sábado, 19 de maio de 2012

CONTEMPORÂNEA, 16. (Protocolo: TOMAZ FIDALGO)


16ª aula de Filosofia Contemporânea

Aula anterior: análise do tédio de segunda ordem.

Também a segunda forma de tédio apresenta as duas características fundamentais do tédio de primeiro ordem: o tempo que custa a passar (Hinhaltend), vivido como contra tempo, e o facto da vivência do tédio esvaziar sentido(Leerlassend). Há uma reacção na forma como se procura passar o tempo (Zeitvertreig), que na segunda forma de tédio é anónima. Não há, na segunda forma de tédio, uma identificação explícita do ente que provoca o tédio. Mas, pela enunciação na voz passiva, pode-se entender que é o próprio que causa o tédio, é ele que se maça.
O que caracteriza o vazio é o facto de não haver trânsito na sequência de um momento atrás do outro. Na primeira forma de tédio isto é explícito. Mas no tédio de segunda ordem isto só é notado depois. Na festa há indícios que contrariam a descrição do tédio e a dificuldade do tempo passar. Há um programa que nos faz ir nas horas, a agenda faz-nos passar nas diversas fazes e faz a travessia dos momentos do serão. Mas, então, como é que nós identificamos a estrutura de Hinhaltend, Leerlassend e Zeitvertreig? Como é que se pode falar de vazio se a vivência dos conteúdos que nos são oferecidos são passados na sequência do tempo, se nós vamos nas horas? Como é que então podemos falar de procurar fazer passar o tempo?
Em causa está uma tentativa de compreensão das circunstâncias pelas quais passámos na nossa vida, e não apenas das estações quando se perde os comboios e das festa. O problema é: como perceber o que estamos a sentir disposicionalmente, se estamos a ir no conteúdos determinados pelo programa, pela agenda do quotidiano? Como identificar essas situações peculiares na nossa vida? Como perceber estas situações na nossa vida, se o tédio só nos bate na cara depois de a situação ter passado (no tédio de segunda ordem). Não houve nenhuma violência do tempo que custa a passar, mas houve uma suspensão do próprio para estar na festa. Não se sente tédio nem maçada, mas vamos nas horas, mas a agenda expropria-nos de nós. Estamos a ser invadidas por uma determinação do sentido que é dada pelo programa das festas, de tal forma que a decisão do sentido da nossa vida no serão é tomada por uma instância que não somos nós. Nós temos tempo para ir à festa e damo-nos tempo para ir à festa, mas isso correspondeu a uma abdicação que eu faço do meu tempo para ir à festa. A pergunta fundamental é: o que é que determina a expropriação de si no tempo na festa, o que é que determina a paralisação no modo como vivemos o tempo? O que fazemos é o gesto fundamental do tempo da nossa vida, exprime-nos. O tempo da festa é vivido não como o tempo que não é nosso, porque está a ser consumido, mas é um tempo em que  nós não fazemos o que somos. Uma pessoa na festa é uma pessoa que está na festa, suspendeu o seu papel, aquilo que faz, e aparece a sua fachada. Isso mostra-se pelo facto de as conversas serem conversas de circunstância e superfície. As pessoas numa festa estão justamente esvaziadas e neutralizadas de si. Em causa está a apresentação de níveis horizontais que determinam as conversas, porque o programa é um programa que visa divertirmo-nos de nós, fugirmos de nós. O que nos leva nas horas não é aquilo que nos acontece. Isso é absolutamente extrínseco e não tem nada a ver comigo. 
O ponto tem a ver com a determinação linguística, com o sich langweiten bei. Este si foi o que ficou em casa e maça-se aí onde se encontra. O mundo do trabalho tem uma agenda controlada por nós, mesmo que não consigamos cumprir prazos e da dependência dos outros, mas é controlado por nós na medida em que estamos compreendidos no seu sentido -- no trabalho há possibilidade de expressão de qualquer coisa com um si, há um emprego de si, uma dignidade de si, o poder expressar-se a si, ter um papel a desempenhar num quadro e num contexto complexo. O trabalho tem que ver com o emprego de si, está em tensão e polarização com o desempenho de si. O que sucede na festa é justamente o intervalo do trabalho. A festa são os momentos em que nós não estamos connosco a trabalhar. A pergunta é: o que é que eu sou no intervalo do trabalho? Quando