12ª Aula Temas Filosofia
Antiga
A partir de agora, o foco do
curso irá recair sobre uma batida por alguns dos caracteres que aparecem nos Annales.
Agripina a nova, irmã de Calígula, filha de
Germânico, mãe de Nero.
Tentativa de isolamento das
pinceladas com que tácito isola as personagens.
Introdu ção à noção de Carácter e recursos
linguísticos que Tácito utiliza para os descrever. Quais as circunstâncias
em que as pessoas aparecem.
Tácito é o primeiro a trazer
à ribalta da história as personagens -- não se foca nos povos, mas nas pessoas.
Instanciação do povo ou da etnia por foco em determinadas personagens. Há uma
avaliação da pessoa dentro do contexto história e das circunstâncias em que
elas são chamadas a intervir. Há um interesse fundamental nos caracteres --
formas de pessoas ou formas de
personalidade. Isto acontece tanto em Tácito como em Suetónio, por exemplo. Mas
em Tito Lívio ( o 1ª grande historiador), verificamos que as personalidade
descritas por ele estão hipertrofiadas ao nível do heróico. As personalidade que aparecem, mesmo quando
históricas, aparecem com uma dignidade épica. Já em Tácito há um zoom feito às
pessoas em que o interesse fundamental na acção histórica são as pessoas
concretas nas vivências que elas têm da própria personalidade (pessoas que têm
de lidar com elas próprias), mas também pessoas que têm de lidar com as
circunstâncias policias, históricas, sociais, etc.. Há um esforço e tentativa
de colocar o foco no individuo, o núcleo duro da relação histórica fosse o
individuo em relação com os outros, com as circunstâncias, e na forma como lida
com os seus pensamentos. De tal fora que eles são sempre descrito em situações
extremas, para perceber como lidam com essas situações, e depois o modo como
lidam com a sua própria reação a essas situações.
No inicio dos anais
percebemos que o foco não está na urbs,
mas no tempo. O esforço é de analisar as personagens na sua relação com o
tempo. Isso é muito claro em Tibério e na descrição que se faz das fases da
sua vida. A descrição do anos é uma personificação do tempo... A forma da
passagem dos tempos é a dos anos bons ou maus, do tempo de guerra ou de paz. São
esses operadores que permitem uma análise da transparência do carácter das
pessoas humanas. Há uma tensão entre a πόλις e a "πόλις individual"
de cada um (ψύχη). O protagonista fundamental da história é o tempo. E
estuda-se as pessoas na sua relação com o tempo, ou na sua relação consigo
configurada pelo tempo. O que se está a descrever é um vulto complexo como se fosse o próprio tempo
a ter uma personalidade. Tenta-se dar rosto a um acontecimento que é o do tempo.
O tempo não é o formal da física nem o transcendental da filosofia, mas uma
época do tempo em que o seu rosto (perfilado pelos imperadores descritos)
configura tudo o que se passa. Ex. a expressão "Tempos difíceis".
É a ideia de carácter que
serve de operador, mesmo que distante, à caracterização do tempo. Há uma
espécie de datação dos anos através do que ficou lavrado em acta no senado. As
caracterizações dos anos pelo apelo ao que nesse tempo acontece. O que acontece
num ano é aquilo que passamos em revista nas vésperas do ano novo. O ponto fundamental é que o humano requer
marcos na determinação do que acontece (semestres, semanas, anos, ano
religioso, ano letivo). Annales quer
dizer o que ficou dito. Organização do tempo em círculos, feita por revisitação
dos momentos importantes que foram decisivos num determinado ano. Nós
produzimos um balanço que toma por marcos os acontecimentos importantes. Nós
conseguimos perceber que não temos de impor graus de importância ao que
aconteceu, mas que isso surge-nos já com graus de importância -- a datação é
feita pela carácter de impressionabilidade do que aconteceu: aquilo que me
marcou, que "mudou a minha vida". O facto de haver determinados
acontecimentos que cunham o nosso carácter. Carácter vem do grego e corresponde
a uma impressão feita a ferro (como a do gado). Essa é uma das metáforas
antigas entre uma perspectiva que pode ser a da cera que não foi moldada, a dos
selos que moldaram características nessa cera, das outras coisas que passaram
ao lado, ou ainda das que marcaram ao de leve.
