Excurso Analíticos Posteriores, 93a14 e sgs: “ὥσπερ
γὰρ τὸ διότι ζητοῦμεν ἔχοντες τὸ ὅτι, ἐνίοτε δὲ καὶ ἅμα δῆλα
γίνεται, ἀλλ’ οὔτι πρότερόν γε τὸ διότι δυνατὸν γνωρίσαι τοῦ
ὅτι, δῆλον ὅτι ὁμοίως καὶ τὸ τί ἦν εἶναι οὐκ ἄνευ τοῦ ὅτι ἔστιν· ἀδύνατον
γὰρ εἰδέναι τί ἐστιν, ἀγνοοῦντας εἰ ἔστιν. τὸ δ’ εἰ ἔστιν ὁτὲ μὲν
κατὰ συμβεβηκὸς ἔχομεν, ὁτὲ δ’ ἔχοντές τι αὐτοῦ τοῦ πράγματος.” (Tal como procuramos o porquê
de qualquer coisa, quando sabemos que ela existe, ou seja, sabemos do facto
dela— ainda que não saibamos o que é na sua essência ou por causa do quê é que essencialmente
é o que é— por vezes acontece também que ambas as estruturas se tornam evidentes
em simultâneo, ἅμα δῆλα γίνεται. Mas não se pode conhecer o porquê
e desconhecer-se se existe. É
evidente que de modo semelhante também o ser
que algo é não existe sem ser algo de
facto. Acontece por vezes que conhecemos qualquer coisa de forma meramente
incidental dadas as circunstâncias em que primeiramente tomamos conhecimento
dela, outras vezes, porém, sabemos, ἔχοντες, algo de essencial da própria coisa
ou do que a coisa é na sua identidade, τι αὐτοῦ τοῦ πράγματος.)”
De forma mais complexa é a
interpretação do que é um homem. Sabemos que há homens, e que os seres humanos
são uma espécie de seres vivos. Enquanto tais, isto é, enquanto seres vivos, os
humanos são algo que é vivo, animado, e não se distingue de nenhum dos outros
animais, de outros géneros: sabemos que o humano é algo vivente, ἄνθρωπος, ὅτι ζῷόν τι. Ou
quando dizemos que a ψυχή, a lucidez, a existência, ou a alma humana, a vida
humana, é um acontecimento que se desdobra a partir de si em si: Move-se a si
própria: a si a partir de si ou a si por si. A lucidez não é um estigma, sem
extensão. É um acontecimento multifacetado que se vê a ser movido, alterado,
transformado e mudado por si mesmo: move-se, altera-se, transforma-se e muda o
seu próprio acontecimento. Muda-se.
O que quer que isolemos como o que age
e o que é agido, o que muda e o que é mudado:— é pensado neste desdobramento da
lucidez constituída por si própria neste acontecimento: passivo, activo, médio:
reflexivo, no interesse de si, vantagem e desvantagem, pergunta e resposta,
transcurso temporal.
Sabemos da ψυχή que é algo que se muda
a si em si próprio: ὅτι αὐτὸ αὑτὸ κινοῦν.
O que é o trovão, então? O que é o
eclipse lunar, então?
O exemplo tem Aristóteles é
elucidativo: Sabemos que há trovões. O contacto estabelecido desde sempre entre
nós e trovões identifica a circunstância acidental mas estável em que ribombam.
Um trovão é um certo estrondo nas nuvens. Ou seja, identificamos a forma da
manifestação acústica e a localização do barulho nas (e proveniente) das
nuvens. A respeito da βροντή sabemos que é um certo estrondo nas nuvens: ὅτι
ψόφος τις νεφῶν. A determinação “estrondo” e os complementos circunstanciais de lugar onde e de lugar de onde não são suficientes, contudo, para se apurar a
razão de ser, αἰτία, desse facto.
O que é que lhe está na base? Qual é a
causa desse barulho? A causa eficiente está a ser interrogada. O que está na base
de produção do barulho nas nuvens? Como é que o trovão vem a ter cabimento? Em
tempestades até quando secas, escutamos um barulho provindo das nuvens. Isso é
um facto. Mas o que é que o produz?
