domingo, 15 de abril de 2012

Antiga, 10ª sessão, protocolo por Rita Couto.


Aula 10 – 11.Abril.2012 (4ª) – CAUSA

Podemos compreender duas determinações fundamentais:
1)     ὅθεν ἡ τῆς κινήσεως  ἀρχή - A ideia aristotélica de motivação, como determinação de um princípio de acção, que constitui o início do processo da acção;
2)     τὸ οὖ ἕνεκα – a causa final da acção.

Terminus ad quem/ Terminus a quo. Existe uma coincidência entre o princípio da mudança e a causa final. O que inicia é já o próprio objectivo, o fim que puxa pela acção. Podemos pensar, por exemplo, no congelamento da água: todo o processo dá-se em vista do momento último em que toda a água congelou, é o motivo de a expormos ao frio. Mas a ideia está também presente na motivação pessoal. Neste caso há um desdobramento do que existe a priori, o conjunto de motivações complexas de natureza psicológica, na exteriorização dada através da acção. Mas a origem desta relação de causa-efeito pode ser-nos também extrínseca, quando o que nos “puxa” está localizado numa outra pessoa, num ambiente ou numa condição política que nos afecta. O ponto é que são as nossas motivações nos levam à expressão dessas causas numa determinada acção. Por outro lado, a acção é sempre localizada no mundo, tem referente. Não se trata, portanto de uma mera relação mecânica: ela é contextualizada no Humano.

Termini a quibus. A causa é o que dá a compreensão de uma abertura para uma acção. O motivo o que determina a perseguição ou fuga.
A compreensão da relação causal é dada a meio caminho. Quando vamos por impulso buscar um copo de água à cozinha não pensamos se estamos com sede ou não. É na execução da acção que a sua causa se clarifica. A própria situação vital constitui-se desde logo num encaminhamento, estamos empurrados para viver sem pedirmos pela nossa causa, pelo que nos põe a ser. Mas existe a causa de uma pessoa? É possível adoptar-se uma causa? Constitui-se por natureza? O que nos motiva, reconhecendo o facto de que estamos motivados? Encontramo-nos numa situação que desde sempre nos coloca num contexto de marcha.
Por outro lado, o que projecta os objectivos e propósitos? Podem estar hierarquizados, serem comuns a várias pessoas ou a uma classe de pessoas, mas aí compreendemos que há algo que para cada um de nós é susceptível de ser identificado como idêntico ou diferente dos outros. Como colocamos objectivos para nós? Qual a natureza da compreensão da natureza da causa que nos toca e motiva?
Há uma compreensão de que estamos constituídos neste contexto de exposição a múltiplos campos de pressão e simultaneamente na procura por um o propósito fundamental para nós, que pode também ser neutralizado ou com o qual podemos ser numa relação intermitente.
A inexistência de uma causa dada à partida pressiona-nos para a busca de uma motivação fundamental para se viver. Podemos reflectir sobre causas de acções passadas, buscar pelas causas perdidas, dar conta das acções que se cumpriram ou foram abortadas. Existe uma estrutura fundamental de motivação na nossa vida? Esta é múltipla, plural ou única? Há uma relação entre a multiplicidade de causas ou de uma única causa que guia o decorrer da vida? Ao perguntarmos pelo sentido da vida, depreende-se a existência de uma afectação da vida por um princípio de fundamento, uma relação entre impacto e resultado.