A ideia principal é a de
"formar carácter". Alguém sem carácter é definido como alguém
que é tão maleável e moldável às circunstância que se dilui no meio e por isso
não se perfila, não se apresenta -- tem uma personalidade maleável, de cera. O
outro ponto tem que ver com a natureza da atribuição de graus de importância
aos acontecimentos que nos marcaram, que nos cunharam. Há acontecimentos que
impõem a sua presença a nós -- tocam, acontecem-nos e marcam-nos. As coisas que
nos atingiram, que mudaram as nossas vidas, que nos impressionaram. São
situações traumáticas. As situações da
nossa vida são determinadas pelo trauma (que em grego quer dizer
ferida). Nós estamos presos de situações de tal modo que temos de lidar com
stress pós-traumático. Nós conseguimos perceber que outro passou por uma
situação traumática sem ter de perceber o que essa pessoa está passar. Mas isso
é possível porque nós sabemos como é connosco quando somos sujeitos a traumas.
O ponto fundamental é a ideia, pela primeira vez, da redação de uma biografia.
Não é que nunca tenha havido uma biografia, mas o facto de ela ser um conceito
que começa a ser operatório. Uma biografia tenta mostrar aquilo que é
relevante e marcou a vida de acordo com aquilo que achamos importante na vida.
Os acontecimentos descritos nos Anais
são os que vincaram datações na vida de alguém. A vida é feita por marcos e por
datas. Aquelas situações que fizeram de nós quem somos. São circunstâncias que
vincaram e constituíram uma interpelação da vida. A vida interpela-nos não só
nestas circunstâncias, mas nesta parece que nos bate e nos marca.
O outro ponto tem que ver com
a natureza da articulação de esses acontecimentos com outros. Apesar de elas
parecem poderem ser isoladas, no fundo elas contaminam todas as regiões da vida.
Somos tomados por um exército que nos deixa fora do controlo da situação.
Ex. Quando se tem um problema com um amigo e não se consegue estudar. Ou, quando
não se consegue estudar, também não se consegue isolar isso da forma como se
fala com a mãe. Nós somos tomados por isso. Mas nós podemos conviver com essas
crises e podemo-nos habituar a essas situações e "viver com elas".
Mas vamos tendo réplicas -- o trauma deixou-nos à mercê de recidivas. Posso
estar em circunstâncias idênticas à da situação traumática e estou já a rever o
que se passou. De tal forma que à segunda eu posso estar já a ver o que vai
dar. Há uma espécie de técnica a ser constituída, e isso dá-se já na forma da
apresentação -- a situação volta a estar presente. Não é uma obsessão, é a forma
afectiva de uma acontecimento passado que se solta do passado e volta a estar
presente -- o carácter emocional desse trauma volta a estar presente. Aquilo
que vivi há X anos volta a estar presente. Mas a segunda onda é infinitamente
menos violenta do que a primeira. E contudo não nos apercebemos disso. Temos a
sensação de que na verdade isto ainda é aquela primeira vez e que na verdade
não passou: "aquilo não estava resolvido". Mas achávamos que estava,
porque nunca mais nos lembrámos. O que acontece na recaída é a sensação que
aquilo não passou e volta com o mesmo rigor, mas não é verdade. Não vem com o
mesmo rigor porque percebemos que um dia vai acabar. Podemos antecipar que um
dia vai acabar, e outrora (na primeira vez) nunca sabíamos se algum dia ia
passar. O fundamental é que o que sucedeu de uma forma violenta é
inultrapassável: nunca mais sai da nossa vida e está tão presente no passado
como no presente como na hora da nossa morte. A enorme dificuldade é que
isto pode estar bem morto e enterrado e queremos que continue assim. Como é
que podemos saber quais são se já nem nos lembramos delas?
Uma hipótese interpretativa é
nós sermos a causa de efeitos de que já não nos recordamos -- somos apenas
efeitos, pontas de iceberg de estruturas fundamentais da nossa vida que estão
completamente submergidas. Como escavar e encontrar essas coisas? E como
descobrir esses momentos traumáticos se eles estão esquecidos? Pode até
acontecer que algo que aconteceu há vinte anos e eu nem dei por isso na altura
me ter marcado de forma indelével. O homem dos lobos de Freud só vinte e tal
anos depois anos da morte da mãe é que, ao visitar a campa, chora e faz o seu
luto.
Em causa está a compreensão
de que os acontecimentos da nossa vida têm que ver com o carácter passivo da
sua forma de acontecimento, mas não passivo no que toca à forma da tentativa de
compreensão do que aconteceu e lidar com isso. A vida estar constituída
numa perspectiva hermenêutica. E isso abre para a terapêutica. Até a
filosofia pode ser vista como terapêutica ou como homeopatia. E essa é a
análise da temporalidade da minha vida que permite curá-la.
