causas ou
de uma única causa que guia o decorrer da vida? Ao perguntarmos pelo sentido da
vida, depreende-se a existência de uma afectação da vida por um princípio de
fundamento, uma relação entre impacto e resultado.
Condicio. Algo nos
coloca na procura pela compreensão dos processos mecânicos de causalidade, a
tentar perceber a natureza daquilo que os latinos chamavam de condicio (não confundir com conditio, que significa tempero), i.e. a
condição, uma plataforma de entendimento que marca a relação de causa-efeito. A
condicio não está apenas a qualificar
o humano, mas o humano é a priori uma
condicio. Esta exprime o horizonte de
relação específica entre uma causa que tem determinados efeitos.
O ponto
fundamental do estudo de uma época implica a compreensão dos termos em que nos
encontramos, i.e., a análise deverá determinar um factor que é terminus ad quo (o princípio da mudança)
e a outra circunstância que tem que ver com o cumprimento desses objectivos. Procuramos
ter uma compreensão da relação entre a pressão e os efeitos.
Temos as condiciones como algo que dá sentido à estrutura
horizontal das relações entre as reacções dos humanos. Tentamos interpretar as
condições em que nos encontramos para encontrar alguma estabilidade, alguma paz.
Isto porque somos susceptíveis a agressões, que fugimos ou enfrentamos, porque
interpretamos que sofremos as consequências do impacto, que não é meramente mecânico
mas de natureza vital. Temos um entendimento do modo como somos, identificando
as zonas limite relativamente à agressão. Por exemplo, podemos ficar em casa de
modo a evitar uma conversa que precisamos de ter com alguém. Mas mesmo a não
execução da conversa que se adia tem consequências, pode deixar-nos em pressão,
tira-nos o sono. Independentemente da avaliação da conjuntura o que nos afecta
é o estado posterior, como ficamos após o contacto com a acção.
A
interpretação da nossa condicio é
feita tendo em conta que algo pode ser tão agressivo que “nos estraga a vida”,
porque damos conta da relação entre o efeito e a causa. Sentimo-nos agredidos
por estarmos cercados, o efeito é sempre iminente e irreversível. A
estabilidade é a procura por um “espaço próprio”, uma zona de conforto face à
agressão.
Se a nossa
tentativa de sobrevivência à exposição aos actos é para não nos afundarmos (ou
se a relação com a melhoria está embicada numa escala) estamos em última
instância relacionados com um terminus ad
quem.
Estamos
assim em relação com o superlativo, com um optimizar ou melhorar do
nosso estado actual. A questão é como se dá a nossa relação com a causa final:
se é algo que não podemos de qualquer modo alcançar ou se estamos permanentemente
expostos à superlativização. Qual a sua natureza, de tal modo que nos permite
aperceber que nos aproximamos ou afastamos dela? É por aquisição de posses (i.e.,
como aquilo que nos dá poder para dispor de aquilo que querermos)? O ponto é
qual é a natureza específica da optimização. É uma aquisição de poder? O que é
ter poder? A que corresponde esta bicefalia entre um lançamento para um estado onde
nunca se chega a ter tudo adquirido ou uma aquisição alcançada mas que não se
usa? A que corresponde uma optimização do nosso ponto de vista? A que
corresponde uma habilitação? É possível tendo tudo adquirido, tendo
absolutamente tudo, atingir o ponto de optimização? Como lidamos com uma
velocidade que não pode aumentar? Se não pode ser adquirida como pode ser
alcançada? E como se mantém o que se alcança, na possibilidade iminente da
queda? Resta saber se o que motiva a motivação não corresponde à aquisição mas
antes uma tensão de “ainda não”. É possível manter a existência da vida humana
sem um “ainda não”? O que é uma causa sui?
Este
conjunto de reflexões permitem-nos, a partir dos passos enunciados por Tácito,
identificar causas reconhecíveis perante nós. Podemos identificar o que esteve
na nossa vida, traçar um mapa geográfico das nossas motivações, o que nos
deslocou, que nos moveu. A descrição de Tácito é de que existem por um lado causas
à vista desarmada e por outro, motivos ocultos que nem nós próprios damos conta
e que mesmo que desvelados têm sempre um carácter de ambiguidade. O ponto é que
temos uma relação com a natureza dessas causas, não directamente com estas, mas
com a condicio que as determina. O
que motiva Tácito, o que tem em vista? Expõe a relação de escravidão e
possibilidade de libertas. Nesse sentido podemos ver as circunstâncias que
contextualizam a relação entre a servitio
e libertas.
Servitio e Libertas. Procuramos
saber se é possível estabelecer uma relação a priori entre libertas e servitio. Como
estamos nós em relação com a libertas
e servitudo na nossa vida? A que
correspondem as nossas servitudines e
como é possível uma relação com elas? Libertando-nos delas. Mas pode não haver a
determinação positiva, a da liberdade como algo que liberta, e irmos mantendo a
distância numa espécie de “dry drunkenness”, através de abstinência, de um
asceticismo que nega o mundo. Se humano está em tensão com a liberdade estamos
postos para alcançar esse estatuto.