Condicio. Algo nos coloca na procura pela compreensão dos processos mecânicos de causalidade, a tentar perceber a natureza daquilo que os latinos chamavam de condicio (não confundir com conditio, que significa tempero), i.e. a condição, uma plataforma de entendimento que marca a relação de causa-efeito. A condicio não está apenas a qualificar o humano, mas o humano é a priori uma condicio. Esta exprime o horizonte de relação específica entre uma causa que tem determinados efeitos.
O ponto fundamental do estudo de uma época implica a compreensão dos termos em que nos encontramos, i.e., a análise deverá determinar um factor que é terminus ad quo (o princípio da mudança) e a outra circunstância que tem que ver com o cumprimento desses objectivos. Procuramos ter uma compreensão da relação entre a pressão e os efeitos.
Temos as condiciones como algo que dá sentido à estrutura horizontal das relações entre as reacções dos humanos. Tentamos interpretar as condições em que nos encontramos para encontrar alguma estabilidade, alguma paz. Isto porque somos susceptíveis a agressões, que fugimos ou enfrentamos, porque interpretamos que sofremos as consequências do impacto, que não é meramente mecânico mas de natureza vital. Temos um entendimento do modo como somos, identificando as zonas limite relativamente à agressão. Por exemplo, podemos ficar em casa de modo a evitar uma conversa que precisamos de ter com alguém. Mas mesmo a não execução da conversa que se adia tem consequências, pode deixar-nos em pressão, tira-nos o sono. Independentemente da avaliação da conjuntura o que nos afecta é o estado posterior, como ficamos após o contacto com a acção.
A interpretação da nossa condicio é feita tendo em conta que algo pode ser tão agressivo que “nos estraga a vida”, porque damos conta da relação entre o efeito e a causa. Sentimo-nos agredidos por estarmos cercados, o efeito é sempre iminente e irreversível. A estabilidade é a procura por um “espaço próprio”, uma zona de conforto face à agressão.
Se a nossa tentativa de sobrevivência à exposição aos actos é para não nos afundarmos (ou se a relação com a melhoria está embicada numa escala) estamos em última instância relacionados com um terminus ad quem.

Estamos assim em relação com o superlativo, com um optimizar ou melhorar do nosso estado actual. A questão é como se dá a nossa relação com a causa final: se é algo que não podemos de qualquer modo alcançar ou se estamos permanentemente expostos à superlativização. Qual a sua natureza, de tal modo que nos permite aperceber que nos aproximamos ou afastamos dela? É por aquisição de posses (i.e., como aquilo que nos dá poder para dispor de aquilo que querermos)? O ponto é qual é a natureza específica da optimização. É uma aquisição de poder? O que é ter poder? A que corresponde esta bicefalia entre um lançamento para um estado onde nunca se chega a ter tudo adquirido ou uma aquisição alcançada mas que não se usa? A que corresponde uma optimização do nosso ponto de vista? A que corresponde uma habilitação? É possível tendo tudo adquirido, tendo absolutamente tudo, atingir o ponto de optimização? Como lidamos com uma velocidade que não pode aumentar? Se não pode ser adquirida como pode ser alcançada? E como se mantém o que se alcança, na possibilidade iminente da queda? Resta saber se o que motiva a motivação não corresponde à aquisição mas antes uma tensão de “ainda não”. É possível manter a existência da vida humana sem um “ainda não”? O que é uma causa sui?

Este conjunto de reflexões permitem-nos, a partir dos passos enunciados por Tácito, identificar causas reconhecíveis perante nós. Podemos identificar o que esteve na nossa vida, traçar um mapa geográfico das nossas motivações, o que nos deslocou, que nos moveu. A descrição de Tácito é de que existem por um lado causas à vista desarmada e por outro, motivos ocultos que nem nós próprios damos conta e que mesmo que desvelados têm sempre um carácter de ambiguidade. O ponto é que temos uma relação com a natureza dessas causas, não directamente com estas, mas com a condicio que as determina. O que motiva Tácito, o que tem em vista? Expõe a relação de escravidão e possibilidade de libertas. Nesse sentido podemos ver as circunstâncias que contextualizam a relação entre a servitio e libertas.

Servitio e Libertas. Procuramos saber se é possível estabelecer uma relação a priori entre libertas e servitio. Como estamos nós em relação com a libertas e servitudo na nossa vida? A que correspondem as nossas servitudines e como é possível uma relação com elas? Libertando-nos delas. Mas pode não haver a determinação positiva, a da liberdade como algo que liberta, e irmos mantendo a distância numa espécie de “dry drunkenness”, através de abstinência, de um asceticismo que nega o mundo. Se humano está em tensão com a liberdade estamos postos para alcançar esse estatuto.
Estamos perante um paradigma. Em Tácito o que está em causa é a defesa do contexto vital onde se encontra, mas também a condicio humana simultaneamente exposta a servitudines e à possibilidade da liberdade. Não se descobre em Tácito, nem em Séneca, uma descrição positiva do humano. Como é possível encontrar uma determinação que não seja na ψυχή humana que é uma anulação de um estado de sítio? Qual o projecto do império romano para o mundo, e qual o projecto que temos para o nosso império, para nós próprios?
Existe um princípio de rejeição/aceitação de tipos de comportamento regidos por um interesse de si, mas lançados, em a última análise, para alcançar liberdade.