O que se percebe por esta
análise que a nossa tomada de posição activa é uma reacção à forma de
sofrimento de traumas que é passiva. De tal maneira que a história é sempre a
história da minha vida -- história pessoal é um pleonasmo. A história é sempre
a minha história. Só o humano é temporal e histórico neste sentido.
O que tácito tenta é apanhar
esses traços que configuraram o império durante a vida daqueles imperadores --
o acontecimentos de transformação maciça. A identificação do quadro vital
marcado por estas circunstâncias.
O segundo ponto tem que ver
com a forma como lidamos com essas circunstâncias -- marcadas pela pergunta:
"porque é que isto me foi acontecer?"A tentativa de perceber como é
possível lidar com essas situações, põe-nos em tensão com a única forma de
saber que interessa -- como é que lido comigo nessas circunstâncias. O que
importa nos livros e nos filmes é isso. Nos filmes e nos livros há a exposição
das pessoas a situações radicais e o que nos interessa é pensar como é que
lidaria comigo nessa situação extrema, como é que eu seria naquele caso. É isso
que constitui polo de interesse. Tudo o que não é assim, por muito
perfeitamente executado que seja, gasta o seu interesse ao fim de algum tempo.
O que leio na biografia é a possibilidade de lidar com aquela situação que
aquela pessoa executou.
Neste sentido, Tácito
apresenta personagens que são coloridas e têm uma vida própria, mas principalmente,
que representam possibilidades de nós sermos -- ele descreve factos e situações
que nos podem acontecer ou que já nos aconteceram.
Outro ponto tem a ver com o ἔθος, aquilo que diz
respeito ao ἔθος, aquilo a que chamamos ética. Não corresponde apenas à exposição
passiva aos golpes do destino e a nossa forma da relação com isso, mas a nossa
relação material com isso e descrições tipo de formas de nos relacionarmos com
isso. Existe uma representação dos caracteres tipo, personagens tipo (leão é corajoso,
serpente e venenosa, raposa é astuta, etc). Procura-se uma caracterização
formal que Platão e Aristóteles fizeram.
LSJ de ethos --
as moradas dos animais. A primeira
determinação concreta de carácter é a do sítio onde o animal vive. Trata-se de qualquer
coisa que e construído para um animal habitar. O sítio onde estão protegidos, o
sítio onde recolhem à noite. A ideia de casa, de sítio que se habita. Aparece
como o sítio onde os porcos dormem, as cavernas dos leões, e em Hesíodo surge
como a casa dos humano. Tem a ver com a Οικἰα. Domesticação do sítio, que passa a ser o sítio
onde temos confiança para estar. Passa a estar em causa a possibilidade de os
animais terem consigo a possibilidade de construir as suas próprias
"casas", os seus nichos. A ideia alemã de "o munda à
volta", o mundo como o meio onde eu estou, em que eu me movo (Umwelt) (ambiente literários, ambientes
noturnos, etc). Os animais capazes de criar zonas de habitação. Corresponde à
domesticação e à criação, no mundo, de zonas de habitação. E o Homem não escapa
a isto. Nós fazemos a mesma coisa que os animais, com técnicas diferentes. O
que está a fazer a casa é o que nos faz "sentir em casa", o que torna
seguro, confortável e que dá confiança. No sentido estilizado do termo, o ἔθος é o sítio onde eu posso ser. Tem que ver com a experiência que nós
temos com outras pessoas como "peixes dentro de água" ou com outras
pessoas "como peixes fora de água", ou cidades em que nos sentimos
deslocados e cidades onde podíamos viver. O fundamental a perceber é
que é isto que está a ser agredido quando nos acontecem as situações
traumatizantes. O horizonte em que vivemos é ético
neste sentido -- o horizonte em que somo afectados pelo inóspito é o ético.
A outra descrição do ἔθος é aquilo que nos
reconduz aos próprios e ajuda a passar, ou que nos afasta de nós.
É também este ἔθος que nos faz combater e resistir ao πάθος, àquilo que vem de fora.
Aquilo que resiste, a
partir de dentro reage ao que vem de fora para bater. É
nesta reacção ao πάθος que se faz o delineamento do carácter.
Em Aristóteles corresponde
aos papéis que se assumem numa peça.
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