eu estou a trabalhar à uma lógica de oferta, eu sou (nem que seja para os outros) aquilo que ofereço. Nas festas eu valho o que valho fora do trabalho. Na festa vemos o "espírito" de uma pessoa (como diziam os franceses). O ponto fundamental é: o que é que acontece comigo quando me estou a expressar? e o que é que sucede quando esse encosto no trabalho se perde e passo a ser a pessoa que é tratado pelo primeiro nome pela mãe para levar o lixo lá a baixo? O que é que acontece quando estamos a trabalhar e quando nos exoneramos do exercício das nossas funções? Teoricamente a festa seria uma oportunidade para ser eu sem a canalização para o que faço, mas ela é, pelo contrário, um momento de desocupação de mim, ela esvazia-me. E por esse motivo eu não posso encontrar os outros nesse que seria o local ideal para os encontrar -- o problema é que nenhum dos "eus" vai à festa (a não ser quem vai trabalhar para a festa, que não está na festa, está a trabalhar).
O ponto é que eu estou a cumprir uma agenda que não é minha -- eu não sou agente de sentido, e por isso sou eu que me maço, que me aborreço. O que existe é uma disponibilidade para estar ali, em que vamos nas horas porque daqui a nada a festa desfaz-se e daqui a umas horas eu "vou à minha vida". Qual a diferença entre estar numa situação em que temos  problemas e programas nossos e numa situação em que não faço nada por mim? O ponto é que nós não calculamos que vamos despedirmo-nos de nós, mas eu dou tempo de mim e deixo de ser eu para ser um animal de festas. Quando é que eu deixo de ser eu e me desocupo de mim para estar desocupado de mim (que não é só nas festas, mas também quando não consigo estar a estudar e me ponho a imaginar coisas)? Como descrever a saída do emprego para o desemprego? E o que é que acontece no regresso a vinculação connosco em que deixamos de estar na festa? O que é que acontece na desvinculação da festa e no regresso a nós próprios?
A passagem de um ao outro não é instantânea, nós vamos entrando em casa, vamos despindo a festa. O que é que sucede nos intervalos do próprio, na vivência do tempo em que estamos desocupados de nós? Quando estamos a trabalhar ou fazer uma coisa que se gosta (ex, desporto) pode levar também a um estado de transe em que parece que não estamos lá, pode admitir uma extroversão, que não implica uma desconcentração, mas pelo contrário implica uma concentração máxima que me permite ser instrumento do sentido que tem a minha vida.
Mas podemos também falar de um trabalho que detestamos. Em causa estão os vários níveis de vinculação a si. Uma pessoas que odeia o trabalho que faz tem uma dificuldade incrível em entrar naquilo que está a fazer. Quando estamos a executarmo-nos estamos já a pegar na vida -- há uma fluidez e o trabalho segue o seu curso, vamos realizando tarefas de acordo com um sentido temporal que organiza a nossa existência e nos permite ir nas horas. Quando chegamos ao fim do dia e deixamos o trabalho,  o que acontece? O que acontece é o "ficámo-nos por aqui" e vamos agora fazer outra coisa. Terminou a situação em nos estávamos a executar, ouve uma interferência na execução de trabalho e eu deixo de ser o estudante e passei a ser o Tomaz, passei a estar entregue ao que sou fora do meu emprego no trabalho.
Mas nós estamos sempre a entrar e a sair das coisas. O foco da análise do tédio de segunda ordem é que ns.﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽ continuamente nos abandornar sob pena de nos fartamos de nassei a estar entregue o que sou fora da eaniza a nossa exiós temos de continuamente nos abandonar sob pena de nos fartarmos de nós. O sentido fundamental é o do "keep busy", que significa fazer alguma coisa, gostando ou não -- o que fazemos tem por sentido preenchermo-nos. A descrição de Dostoievski dos presos, que ficam até ao fim da vida a partir pedra, transformando o que é um meio num fim, tornando-se uma tortura de ocupação. Esta é a base da pergunta para o sentido de ocupação em Heidegger. Nós só temos liberdade para a pergunta quando surge esta pergunta pela  repetição de procedimentos sem nunca encontrar resultado. O trabalho corresponde a uma ocupação que nos entrega a nós próprios, mas pode ser apenas uma ocupação que me afasta de um outro eu