ACEPÇÕES DE CAUSA (Lewis&Short)

I - CAVEO
I. d pers. sing. scanned cavĕs, Ter. Ad. 2, 1, 19imper. cavĕ, Plaut. As. 2, 4, 61id. Capt. 2, 3, 71id. Most. 1, 4, 13 et saep.: Cat. 50, 19Hor. S. 2, 3, 38Prop. 1, 7, 25; v. Neue, Formenl. 2, p. 435; old sup. CAVĬTVM, C. I. L. 1, 200, 6 sq.), 3, v. n. and a. [root SKOF- or KOF-, to be wary; whence Gr. θυοσκόοςἀκούω, etc.; Lat. causa, cura; cf. also Germ. scheuen; Engl. shy], to be on one's guard, either for one's self or (more rarely) for another; hence,
I. In gen., with and without sibi, to be on one's guardto take caretake heedbeware,guard againstavoid, = φυλάσσομαι, and the Fr. se garder, prendre garde, etc.; constr.,absol., with ub, and in a course of action with ne or ut (also ellipt. with the simple subj.); or, as in Greek, with acc. (= φυλάσσομαί τι); hence also pass. and with inf., and once with cum.
II. Esp.
A. Law t. t., to take care forprovideorder something, legally, or (of private relations) to orderdecreedispose of in writingby willto stipulate, etc.: 

Sentido de cuidado
A nossa relação com a causa tem que ver com um “cuidado de”, uma forma de preocupação fundamental. Somos confrontados com o que inspira cuidado. Estamos numa relação com uma protecção. Nos Anais de Tácito os laços naturais não inspiram cuidado. Somos constantemente confrontados com casos de incesto, parricídio, matricídio, madrastas que matam filhos, tios que matam sobrinhos, etc.
Por outro lado existe um cuidar que é determinado por um “com”. A relação é também de ter “cuidado com”. Formalmente não é o que inspira cuidado ou medo, mas materialmente pode se tratar do mesmo. O nosso estado geral é de uma interpretação dos que inspiram cuidado “com” ou “de”. Tácito faz a descrição de homens e mulheres que por species são “de bom aspecto”, mas que são fatais, com os quais se deve ter “cuidado com”.
“Cuidar de” é a forma de abertura em que nos encontramos perante a vida. O Humano está numa relação de protecção contra a agressão, num permanente cuidado de si.
Sentido latino de cura
Relação com o cuidado que nos permite identificar, em horizontes, sintomas de agressão dos quais nos defendemos ou não ao vermos o perigo. Aquilo pelo qual algo tem lugar ou é feita (o cuidar de/com que permite criar compressores que nos levam a vias de facto). Causa é o princípio de ser, uma forma de pressão dos outros sobre nós, o cuidado fundamental de estar vivo.

II – CAUSA
causa (by Cicero, and also a little after him, caussa , Quint. 1, 7, 20; so Fast. Praenest. pp. 321, 322; Inscr. Orell. 368140774698 al.; in Mon. Ancyr. 3, 1 dub.), ae, f. perh. root cav- of caveo, prop. that which is defended or protected; cf. cura,

I. that byon account of, or through which any thing takes place or is donea cause,reasonmotiveinducement; also, in gen., an occasionopportunity (opp. effectis,Quint. 6, 3, 667, 3, 29: “factis,” id. 4, 2, 5212, 1, 36 al.; very freq. in all periods, and in all kinds of discourse. In its different meanings syn. with ratio, principium, fons, origo, caput; excusatio, defensio; judicium, controversia, lis; partes, actio; condicio, negotium, commodum, al.).
I. In gen.: causa ea est, quae id efficit, cujus est causa; ut vulnus mortis; cruditas morbi; 
b. Causā, in abl. with gen. or possess. adj. (usu. put after the noun), as patris causā, meā causā, on account of, for the sake of(in the best prose, almost always referring to the future, and implying a purpose; cf. propter with acc. of the pre-existing cause or motive): 
II. Esp.
A. = justa causa, good reasonjust causefull right: “
B. An apologyexcuse
C. Causam alicui dare alicujus rei, occasion:
D. A feigned causea pretextpretence, = praetextus, 
E. In judic. lang. t. t., a causejudicial processlawsuit:
2. Out of the sphere of judicial proceedings, the partyfactioncause that one defends:
b. Meton.
(a). A relation of friendshipconnection:
(b). In gen., = condicio, a conditionstatesituationrelationposition:
(g). = negotium, a causebusiness undertaken for any onean employment:
F. In medic. lang., a cause for disease:
G. That which lies at the basis of a rhetorical representationmattersubject,ὑπόθεσις







Interpretação e Análise do Texto

A análise deve ser feita pelos verbos que regem ou que estão associados ao termo.
A causa tende a surgir no genitivo de relação – surge como causa de qualquer coisa, que se apresenta como o sujeito de determinada acção.