Estamos
perante um paradigma. Em Tácito o que está em causa é a defesa do contexto
vital onde se encontra, mas também a condicio
humana simultaneamente exposta a servitudines
e à possibilidade da liberdade. Não se descobre em Tácito, nem em Séneca, uma
descrição positiva do humano. Como é possível encontrar uma determinação que
não seja na ψυχή humana que é uma anulação de um estado
de sítio? Qual o projecto do império romano para o mundo, e qual o projecto que
temos para o nosso império, para nós próprios?
Existe um
princípio de rejeição/aceitação de tipos de comportamento regidos por um
interesse de si, mas lançados, em a última análise, para alcançar liberdade.
ACEPÇÕES DE CAUSA (Lewis&Short)
I - CAVEO
I. d pers. sing. scanned cavĕs, Ter. Ad. 2, 1, 19; imper. cavĕ, Plaut. As. 2, 4, 61; id. Capt. 2, 3, 71; id. Most. 1, 4, 13 et saep.: Cat. 50, 19; Hor. S. 2, 3, 38; Prop. 1, 7, 25; v. Neue, Formenl. 2, p. 435;
old sup. CAVĬTVM, C. I. L. 1, 200, 6 sq.), 3, v. n. and a. [root
SKOF- or KOF-, to be wary; whence Gr. θυοσκόος, ἀκούω, etc.; Lat. causa,
cura; cf. also Germ. scheuen; Engl. shy], to be on one's
guard, either for one's self or (more rarely) for another; hence,
I. In gen., with and without
sibi, to be on one's guard, to take care, take
heed, beware,guard against, avoid, = φυλάσσομαι, and the Fr. se garder, prendre garde, etc.; constr.,absol.,
with ub, and in a course of action with ne or ut (also
ellipt. with the simple subj.); or, as in Greek, with acc. (= φυλάσσομαί τι); hence also pass. and with inf., and once
with cum.
II. Esp.
A. Law t. t., to take
care for, provide, order something, legally, or (of
private relations) to order, decree, dispose of
in writing, by will, to stipulate, etc.:
Sentido de cuidado
A nossa
relação com a causa tem que ver com um “cuidado de”, uma forma de preocupação
fundamental. Somos confrontados com o que inspira cuidado. Estamos numa relação
com uma protecção. Nos Anais de Tácito os laços naturais não inspiram cuidado.
Somos constantemente confrontados com casos de incesto, parricídio, matricídio,
madrastas que matam filhos, tios que matam sobrinhos, etc.
Por outro
lado existe um cuidar que é determinado por um “com”. A relação é também de ter
“cuidado com”. Formalmente não é o que inspira cuidado ou medo, mas materialmente
pode se tratar do mesmo. O nosso estado geral é de uma interpretação dos que
inspiram cuidado “com” ou “de”. Tácito faz a descrição de homens e mulheres que
por species são “de bom aspecto”, mas
que são fatais, com os quais se deve ter “cuidado com”.
“Cuidar de”
é a forma de abertura em que nos encontramos perante a vida. O Humano está numa
relação de protecção contra a agressão, num permanente cuidado de si.
Sentido latino de cura
Relação
com o cuidado que nos permite identificar, em horizontes, sintomas de agressão
dos quais nos defendemos ou não ao vermos o perigo. Aquilo pelo qual algo tem
lugar ou é feita (o cuidar de/com que permite criar compressores que nos levam
a vias de facto). Causa é o princípio de ser, uma forma de pressão dos outros
sobre nós, o cuidado fundamental de estar vivo.
II – CAUSA
causa (by Cicero, and also a
little after him, caussa , Quint. 1, 7, 20; so Fast. Praenest. pp. 321,
322; Inscr. Orell. 3681; 4077; 4698 al.; in
Mon. Ancyr. 3, 1 dub.), ae, f. perh. root cav- of caveo, prop. that which is
defended or protected; cf. cura,
I. that by, on account of,
or through which any thing takes place or is done; a
cause,reason, motive, inducement; also,
in gen., an occasion, opportunity (opp. effectis,Quint. 6, 3, 66; 7, 3, 29: “factis,” id. 4, 2, 52; 12, 1, 36 al.; very freq. in all periods,
and in all kinds of discourse. In its different meanings syn. with ratio,
principium, fons, origo, caput; excusatio, defensio; judicium, controversia,
lis; partes, actio; condicio, negotium, commodum, al.).
