quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Filosofia Antiga, 2ª aula, 22 de Setembro, 2011, FCSH/UNL


Não indefinição qualitativa e em número das causas das coisas
  1. Razão de ser do sentido da causa é principial. As causas das coisas não são indefinidas em número. Pode haver mais do que uma causa para uma só coisa. A inteligibilidade implica causas finitas de carácter limitado ou providas de limite.  
  2. (994a.)   Ἀλλὰ μὴν ὅτι γ’ ἔστιν ἀρχή τις καὶ οὐκ ἄπειρα τὰ αἴτια τῶν ὄντων
A despistagem da tese é feita por duas frentes. Procura interditar-se a progressão numa série infinita, οὔτ’ εἰς εὐθυωρίαν, 994b2 bem como delimitar-se o aspecto fundamental das causas,  de explicação causal, οὔτε κατ’ εἶδος, ibid..  
Οὔτ’ εἰς εὐθυωρίαν
Aqui a progressão até ao infinito é pensada verticalmente em duas linhas uma descendente e outra ascendente.
A linha da causalidade é representada pelo eixo das ordenadas. 
Essa linha contem estruturalmente uma relação entre um X e um Y, entes diferentes envolvidos em nexo causal em momentos diferentes no tempo, um anterior e ou outro ulterior ou então uma relação entre dois momentos diferentes de um mesmo ente, X enquanto criança e X enquanto adulto. 
A relação entre os dois momentos podem configurar: 
dois estados de coisa diferentes ou coisas diferentes
dois momentos diferentes da mesma coisa 
A relação entre X e Y ou Δ1 e Δ2 admite duas direcções: entre o ulterior e o anterior mediata ou imediatamente e
entre o anterior e o ulterior, imediata ou mediatamente.
O que é anterior pode ser empurrado até ao limite do primeiro momento de uma coisa ou de todas as coisas em geral.
Também o ulterior pode ser levado ao limite do que é o último momento de uma coisa ou de todas as coisas em geral.
O primeiro e o último momento de uma coisa são redutíveis a essa mesma coisa, mas irredutíveis enquanto tais. Outras coisas há que começam a (e deixam de) ser nesses mesmos instantes. Uma coisa pode acabar no preciso instante em que outra começa e vice versa uma coisa pode acabar quando outra começa. Ser primeiro e ser último não é redutível a uma coisa.
Uma coisa que é a primeira não é causa de todas as coisas como suas consequências, nem o último momento de todas as coisas é redutível ao último momento. O momento seguinte a tudo acabar é um momento na dimensão não real que permite a determinação da organização intrínseca do tempo. 
Οὔτε κατ’ εἶδος
Aqui a delimitação é pensada horizontalmente, quanto ao aspecto. (Cf. Ross.)  Εἶδος quer dizer o aspecto essencial ou relevante que caracteriza um operador causal que transforma a realidade de acordo com o sentido do seu ser material, eficiente, final ou formal. A forma transforma um acontecimento ao ponto de o tornar inteligível. Projecta linhas de interpretação que passam a ficar explicitadas mas se encontram habitualmente obscuras, implícitas até confusas na sua opacidade. 
Aristóteles considera as quatro causas uma por uma. Nenhuma pode ir até ao infinito sob o risco da reificação. Todas são pensadas na estrutura sintáctica gramatical que confere a lógica do seu sentido à própria coisa, mas é irredutível à coisa.