I.5
neque multo post extincto Maximo, dubium an quaesita morte, auditos in funere eius Marciae gemitus semet incusantis, quod causa exitii marito fuisset.
·       Morte de Máximo. A sua mulher Márcia assume-se como a causa da destruição do marido (causa exitii + genitivo)

I.7
litteras ad exercitus tamquam adepto principatu misit, nusquam cunctabundus nisi cum in senatu loqueretur. causa praecipua ex formidine, ne Germanicus, in cuius manu tot legiones, immensa sociorum auxilia, mirus apud populum favor, habere imperium quam exspectare mallet.
·       Causa como motivo que leva a escrever cartas aos exércitos, pelo medo de Germânico.


I.13
constat Haterium, cum deprecandi causa Palatium introisset ambulantisque Tiberii genua advolveretur, prope a militibus interfectum quia Tiberius casu an manibus eius inpeditus prociderat.
·       Surge também no genitivo (final) como motivação de vir a fazer algo. Entrar no palácio para fazer um pedido.

I.27
Postremo deserunt tribunal, ut quis praetorianorum militum amicorumve Caesaris occurreret, manus intentantes, causam discordiae et initium armorum, maxime infensi Cn. Lentulo, quod is ante alios aetate et gloria belli firmare Drusum credebatur et illa militiae flagitia primus aspernari.
·       Causa da discórdia que é motivo do início de uma guerra. Ira como a causa de guerra.

I.31
Isdem ferme diebus isdem causis Germanicae legiones turbatae, quanto plures tanto violentius, et magna spe fore ut Germanicus Caesar imperium alterius pati nequiret daretque se legionibus vi sua cuncta tracturis.
·       Situação de Germânico de ansiedade porque era vítima de ódios, não ocultos, mas que não se conhecia a razão. Ira, studium, odia, correspondem a formas de agressão.

I.36
Consultatum ibi de remedio; etenim nuntiabatur parari legatos qui superiorem exercitum ad causam eandem traherent; destinatum excidio Vbiorum oppidum, imbutasque praeda manus in direptionem Galliarum erupturas.
·       É causa final já que justifica a deslocação de um exército para um determinado sítio (ad+acusativo). Permite perceber o estado de alerta dos centuriões. Princípio de causa final e princípio de consequência

I.49
Diversa omnium, quae umquam accidere, civilium armorum facies. non proelio, non adversis e castris, sed isdem e cubilibus, quos simul vescentis dies, simul quietos nox habuerat, discedunt in partis, ingerunt tela clamor vulnera sanguis palam, causa in occulto; cetera fors regit.
·       Descrição de combate envolvendo sintomas abertos, vistos, expostos. “gritos feridas e sangue”. Identifica-se o motivo da guerra “in oculto”. São sintomas ópticos de uma causa oculta. O resto é o “acaso que governa”. O que incita a guerra pode ser qualquer motivação. Compreendemos uma expansão de uma motivação psicológica que tem como resultado o clamor, feridas e sangue.
·       Oposição contínua em Tácito: palam/clam /occutum/ secetum.

I.53
nec alia tam intima Tiberio causa cur Rhodum abscederet
·       Causa descrita como íntima, de motivações que não estão descobertas. Tibério que se esconde durante 10 anos em Rodes, com motivações susceptíveis de interpretação.
par causa saevitiae in Sempronium Gracchum, qui familia nobili, sollers ingenio et prave facundus, eandem Iuliam in matrimonio Marci Agrippae temeraverat.
·       Servitia pela crueldade.



A rede de descrição de Tácito é o motivo em vista do qual há uma consequência, enlaçado na ambitio, lascívia, etc. Há uma compreensão da motivação da condicio humana que não tem outra configuração senão a de “cuidar de”.

Sem comentários:

Enviar um comentário

TEMAS DE FILOSOFIA ANTIGA. 3ª SESSÃO. HANDOUT

3ª sessão. Handout. 19 de Feveiro, 2019 Sen. Ep. 58. 6.  Quomodo dicetur ο ὐ σία res necessaria , natura continens fundamentum o...