Podemos também dizer o que é um eclipse da lua. É a privação da luz da
lua. Como tal pode ser pensado como um apagamento maciço e gradual da sua
luminosidade. Um apagamento que tem lugar na lua. Mas o que provoca? É algo
nela ou fora dela? Será algo que acontece entre uma fonte de luz: o sol, e a
lua, onde se projecta a sombra do objecto que tapa a lua?
A privação da luz é um facto.
Verifica-se um obscurecimento evidente. Resultante de uma causa indefinida, verifica-se
o desaparecimento da lua ou o seu obscurecimento. A lua eclipsa-se, desaparece,
mas apenas sabemos que é uma certa privação de luz: ὅτι στέρησίς τις φωτός.
Em primeiro lugar, liga-se o eclipse a
um determinado acontecimento, ἔκλειψις ἐφ’ οὗ τὸ Α. A lua é um ente susceptível
de se eclipsar, σελήνη ἐφ’ οὗ Γ. Dá-se a hipótese de a terra se interpor entre
a lua e o sol, ἀντίφραξις γῆς ἐφ’ οὗ Β.
A questão prende-se justamente com a
formulação de B. Para se saber o porquê do eclipse da lua tem de se saber se
acontece a hipótese da interposição da terra entre a lua e o sol, de tal sorte
que tapa a luz solar que tira o brilho à lua e por sua vez a claridade obtida
por deflexão à terra. τὸ μὲν οὖν πότερον ἐκλείπει ἢ οὔ, τὸ Β ζητεῖν ἔστιν, ἆρ’ ἔστιν
ἢ οὔ. τοῦτο δ’ οὐδὲν διαφέρει ζητεῖν ἢ εἰ ἔστι λόγος αὐτοῦ· καὶ ἐὰν ᾖ τοῦτο, κἀκεῖνό
φαμεν εἶναι. ἢ ποτέρας τῆς ἀντιφάσεώς ἐστιν ὁ λόγος, πότερον τοῦ ἔχειν δύο ὀρθὰς
ἢ τοῦ μὴ ἔχειν.
Quando descobrimos a verdade dessa
hipótese, ὅταν δ’ εὕρωμεν, sabemos em simultâneo, ἅμα, o facto de que acontece,
τὸ ὅτι, e o por quê acontece. καὶ τὸ διότι ἴσμεν. Se não se desse o caso de
sabermos do facto de eclipses, também não saberíamos o porquê, a razão de ser
desse fenómeno, εἰ δὲ μή, τὸ ὅτι, τὸ διότι δ’ οὔ. A hipótese da interposição, ἀντίφραξις, da Terra
entre o Sol e a Lua é o que causa o eclipse lunar. O eclipse não é um fenómeno
em si, explicável apenas por um mega apagão ocorrido na lua. É um fenómeno que
resulta da sincronização de determinados elementos circunstantes. Quando esses
elementos: o Sol, a Lua e a Terra se encontram numa determinada constelação,
dá-se o eclipse da lua.
O mesmo se passa a respeito do trovão.
A hipótese interpretativa é que se trata de um fenómeno provocado pela extinção
de fogo na água ou na humidade nas nuvens. Tal como um ferro em brasa, quando
mergulhado em água fria, emite som, ao extinguir-se, assim também há um
elemento húmido que extingue o relâmpago e cujo efeito é o lado acústico do estrondo
que provoca, ao apagar-se nas nuvens. Τί ἐστι βροντή; πυρὸς ἀπόσβεσις ἐν νέφει.
διὰ τί βροντᾷ; διὰ τὸ ἀποσβέννυσθαι τὸ πῦρ ἐν τῷ νέφει. O que é o trovão? É a
extinção de fogo nas nuvens. Qual é a razão de ser pela qual o trovão acontece?
É em razão de o fogo se extinguir nas nuvens.
Fim do excurso.
