17ª aula de Filosofia Contemporânea
Aulas passada: continuação do
tédio de segunda ordem e breve introdução ao tédio de 3ª ordem.
Parágrafo 28 do volume 29/30
-- aprofundamento da 2ª forma de tédio. Balanço da análise da 1ª e 2ª forma de
tédio, para melhor permitir compreender
o que vai ser a forma mais profunda de tédio.
Os três textos paralelos a Sein und Zeit, os textos sobre os tempo
-- relatório de Natorp, os próprios volumes de 29/30 e Prolegomena zur
Geschichte des Zeitbegriffs. Ele faz um estudo de
Aristóteles nestes textos -- o que está em causa na perspectiva de Heidegger é
a re-perspectivação da tradição filosófica, com especial foco em Aristóteles.
O que está em causa no
conceito de tempo em Heidegger pressupões a leitura de Husserl, mas ainda assim
devem muito mais a Kierkegaard. Heidegger faz a espargata entre o tempo tal
como está definida no livro D da física e no pensamento de Bergson.
Heidegger faz uma análise do
tempo da teoria, mas com o tempo fundamental das disposições. O que está em
causa é a aproximação dos fenómenos a acontecimentos da minha vida -- sem isso
não há qualquer hipótese de filosofia. As análises suspendem o "a
mim", mas pressupõem sempre o "a si próprio". O tempo em
causa é o meu tempo: eu sou tempo: eu sou tempo contado -- é isto que a análise
de Heidegger visa. Ele querer acordar a disposição do tempo significa
configurar o sentido dos fenómenos (tudo o que acontece na minha vida) pelo
tempo que passa. As categorias da filosofia transcendental de Kant
curto-circuitam a análises da existência porque só podem focar a natureza, só
conseguem focar de um ponto de vista da teoria o que permite ser visto desse
prisma (que é a natureza). O que essa análise permite é a sequência de agoras,
e nada mais. O tempo é uma sequência de agoras, mas cada agora é como um
albergue espanhol onde tudo o que entra tem de sair de manhã -- cada agora tem
todo um mundo lá dentro, mas daqui a nada já nada disso vai ser, mas esse
"não vai ser" já faz parte do agora.
Na análise de Husserl há uma
tentativa de captar negativamente cada agora. Isso faz-se pelo "já
não" (o que aconteceu há um segundo está tão morto como Alexandre o
grande) e pelo "ainda não" (acontecimento que faz esperar tudo no seu
todo daqui a nada, com a obliteração do agora).
Geralmente, pensamos o tempo
como um eixo das ordenada com mais e menos infinito, em que o passado está à
esquerda, o presente no meio, e o futuro à direita. O ponto de Husserl é que,
na vida, eu não estou a ver isto de frente, a olhar para esquema de fora dele,
mas estou lá dentro do rio que passa. Mas não estou apoiado nem no que já foi
nem no que ainda não foi. Eu tenho e me imergir no fluxo da temporalidade, no
qual o passado tem estatuto, agora, de ficção, tal como o futuro (ex. posso
imaginar e projectar o mundo daqui a cem anos. Isso é tão irreal como o passado
há dez minutos). A nossa vida está composta de actae (o que ficou lavrado em acta) e agenda (o que tem de ser tratado). Há uma sequência (ἔφεξις) em que
o a priori é o de seguida. O que
ainda não foi e o que já foi e o agora são sintéticos a priori uns relativamente ao outros. É esta impossibilidade de uns
estarem sem os outros que permite perceber a sequência que é a priori. O que se passa no momento da
análise é que o tempo é o tempo do objecto que está a ser analisado. Há uma
exclusão do tempo das outras coisas que não estão a ser consideradas, mas estão
a permitir a esse objecto ser. Quando estou a focar o cubo de gelo a derreter
no chão da cozinha ignoro a cozinha e apartamento e o prédio que estão mantidos
na temporalidade. A análise de Husserl é uma análise que me mergulha na
temporalidade de todos os objectos que estão mantido em presença sem nós termos
conta disso. Há uma proto-sequência que é a minha própria vida e que permite as
sequências de todas as outras coisas.
O fim de um agora permite
perceber que, o que passou foi um agora de tudo o que há no mundo -- o agora é
universal. E ao fim do dia eu posso perceber que ao fim do dia tudo o que
passou foi uma sequência que é permitida por uma proto-sequência, e que
obliterou bilhetes da vida, mas não a própria vida.
O ponto fundamental é que o
sentido da sequência é o sentido não da substituição de um agora por outro
agora, mas uma descrição da temporalidade de acordo com a sequência -- o que
tenho como estrutura é um princípio de substituição que tem em pano de fundo a
eternidade. Quando se analisa a sequência não no sentido do eu transcendental
que nunca morre, o que se tem é a passagem, o que eu passo a ter é um aumento
do caudal cada vez maior das possibilidades obliteradas que escoa, bem como a
aproximação do fim e do consumo das possibilidades de agora e que estão a ser
pensadas como diminutas. O que está em causa é a frase de Santo agostinho
"desde que sais do ventre materno começas a morrer." Desde sempre eu
tenho a possibilidade de ver o agora como transição -- a passagem configura o
sentido do Dasein (a vida).