I. In gen.: causa ea est, quae id
efficit, cujus est causa; ut vulnus mortis; cruditas morbi;
b. Causā, in abl. with gen. or possess.
adj. (usu. put after the
noun), as patris causā, meā causā, on
account of, for the sake
of(in the best prose, almost always referring to the future, and implying a
purpose; cf. propter with acc. of the pre-existing cause or motive):
II. Esp.
A. = justa causa, good
reason, just cause, full right: “
B. An apology, excuse,
C. Causam alicui dare alicujus
rei, occasion:
D. A feigned cause, a pretext, pretence,
= praetextus,
E. In judic. lang. t. t., a
cause, judicial process, lawsuit:
2. Out of the sphere of judicial
proceedings, the party, faction, cause that one
defends:
b. Meton.
(a). A relation of friendship, connection:
(b). In gen., = condicio, a
condition, state, situation, relation, position:
(g). = negotium, a cause, business
undertaken for any one, an employment:
F. In medic. lang., a
cause for disease:
G. That which lies at the basis
of a rhetorical representation, matter, subject,ὑπόθεσις,
Interpretação e
Análise do Texto
A análise
deve ser feita pelos verbos que regem ou que estão associados ao termo.
A causa
tende a surgir no genitivo de relação – surge como causa de qualquer coisa, que
se apresenta como o sujeito de determinada acção.
I.5
neque multo post extincto Maximo, dubium an quaesita
morte, auditos in funere eius Marciae gemitus semet incusantis, quod causa
exitii marito fuisset.
·
Morte de Máximo. A sua mulher Márcia assume-se
como a causa da destruição do marido (causa exitii + genitivo)
I.7
litteras ad exercitus tamquam adepto principatu misit,
nusquam cunctabundus nisi cum in senatu loqueretur. causa praecipua
ex formidine, ne Germanicus, in cuius manu tot legiones, immensa sociorum
auxilia, mirus apud populum favor, habere imperium quam exspectare mallet.
·
Causa como motivo que leva a escrever cartas
aos exércitos, pelo medo de Germânico.
I.13
constat Haterium, cum deprecandi causa
Palatium introisset ambulantisque Tiberii genua advolveretur, prope a militibus
interfectum quia Tiberius casu an manibus eius inpeditus prociderat.
·
Surge também no genitivo (final) como
motivação de vir a fazer algo. Entrar no palácio para fazer um pedido.
I.27
Postremo deserunt tribunal, ut quis praetorianorum
militum amicorumve Caesaris occurreret, manus intentantes, causam
discordiae et initium armorum, maxime infensi Cn. Lentulo, quod is ante alios
aetate et gloria belli firmare Drusum credebatur et illa militiae flagitia
primus aspernari.
·
Causa da discórdia que é motivo do início de
uma guerra. Ira como a causa de guerra.
I.31
Isdem ferme diebus isdem causis Germanicae legiones
turbatae, quanto plures tanto violentius, et magna spe fore ut Germanicus
Caesar imperium alterius pati nequiret daretque se legionibus vi sua cuncta
tracturis.
·
Situação de Germânico de ansiedade porque era
vítima de ódios, não ocultos, mas que não se conhecia a razão. Ira, studium,
odia, correspondem a formas de agressão.
I.36
Consultatum ibi de remedio; etenim nuntiabatur parari
legatos qui superiorem exercitum ad causam eandem traherent;
destinatum excidio Vbiorum oppidum, imbutasque praeda manus in direptionem
Galliarum erupturas.
·
É causa final já que justifica a deslocação de
um exército para um determinado sítio (ad+acusativo). Permite perceber o estado
de alerta dos centuriões. Princípio de causa final e princípio de consequência
I.49
Diversa omnium, quae umquam accidere, civilium armorum
facies. non proelio, non adversis e castris, sed isdem e cubilibus, quos simul
vescentis dies, simul quietos nox habuerat, discedunt in partis, ingerunt tela
clamor vulnera sanguis palam, causa in occulto; cetera fors regit.
·
Descrição de combate envolvendo sintomas abertos,
vistos, expostos. “gritos feridas e sangue”. Identifica-se o motivo da guerra “in
oculto”. São sintomas ópticos de uma causa oculta. O resto é o “acaso que
governa”. O que incita a guerra pode ser qualquer motivação. Compreendemos uma
expansão de uma motivação psicológica que tem como resultado o clamor, feridas
e sangue.
·
Oposição contínua em Tácito: palam/clam
/occutum/ secetum.
I.53
nec alia tam intima Tiberio causa cur
Rhodum abscederet
·
Causa descrita como íntima, de motivações que
não estão descobertas. Tibério que se esconde durante 10 anos em Rodes, com motivações
susceptíveis de interpretação.
par causa saevitiae in
Sempronium Gracchum, qui familia nobili, sollers ingenio et prave facundus,
eandem Iuliam in matrimonio Marci Agrippae temeraverat.
·
Servitia
pela crueldade.
A rede de descrição de Tácito é o motivo em
vista do qual há uma consequência, enlaçado na ambitio, lascívia, etc. Há uma compreensão
da motivação da condicio humana que
não tem outra configuração senão a de “cuidar de”.
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