Podemos assim voltar ao passo de α da Metafísica: 994a10-20: καὶ ἐπὶ τοῦ
τί ἦν εἶναι δ’ ὡσαύτως. τῶν γὰρ μέσων, ὧν ἐστί τι ἔσχατον καὶ πρότερον, ἀναγκαῖον
εἶναι τὸ πρότερον αἴτιον τῶν μετ’ αὐτό. εἰ γὰρ εἰπεῖν ἡμᾶς δέοι τί τῶν τριῶν αἴτιον,
τὸ πρῶτον ἐροῦμεν· οὐ γὰρ δὴ τό γ’ ἔσχατον, οὐδενὸς γὰρ τὸ τελευταῖον· ἀλλὰ μὴν
οὐδὲ τὸ μέσον, ἑνὸς γάρ (οὐθὲν δὲ διαφέρει ἓν ἢ πλείω εἶναι, οὐδ’ ἄπειρα ἢ
πεπερασμένα). τῶν δ’ ἀπείρων τοῦτον τὸν τρόπον καὶ ὅλως τοῦ ἀπείρου πάντα τὰ
μόρια μέσα ὁμοίως μέχρι τοῦ νῦν· ὥστ’ εἴπερ μηδέν ἐστι πρῶτον, ὅλως αἴτιον οὐδέν
ἐστιν.
Nesta passo, percebemos claramente que
Aristóteles procura apontar ao núcleo definível de um qualquer ente que
corresponda à pergunta fundamental pelo quê que qualquer coisa é. O sentido
nuclear de qualquer coisa exclui o acessório e o acidental. Vai ao essencial.
Podemos descrever qualquer coisa apenas apontando, mesmo que pormenorizadamente,
às qualidades secundárias, à realidade apresentada pela notícia sensorial. E,
no entanto, não dizer o que uma coisa é. O que uma coisa é, é então definida
pela sua αἰτία no sentido em que responde à pergunta pela petição do que é.
Dizer a sua causa é responder à razão de ser dessa demanda. Um ente, um trovão,
o eclipse da lua, a lucidez humana e o ser humano, está continuamente num
processo de requisição do pedido deferido durante algum tempo para ser o que é.
O que confere esse deferimento é a razão de ser que torna cada ente no ente que
é.
O mais das vezes e primariamente
encontramo-nos na situação de ter as coisas respondidas ou feitas corresponder
ao seu quê.
994a10-20: καὶ ἐπὶ τοῦ τί ἦν εἶναι
δ’ ὡσαύτως. τῶν γὰρ μέσων, ὧν ἐστί τι ἔσχατον καὶ πρότερον, ἀναγκαῖον εἶναι τὸ
πρότερον αἴτιον τῶν μετ’ αὐτό.
Ao dizermos o que uma coisa é, dizemos
o que lhe está na base como razão de ser essencial. O que essa coisa primeiramente
é: Se considerarmos diversos estados no processo de desenvolvimento de um X,
por exemplo, um ser humano singular que existe como indivíduo e que não é
plural nem outros seres individuais, dizemos que é uma pessoa. Pode ser homem
ou mulher, jovem ou de idade, desta ou daqueloutra etnia, com todas as
características identificadas por um documento de identificação. Mas nenhuma
delas diz o que é uma pessoa, o que faz, como se comporta, classe, estado, quem
é quem.
Aristóteles aponta para o encadeamento
de diversas fases do processo de desenvolvimento de uma coisa que é, de um
determinado ente, e diz que as do meio pressupõem sempre um estado anterior e
um estado ulterior. Mas a causa primeira não é um momento primeiro no
encadeamento das fases de desenvolvimento do que quer que seja, do mesmo modo
que o derradeiro estado de desenvolvimento de alguém ou de algo pressupõe um
estado de inexistência desse alguém. O último momento de existência pressupõe o
primeiro momento do não ser já de algo ou de alguém, pensado como corrupção ou
desintegração do seu ser.
O que primeiramente é causa
corresponde à definição formal do aspecto essencial com que qualquer coisa nos
surge na sua essência. Assim, ser homem, não é nem apenas esperma e óvulo, não
é ovulação, concepção, desenvolvimento do feto, nascimento do recém nascido,
criança, adolescente, adulto, etc., etc.. é o que de algum modo é visado nisso
tudo como operador que permite antecipar essas fases de desenvolvimento.