ainda mais profundo que é uma maçada e com o qual não consigo conviver e do qual tenho de me distrair  -- pode haver uma entrega ao próprio tal que não consigo fazer nada no mundo, porque se estou comigo não me consigo afastar de mim nem manter-me comigo, e isso é insuportável. Assim, ocupo-me com o trabalho, para não ter que lidar comigo... Nesse caso acontece o mesmo que acontece nas festas mas a um nível mais fundo. A pergunta é: e se o trabalho é, na verdade, a festa ou o passeio dos tristes de domingo à tarde --  trabalho como ocupação dos tempos livres. Aquilo que aparentemente é o exercício máximo de mim pode efectivamente ser a exoneração máxima de mim. E nesse caso o exoneramento da profissão não é necessariamente uma exoneração de mim. Eu não sei quem é o próprio relativamente ao qual eu estou a fugir com o trabalho, e nesse sentido o trabalho pode ser uma prótese, que servem de máscaras. E é assim que temos algo dos outros -- o que nós temos dos outros são apresentações. O trabalho é um preenchimento peculiar, que pode ser fundamental na vida, mas que não esgota aquilo que sou. O próprio tem que ver não com o trabalho, mas com a forma como trabalhar: a maneira como trabalho, com a maneira como me relaciono comigo na totalidade da minha vida (24h x 7dias). O próprio seria alguém que não ocuparia tempo, mas que faria tempo, ou seja, corresponde a uma forma peculiar de se relacionar com o tempo, ou até de manipular o tempo. Em causa estão níveis de autenticidade. Ser tão o próprio que mesmo mudando tudo o que faço seria exactamente o mesmo. (isto foi pensado pelos estoicos)
A pergunta pelo sentido do ser (der Frage nach dem Sinn von Sein)tem justamente a ver com isto -- com o sentido de mim: será que estou, faça eu o que quer que fizer, no campo de prisioneiros de Dostoievki? Há um próprio de mim em causa que não é o nível extremo na da pergunta pela autenticidade , no tédio de segunda ordem. Há uma pergunta ainda mais radical que  a análise de segunda ordem deixa escapar.
( A execução de mim e a execução de mim em relação aos outros no comando "ama o próximo como a ti próprio" abre para uma dimensão completamente diferente deste estudo. A análise que está aqui a ser desenvolvida prende-se com uma possibilidade de execução de mim, com a ocupação de um cargo (dignitas), mas que pode não ser a única. Ele está a analisar forma elementares do reconhecimento de si. O nível que Heidegger está a descrever é aquele em que me reconheço naquilo que eu faço. Mas quando o tédio e a angústia me batem eles estão-se nas tintas para isso.)
Nas vivências disposicionais eu consigo identificar um "não sei quê" que é agente do tédio. No serão é a festa. O "não sei quê" é a perda de tempo -- na festa há uma relação com a perda de tempo, que só descobrimos depois de ter ido a essa festa. O que está em casa é a relação com o tempo e com o tempo que falta, com o emprego que faço do meu tempo. O que está em causa é o excerto do tempo que me impede de voltar ao trabalho. Mas a tem também de se perguntar: o que é a vida de alguém reduzida ao trabalho?

 Pág 174.
O tempo pressiona. O tempo é o aflitivo, passa de forma hesitante. É justamente isto que passa a ser tido como esvaziamento. É o tempo que não passa e que é denso, tão denso como uma parede de aço. No tédio o tempo mostra-se como ele é -- uma chatice. Nesse caso a vida é uma chatice, uma maçada. E nós percebemos isso no tédio, e fugimos disso pelo trabalho, porque não conseguimos viver a vida.

3ª forma de tédio.
Parágrafo 29 e seguintes das lições.(pág. 294)
"é domingo numa grande cidade, é um tédio" -- "Es ist Sontag in einen großen Statt, es ist einem Langweilig" O domingo à tarde em que tudo é um tédio. A circunstância é aquela em que não conseguimos encontrar nada para fazer passar o tempo. Todas as tarefas que encontramos têm o estatuto das ocupações de quem perdeu o comboio na primeira forma de tédio. O flanneur passeia pela cidade porque não vai fazer nada. Este tédio é expulsão absolutamente radical de mim do tempo. É isto que está em causa no tédio de 3ª ordem. E não temos nenhuma forma de combate a esta exposição ao tédio -- nunca chegamos a ser aquilo que éramos para ter sido.

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