Causa material
οὔτε γὰρ ὡς ἐξ ὕλης τόδ’ ἐκ τοῦδε δυνατὸν ἰέναι εἰς ἄπειρον 
(οἷον σάρκα μὲν ἐκ γῆς, γῆν δ’ ἐξ ἀέρος, ἀέρα δ’ ἐκ πυρός, καὶ τοῦτο μὴ ἵστασθαι), 
Ἡ ὕλη ou de forma mais saturadamente formulada ἐξ ὕλης, de que consiste, ou o X que é de Y, τόδ’ ἐκ τοῦδε, modifica a compreensão que temos de uma coisa que num primeiro momento não sabemos de que é feita ou em que consiste, de que matéria é, quais são os seus materiais ou ingredientes. Aristóteles pensa concretamente o seu exemplo isolando elementos: fogo, ar, água e terra e a relação entre si. A matéria de que uma coisa é feita ou em que X consiste são ingredientes ou partes integrantes das coisas, seus elementos constitutivos . Do ponto de vista culinário permite responder à pergunta: o que é que leva? Um prato é já a mistura deles, uma mistura temperada e preparada ao lume.  Para tentarmos determiná-los é necessária uma operação de isolamento de cada um deles, difícil, porque muitos têm sabores, cheiros, e texturas diferentes antes e depois de terem sido cozinhados. Mas podemos pensar nos exemplos usuais de Aristóteles: o mármore da estátua, o cobre do escudo, os tijolos da casa, a madeira da mobília, etc., etc. Ao projectar a pergunta pelo material em que consiste X, estamos a modificar a sua presença e podemos pensar em diversas coisas que consistem no mesmo material. No limite, está a pergunta em que elementos consiste X: X1…Xfinito. Mas se isolar X1, não poderei perguntar pelas suas estruturas constitutivas? A matéria pode ser dividida em elementos, atómicos e moleculares, mas o próprio átomo pode ser pensado como composto de partículas subatómicas: electrões, protões e neutrões, os quais, por sua vez, podem ser subdividos em quarks. Estes podem ser considerados conforme a sua própria esturutra ἁδρός, ή, όν: espesso, maciço, compacto e λεπτός, ή, όν, leve, rarefeito. Cada quark pode ser de seis tipos diferentes com diferentes determinações de densidade: para cima, para baixo, encanto, estranho, em cima, no fundo. Relações fundamentais são: electromagnetismo, força gravitacional, interacção forte e interacção fraca, colisão e rotação (translação?), os antiquarks constituem a antimatéria. São forças antagónicas aos quark. Podemos perceber a lógica da determinação da causa material como uma pergunta geral acerca da consistência de algo. Essa pergunta é limite e é respondida por um X contem a, b…z. “A” contem 1, 3…etc., 1, contem… etc.. Aristóteles acentua a estrutura com a sua formulação preposicional de derivação de instâncias ou preenchimento específico.
Causa eficiente
οὔτε ὅθεν ἡ ἀρχὴ τῆς κινήσεως: de onde vem o princípio da mudança
(οἷον τὸν μὲν ἄνθρωπον ὑπὸ τοῦ ἀέρος κινηθῆναι, τοῦτον δ’ ὑπὸ τοῦ ἡλίου, τὸν δὲ ἥλιον ὑπὸ τοῦ νείκους, καὶ τούτου μηδὲν εἶναι πέρας)· (como o homem que é levado pelo vento, o vento que é modificado pelo sol e o sol que é transformado pela contenda: não acontece que não haja um limite a este princípio de fundamentação eficiente ou princípio da mudança)
Agente da passiva e a formulação da explicação completa através da transformação da realidade descrita na voz activa pela realidade descrita na voz passiva. Acentua-se assim não o sujeito mas o complemento agente da passiva introduzido em grego pela partícula: ὑπό. Podemos ver que há um valor variavel, uma estrutura formal que admite instanciação concreta. Neste caso está em causa a deslocação violenta de um homem causada pelo vento. Por quê ou como é que um homem é levado pelo vento: um homem ser levado pelo vento. O vento é a causa eficiente que provoca o seu efeito num homem: desloca-o, arrasta-o, leva-o de um sítio para outro. X ὑπό τινος κινηθῆναι, pode ser o vento, mas o que accionou o vento foi o sol, o que accionou o sol foi a contenda, colisão. Não pode deixar de haver limite. Para Aristóteles não se pode perguntar aqui pelo que está a provocar a própria contenda ou ódio entre os elementos. O sentido da contenda, colisão, acção violenta, está presente em cada caso particular em que X é levado por algo, arrastado, empurrado, intervencionado, agido, etc., etc.. O sentido da relação entre um homem e o vento ou entre o vento e o calor do sol, ou entre o sol e a contenda é o mesmo. Procura apurar-se o efeito surtido por uma acção e a afectação passiva de um determinado sujeito, substrato, substância.  