Do mesmo modo que ser mesa, ser
cadeira, não é ter um aspecto físico determinado, mas é o que esses entes
oferecem, o modo como podem ser intervencionados, a forma multifacetada como
podem ser utilizados nas mais diversas circunstâncias, o que activamente
oferecem. Tudo isso implica a leitura do núcleo duro da função que oferecem
quando activada por quem os usa. Essa leitura atinge o nervo da essência que
faz ser essa coisa uma coisa que é essencial.
Recapitulação dos
pontos: A razão de ser que é causa fundamental das coisas, nos seus quatro
desdobramento possíveis, é principial, isto é, a causa dos entes, das coisas
que são, não pode ser desprovida de limite, nem na série específica constituída
pela relação entre condição e condicionado ou condição primária e condição
secundária, ou causa e efeito, ou fundamento e fundamentado. Mas também é
evidente que não pode ser desprovida de limites quanto à forma.
Nem na série que
articula a relação entre os componentes materiais de algo é possível progredir
indefinidamente até ao infinito sem se chegar a elementos. οὔτε γὰρ ὡς ἐξ ὕλης τόδ’ ἐκ τοῦδε δυνατὸν ἰέναι εἰς ἄπειρον,
O mesmo se passa
a respeito da origem de onde vem o princípio da mudança: οὔτε ὅθεν ἡ ἀρχὴ τῆς κινήσεως (οἷον τοῦτον μὲν ἄνθρωπον ὑπὸ τοῦτου κινηθῆναι,
Assim também a
respeito da série que envolve meios e fins: ὁμοίως δὲ οὐδὲ τὸ οὗ ἕνεκα εἰς ἄπειρον οἷόν τε ἰέναι καὶ οὕτως ἀεὶ ἄλλο ἄλλου ἕνεκεν εἶναι·
Bem como o
princípio de explicação tem de apontar ao fundamento que responde à pergunta a
respeito do que cada coisa é na sua essência: καὶ ἐπὶ τοῦ τί ἦν εἶναι δ’ ὡσαύτως. ἀναγκαῖον εἶναι τὸ πρότερον αἴτιον τῶν μετ’ αὐτό
A essência de uma
ente é o seu ser, isto é, o que faz do A ser um homem, de B ser uma mesa, de X
ser uma alma, de Y ser um eclipse ou de Z ser um trovão. Quer dizer: o sentido
definitório de uma substância subsiste ao longo do tempo sem si mesma a ser o
que é integra em si com propriedade as mais diversas características nucleares
e satélites de um determinado ente. O homem não é o corpo nem o que vemos dele,
homem, mulher, jovem ou velho, grego ou bárbaro, mas o que justamente integra
essas propriedades: uma lucidez que lhe dá vida, o faz ser e compreender que se
move e é movido pelo mover-se na mudança ao modo como muda. O que faz de B ser
uma mesa não é o ser rectangular, nem de madeira, nem castanho, num tampo nem
um suporte. Ser uma mesa manifesta-se pela prestação de uma utilidade
específica que permite uma intervenção nela de um determinado modo. As mais
diversas utilidades que a mesa tem implicam modos específicos de aproximação a
ela com intervenções de natureza diferente e usos diversos: para comer, para
escrever, para jogar, para… O ser da alma não consiste num ponto indivisível,
inextenso e imaterial que acompanha o corpo ou está algures no corpo, mas é o
próprio princípio da mudança, uma forma de acontecimento que é compreendido
como o mudar da mudança do que é mudado, do mudar-se: a si reflexivo, para si,
interesse, por si, causal. Na mudança há sempre uma motivação e uma causa, um
resultado ou efeito, uma interrupção, aborto. A lucidez tem esta forma
esquizofrénica de oferecer a partir do seu próprio ser o seu próprio campo de
intervenção que faz dela precisamente quem é. Ser um trovão não é ser um ruído
nas nuvens. E ninguém ou nada apagou a luz da lua ou do sol para que haja
eclipses.
Mas vimos também
que não há uma multiplicidade indefinida no tipo de causas: οὔτε κατ’ εἶδος, δῆλον. Isto é, nem a relação de nexo causal é
de natureza coisal nem há mais tipos de causa a serem apurados para além do
material, eficiente, final e formal. O que é visado por esta definição do
horizonte etiológico são os próprios elementos que constituem a bateria causal
no seu ser e no modo seu modo de ser. A causa estrutura as coisas que são,
conhecer as causas é conhecer as coisas. A causa tem de ter princípios, isto é,
não pode progredir indefinidamente sem se fixar no sentido essencial de cada
coisa e do efeito peculiar que cada causa produz em cada coisa.