Potencialmente, e de uma forma eficaz, eu tenho ideia do que é tempo consumido
e do tempo que me falta consumir. Isto implica ver o futuro como os gregos, que
viam o tempo com advérbios de espaço -- eu tenho o passado à frente porque o
posso por à frente dos olhos, mas tenho o futuro atrás das costas porque não o
consigo ver. Eu passo a viver na transição do tempo de tal modo que estou em
tensão com o limite do tempo embora esse tempo não tenha decorrido. O que está
a ser descrito é uma possibilidade como "já não" total do tempo que
tenho para ser. Mesmo que viva mil anos já não consigo anular nunca a
vivência a priori do tempo em tensão com o fim dos tempos e com os tempos já
passados -- nós relacionamo-nos com as coisas numa estrutura temporal de
sequência de agoras.
Ser significa o agente (nomen actionis) o mega acto que transita o agenda em acta. De tal
forma que ser é a agencia absolutamente finita da temporalidade crónica. O
tempo é irrepetível, insubstituível e cronicamente finito. Não é possível anular
esta forma de ser que Heidegger designa por Existenz.
Este não é mais um horizonte que vive paralelo com outros horizontes
ciêntificos (matemática, etc) mas a estrutura que os permite -- a proto
estrutura (A Ur - struktur). As
coisas dão-se num instante, mas esses fenómenos requerem uma hermenêutica, um
esforço de pensar neles, uma pressão da própria vida que não nos deixa ficar
indiferentes ao que aconteceu nela. A filosofia apresenta-se como forma de
perceber isso que me aconteceu ao longo da toda da vida, como essa forma de
pressão hermenêutica que me permite perceber toda a minha vida, que me obriga a
pensar e a tomar posição relativamente ao que me acontece a mim. O ponto
fundamental é que a tentativa de perceber o que me aconteceu e vai acontecer,
de interpretar o que marcou e marca a minha vida, permite perceber que o tempo
é agente que me permite interpretar tudo e ser o que sou. Em causa está o ser,
que é o acontecimento fundamental da metafísica do ocidente -- um nada que é
eficaz, um nada que surte o seu efeito.
Isto leva outra vez ao tédio
e à pergunta: será que toda a minha vida não é mais do que comportamento compulsivo
que esconde uma obsessão? Ou seja: será a minha vida um ATL? Será que o
trabalho corresponde a uma compulsão que visa neutralizar esta obsessão relativa
a mim, que é insuportável? O que se está aqui a determinar são os diversos
níveis em que eu me apareço a mim. Quando é que eu me reconheço a mim? Quando
sou expulso do mundo, quando o mundo se torna impermeável a mim. É isto que
está em causa no tédio de 1ª e 2ª ordem. Há uma neutralização do Selbst (eu sou eu próprio quando chegar
o comboio e eu voltar à minha vida). Trata-se de flutuações de expulsão de mim
em que eu me descubro fora do mundo, pois a travessia do tempo é feito pelo
princípio de individuação -- o tempo só pode ser vivido por mim. Há uma
renúncia a mim quando o tempo é um maçada e eu não consigo habitar -- não
consigo estar ali (mais uma vez a descrição do tempo por categorias espaciais,
como pensavam os gregos).
Na segunda forma de tédio
analisa-se o 'eu' de que eu abdico para ir ao serão. Um 'eu' que nessas horas
do serão dificilmente habita o mundo. Nesses momentos, em que não consigo fazer
nada e não me ocupo, surge a presença de um eu que tem uma relação com o tempo
que não está a ser ocupado, exactamente por ser livre e ser incoculpável. Assim
se me apresenta a minha vida -- o momento de transição entre largar o trabalho
e chegar ao serão permite ver que todos os conteúdos são incapazes de serem
pegados por mim -- tudo surge como uma chatice fundamental, porque o tempo não
transita. Heidegger diz para não largar isto, para manter isto acordado,
porque de alguma forma eu tenho aí algum contacto com a minha vida. Nessa
alturas eu abri a guarda e a vida acertou-me em cheio no queixo... Abri a
guarda porque não consigo estar sempre com a guarda em alta, não consigo estar
sempre ocupado. O que está em causa é qualquer coisa do género "a vida
é uma maçada" ou "a minha vida é uma maçada". Esta é a forma
maciça de termos de conviver connosco desocupados. Estas disposições
notificam-nos a forma da nossa vida. O espírito do tempo é este.
Final do parágrafo 28, pág.
196.