Compreender uma
coisa é compreender os diversos requisitos ontológicos que tem de preencher para
ser a coisa específica que é. Sem preencher esses requisitos ou sem sabermos
quais são esses requisitos, uma coisa é “apátrida”, “não tem origem”, “não tem
sítio”, “não tem cabimento”, é uma “não coisa” numa sentido em que é uma coisa
não compreendida, sem género nem espécie, sendo um indivíduo de uma espécie
indefinida e de um género indeterminado: uma incógnita. O que uma causa é
implica-a num ser uma causa e na relação constitutiva com o efeito que provoca
e com o resultado específico que produz. Não produzindo nenhum efeito não é
causa, não tendo nenhum resultado não opera.
A argumentação de
Aristóteles visa agora a explicação das diversas expressões que têm em vista o
passar a ser de qualquer coisa. É forma complexa como se pensa o passar a ser
de uma substância e o seu deixar de ser, a sua geração e corrupção que aqui
está em causa. Por um lado, a condição sem a qual uma coisa não é uma coisa. O
material de que uma coisa é feita é, ainda que não suficiente, para dizer o que
é, necessário para ser algum ente que existe. Mas uma substância ou um ente que
passa a ser não existia num dado momento. Do mesmo modo que uma alteração mesmo
que acidental e meramente incidental de uma coisa faz dela diferente ainda que
não outra. Assim também, uma coisa que deixa de ser, ou uma alteração de uma
qualidade numa substância que deixa de ocorrer ou de se verificar permite
perceber o estado definitivo de não ser em que passou a estar ou a natureza
incólume relativamente a uma mudança que não ocorre.
Mas não há apenas
uma relação implícita entre o ser de uma coisa como o seu fundamento e o
conhecimento do fundamento. Conhecer a causa é conhecer a coisa. Não conhecer a
coisa não é fazê-la desaparecer é relacionar-se com a sua impermeabilidade, com
a impossibilidade de a contornarmos e de termos que lidar com um bloco ou um
buraco negro de opacidade. Quando não sabemos o que uma coisa é, o que está aí
perante subsiste na (e resiste à) sua indeterminação. A característica de
indeterminação é interpretada como interpretável. Convida ou obriga, por assim
dizer, a lidar ou a ter que se ver com essa coisa. Melhor a termos que ver com
a sua razão de ser.
Há também, em
segundo lugar, uma relação implícita entre causa e o coisa que é pensada como
geração ou uma das suas formas: uma produção, um nascimento, um facto, um
feito, uma forma qualificada de passar a ser, de passagem de um não ser nada
para um ser algo, a transformação de uma qualidade inexistente numa coisa numa
qualidade específica de uma coisa que resulta de uma transformação que tem
lugar nela. O processo de geração, as fases de geração, gestação, fabricação,
nascimento, florescimento, realização, etc., etc., dos mais diversos entes dos
mais diversos géneros nas mais diversas espécies de ser que são não pode ser indefinido.
É o que parece
estar a ser indiciado pela nota feita relativamente ao nexo entre uma causa e
efeito ou entre momentos que causais anteriores à produção de um dado efeito
que pode ser uma única coisa ou um estado numa coisa. Se o princípio de uma
coisa está num espaço horizontal de sentido superior de que depende um estado
inferior ou num estado anterior que tem a depender de si um estado ulterior, a
relação entre superior e inferior ou anterior e ulterior, antecedente e
consequente, não pode alongar-se ao infinito e indefinidamente sob pena de
qualquer coisa não chegar a ser ou abortar. ἀλλὰ μὴν οὐδ’ ἐπὶ τὸ κάτω οἷόν τε εἰς ἄπειρον ἰέναι, τοῦ ἄνω ἔχοντος ἀρχήν.
O decisivo está
em procurar compreender o sentido específico da geração, do gerar-se, isto é do
passar a ser de qualquer coisa que não era ou do produzir-se alterações numa
coisa que a deixam diferente ou uma alteração tal que acaba com uma coisa. A γένεσις, o γίνεσθαι, é pensado como um processo em que o X
que não era e passa a ser, o passar a ser de X, é pensado como o próprio X. O X
que se gera é um nomen agentis, isto é, obtém a sua designação a partir da
natureza da acção específica que é enunciada pelo infinitivo que descreve essa
acção. Ou seja, ser condutor é um nomen agentis da condução, isto é, do
conduzir. A condução não existe sem o acto de conduzir, sem o condutor conduzir
o condutível ou susceptível de ser conduzido. O conduzir é reduzido, por outro
lado, à condução executada pelo condutor. É um sentido que implica tempo,
intervenção, deslocação de um sítio para o outro em que um condutor, o agente
de condução, conduz algo susceptível de ser conduzido ou deslocado e guiado
numa determinada direcção. A acção de conduzir não existe como tal no mundo. O
seu ser é a relação complexa de um processo que decorre no tempo e que
ultrapassa os referentes. O seu sentido excede condutor, viatura, direcção de
um sítio para outro, intervenção do condutor transformando o veículo em meio ou
instrumento.
Há uma relação
entre causa e ente pensada como uma relação de causa e efeito ou produtor e
produzido, fabricante e fabricado, trabalhador e trabalho, agente e agido,
geração e gerado, fazer ser e ter vindo a ( e estar) a ser. Por outro lado,
parece que compreendemos estruturalmente esta relação através da compreensão
preposicional que articula um momento com o outro. Por exemplo, se dizemos que
a água resulta do fogo, que, por sua vez, a terra resulta da água e que assim
há sempre continuamente um certo género de coisas de que resulta um outro
género de coisas, o que estamos a identificar é a transformação de X em não X,
de fogo em não fogo, de água em não água, ou positivamente de fogo em água, de
água em terra, etc.. A compreensão aponta à lógica da relação entre X e não X
ou entre A e B: isto resulta ou provém disto, ou mais compactamente: isto
disto: de, ἐκ+genitivo: origem e proveniência.
Neste caso parece
apontar-se à transformação dos elementos uns nos outros a partir da origem que
uns têm nos outros: ὥστ’ ἐκ πυρὸς μὲν ὕδωρ, ἐκ δὲ τούτου γῆν, καὶ οὕτως ἀεὶ ἄλλο τι γίγνεσθαι γένος.
Mas há dois medos
de pensar geração de um ente com origem num outro: διχῶς γὰρ γίγνεται τόδε ἐκ τοῦδε— Um parece ser extrínseco e resultar
apenas de uma verificação da relação entre os momentos em que respectivamente
ocorrem. O sentido é não de origem e proveniência mas temporal. Um acontecimento
tem lugar depois de outro. Por exemplo, os jogos olímpicos são depois dos jogos
Ístmicos. (μὴ ὡς τόδε λέγεται μετὰ τόδε, οἷον ἐξ Ἰσθμίων Ὀλύμπια) Em ático também se pode referir a organização temporal da mesma forma
que se diz que se enuncia a relação de origem a originado. Assim, poder-se-ia
pensar que os Jogos Ístmicos estão na base dos jogos Olímpicos ou que os
Ístmicos fizeram nascer os Olímpicos. Mas na verdade a relação entre I e O
enunciada pelo ἐκ também com genitivo não aponta à origem
de onde mas ao tempo depois. Um tempo vem depois do outro e assim também uns
jogos vêm depois dos outros, mas a relação é meramente de anterioridade ou
ulterioridade temporais não de geração. Não há nada nos jogos Ístmicos que
esteja na origem dos Olímpicos: jogos diferentes, sítios diferentes.