1ª ponto O momento estrutural do estar numa
situação de vazio (leergelassenheit). Na 1ª forma é o abandono das coisas no seu todo para um vazio perante
nós (a estação de caminhos de ferro e o eu estar lá que não faz sentido nenhum)
-- há um vazio do puro perante (Vorhandenheit), ou seja, há um vazio que abre
para o categorial, mas está tudo com o 'não' do embargo. Abre para o categorial
porque pela primeira vez eu vejo objectos. Não há uso disso nem ser com isso
que está na estação, e por isso eu passo a estar fora do mundo ( Wittgenstein e
o Tractatus). Não há sentido de
ocupação do tempo da vida. Isto abre para o vazio, para a impossibilidade de
ser, pois abre para o facto de não conseguirmos habitar um tempo em que há
tédio de manhã à noite. A vida pode passar toda e eu posso praticar coisas e
colecionar dias, mas isso em nada muda a possibilidade de todos os dias da
minha vida serem em vão. E todos os momentos são anulados, por mais alegres que
sejam, e completamente assassinados por um só momento de tédio. É nos momentos
de tédio que equacionamos o sentido da própria vida, porque ele abre para a
possibilidade de a vida ser tédio, do qual fugimos com as ocupações. Queremos
fugir do vazio do puro perante. Na 2ª
forma de tédio é construído pelo si, pelo próprio. Sou eu que me dou tempo
para ir à festa. Quando eu abdiquei de mim para estar lá, eu não estou lá.
Quando disse "ok eu vou" e vou, depois estou lá e no fundo não queria
estar lá. Nada do que lá se passa é agenda da chatice, apenas eu, porque eu é
que fui sem dever ter ido, eu não queria ter ido lá e por isso eu não estou lá
-- a minha agenda é feita por outra pessoa, um outro eu qualquer que foi à
festa. Mas também não me deixou ficar em casa a trabalhar.
2º Ponto. O tempo do tédio deixa-nos no
vazio e Hingehaltenheit (de tempo
parado, o tempo parou. Relativamente à 1º
forma de tédio é um ficar em suspenso num tempo de aflição -- eu tenho de
aguentar até o comboio voltar, por isso ocupo o tempo, de qualquer forma quero
que o tempo passe. Na 2ª forma o que
se tem é um tempo que não se solta e que se deixa a si parado como o tempo de
um próprio si que foi deixado para trás. O próprio de nós ficou em casa.
3º ponto A respeito da situação peculiar que
nos inscreve no tempo. 1ª forma --uma
situação definida por uma força exterior identificável. Na 2 ª forma não há uma vinculação com o que estamos a viver. Não
vimos embora por cerimónia, mas estamos soltos numa situação que se processa à
nossa frente. Estamos a ir nessas horas por agentes programáticos extrínsecos.
4º ponto -- reacção ao tempo. 1ª forma quando estamos maçados
ocorrem-nos todas as ocupações possíveis para fazer passar o tempo. A única
coisa importante é passar o tempo, independentemente do que nos entretenha. 2ª forma de tédio: é o facto de ser de
modo inaparente que o próprio si se maça ao longo da festa sem que reparemos nisso,
mas existem formas de entreter específicas a que eu recorro mas são inaparentes
(trautear os dedos)
5º ponto. Na primeira forma de tédio experimentamos a inquietude do tédio
correndo contra o tédio -- mantemo-nos ocupados para contrariar o tempo,
tentamos contornar o tempo preenchendo-o.
2ª forma de tédio: a passagem é um forma de escapar ao tédio. Lidamos
connosco, com o próprio agente, com o facto de sermos nós o agente do tédio.
6º ponto. Diferença que existe na vibração
do tempo. 1ª forma -- É o estar
ali num campo de forças entre algo entediante e determinado, o estar ali
presos. estamos agarrados ao tédio, "ficámos agarrados". Na 2ª forma , esta vibração paira e
estende-se durante toda a festa.
7º ponto. Resumir os 6 pontos anteriores. O que aparentemente é um ataque externo e uma aproximação do tédio a
partir de uma vizinhança (Umgebung)
determinada. O tédio sobe, cresce na vida e a partir da própria vida. ISto
acontece ocasionalmente e por mote de uma determinada situação. Um sentimento
que cresce e ataca. Nós vamos chapinhar no carácter ocasional do tédio. Somos
sugados para o interior do tédio por um peso peculiar. É este ser sugado que
contamina a vida. Na 3ª forma é isso que está a ser descrito - a vida é
uma maçada quer dizer que a minha vida é uma maçada e eu não posso viver outra.
Qual a ocupação quando nada que se faz tem o estatuto ontológico que permita
preencher o vazio que o tédio? Nada preenche o tédio, porque o estatuto ontológico
é heterogéneo em relação ao sentido do ser do tédio. Na aflição do tédio,
no piscar de olhos do tédio, como é que eu posso obviar o vazio que eu vejo ali
fotografado num instante? É essa forma de o sentido se esvaziar que convida e
nos suga para si, e a única forma de obviar isso é ler o envelope que ela nos
trás. Eu só consigo combater uma disposição com outra disposição: nenhuma
forma de ocupação pode criar essa disposição que corresponde à anulação do
tédio. Essa disposição é a disposição peculiar da minha vida -- essa é a
única que combate o tédio. O problema é que nós não sabemos que disposição é
essa. E para fazer isso temos de constituir um clima, de criar um espaço de
manobra que permitem uma forma peculiar de ser, de tocar a minha música. O
problema é que eu não sei que clima é esse nem como o trazer à presença.
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