Formalmente a γένεσις implica uma relação de anterioridade e ulterioridade temporais entre um
acontecimento antes de X e um outro depois de X, antes de X ter nascido e
depois de X ter nascido. Ou a forma peculiar como a corrupção é pensada como
uma forma de geração. O deixar de ser é um passar a ser do não ser que era. Mas
a relação genética entre isto disto, embora pensada abstractamente como uma
vinda depois da outra, é intrínseca e constituída de forma irreversível e
absolutamente estruturante. Quando se diz que o ar provem da água ou a água é
origem do ar não se está a pensar que primeiro havia uma mancha de água e
depois vapor, do mesmo modo que primeiro havia um pedra de gelo e depois uma
mancha de água ou vice versa que a água congelou. A congelação e a condensação
são processos que põem em relação diferentes estados de uma dada realidade ou
entidade que explicam o que temporalmente acontece no decurso da transformação
de uma coisa na outra: condensação do vapor de ar em torno de um copo gelado de
água é diferente da descrição extrínseca do copo sem gotículas e com gotículas,
apenas dizendo-se que X vem depois de não X. Os fenómenos de evaporação e de
condensação explicam a transformação da água em vapor por acção do calor ou do
vapor e do gelo em estado líquido. A relação da mesma realidade com o meio
produz uma determinada reacção.
Mas o mesmo é
pensado na relação entre as fases de desenvolvimento de um ser vivo, por
exemplo de um ser humano, o homem nasce da que criança que se transforma. Não o
contrário. A relação entre estados diferentes no processo de crescimento de um
determinado ser vivo não são explicáveis apenas pelo facto de até agora em
todos os casos se ter verificado que um adulto primeiro foi criança e que um
velho primeiro foi adulto. Trata-se da relação complexa estruturada a partir da
própria vida que se pensa na concepção e gestação, nascimento e crescimento. ὡς ἐκ παιδὸς ἀνὴρ μεταβάλλοντος ἢ ὡς ἐξ ὕδατος ἀήρ.
O exemplo permite
a formalização: ὡς μὲν οὖν ἐκ παιδὸς ἄνδρα γίγνεσθαί φαμεν, ὡς ἐκ τοῦ γιγνομένου τὸ γεγονός, tal como dizemos que um homem passa a
sê-lo a partir, com origem e proveniência na criança que foi, assim também que
aquilo que foi gerado foi gerado a partir do que se gera. O que passou a ser
resulta de um processo em que não tendo ainda passado a ser está no processo de
passagem, está ainda no em vias de ser, que pode precisamente ser abortado.
Numa outra
acepção: aquilo que chegou a um estado completamente acabado e portanto está
completamente feito, é perfeito ou não lhe falta nada para ser, resulta do
próprio processo que deu início ao seu acabamento. ἢ ἐκ τοῦ ἐπιτελουμένου τὸ τετελεσμένον.
Aristóteles joga
aqui com os diferentes aspectos do particípio presente médio: estar em vias de
ser o que quer dizer que não é ainda, está a formar-se, não está formado, está
a gerar-se, não está gerado, etc., etc.. Depois, por outro lado, com os aspecto
verbal do particípio passado, perfeito ou passivo: o que foi gerado ou está
gerado, foi produzido, acabado. Há uma relação intrínseca entre um momento estrutural
e outro, mas de tal forma que quando X está ainda em vias de ser não se pode
dizer que seja já: está em projecto, é um projecto de ser acabado. A mesa que
está a ser fabricada numa marcenaria está no processo de escolha dos materiais
e na passagem dos materiais por todas as fases no processo de fabricação: medir
as tábuas, serrar a madeira, aplainar, afixar, colar, pregar, etc., etc..
A γένεσις é determinada como um estado intermédio como ser a meio caminho entre o
não ser de todo de nada que intervenha no ser de algo e esse algo já formado: O
passar a ser existe entre o não ser e o ser do mesmo modo que o que está em
vias de ser gerar encontra-se entre o que não é ainda e o que está sendo já o
que é. Τὸ γεγονός é o nome agentis cujo sentido da acção que lhe está na base é
a γένεσις ou o γενέσθαι.
O que implica a compreensão entre o que está em vias de ser mas ainda não é τὸ
γιγνόμενον e o que é já sido:
τὸ γεγονός. (ἀεὶ γάρ ἐστι μεταξύ, ὥσπερ τοῦ εἶναι καὶ μὴ εἶναι γένεσις, οὕτω καὶ τὸ γιγνόμενον τοῦ ὄντος καὶ μὴ ὄντος.)
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