Causa final
οὐδὲ τὸ οὗ ἕνεκα εἰς ἄπειρον οἷόν τε ἰέναι: nem assim a respeito do “em vista de…”, “por causa de…”, “graças a…”, “por mor de…”
βάδισιν μὲν ὑγιείας ἕνεκα, ταύτην δ’ εὐδαιμονίας, τὴν δ’ εὐδαιμονίαν ἄλλου, καὶ οὕτως ἀεὶ ἄλλο ἄλλου ἕνεκεν εἶναι· A caminhada é em vista da saúde, esta é em vista do bem-estar, mas não acontece que o bem-estar ou a felicidade seja por mor de algo de outro e que assim haja sempre X por mor de Y.
O mesmo se passa com o τέλος, ἀγαθόν, τὸ οὗ ἕνεκα. O carácter télico da expressão permite compreender uma leitura completamente diferente de uma coisa ou estado de coisas, circunstância ou situação. Não pode também progredir até ao infinito de tal sorte que haveria sempre uma concretização de uma causa em vista da qual todo e qualquer momento tivesse um propósito ou objectivo que anularia assim o seu caracter final e o seu ser limite. 
Se vou andar em vista da obtenção de saude, porque é saudável, se a obtenção da saúde é para que eu esteja contente ou me sinta bem, por outro lado, não me sinto bem para me sentir bem ou por qualquer outro motivo. Ou seja, quando vou andar a pé tenho em vista, mesmo que de uma forma velada,— porque o faço mais directamente por causa da saúde—, pela obtenção de um estado saudável ou para a sua conservação. Tudo isto tem em vista o bem estar, o encontrar-me bem. Isto é o limite a partir do qual se desenham retrospectivamente diversas linhas a orientar as nossas acções. O que fazemos tem sempre um fim em vista, se não houver, tudo é em vão e vazio de conteúdo. 
Aristóteles diz andar ou fazer marcha que é a forma particular de descrever o movimento de locumoção dos seres humanos, enquanto as aves voam e os peixes nadam. Mas é diferente de correr, de como os répteis rastejam ou os animais se deslocam. Um animal não marcha nem caminha. Anda, desloca-se. Ao dizermos que alguém faz "footing" ou "jogging" não dizemos que está a marchar ou a ir para algum lugar. Está a fazer caminho por fazer caminho: regressa ao sítio de onde partiu, não tem pressa para chegar a lado nenhum. Quando alguém está a fazer "jogging" não o faz por estar com pressa para ir para o trabalho, a fugir de alguém ou a ir no encalço de alguém: o sentido é dado pela felicidade do bem estar ou pela glória da vitória. Não é para ir de um sítio para o outro com fins determinados.
Determinante é assim a compreensão que resulta expressa pela fórmula da causa final na voz passiva, acentuando assim o sujeito oracional como o que sofre a acção produzida por um agente da passiva. A relação entre uma rajada de vento e um homem não é apenas mecânica, a do impacto de um corpo noutro. O homem é levado PELO vento. X levado, modificado, transformado, alterado, deslocado POR Y. O princípio da eficâcia e de causalidade eficiente tem uma origem expressa num complemento circunstancial de lugar de onde. O “de onde vem o princípio da mudança” exprime o agente que actua de diversas formas com eficácia nos mais diversos entes, intervindo neles cirurgicamente, provocando impactos sobre eles. O que é visto está sempre integrado numa motivação extrínseca que explica a alteração que é vista. 

Causa formal
καὶ ἐπὶ τοῦ τί ἦν εἶναι δ’ ὡσαύτως. 
Τῶν γὰρ μέσων, ὧν ἐστί τι ἔσχατον καὶ πρότερον, ἀναγκαῖον εἶναι τὸ πρότερον αἴτιον τῶν μετ’ αὐτό. εἰ γὰρ εἰπεῖν ἡμᾶς δέοι τί τῶν τριῶν αἴτιον, τὸ πρῶτον ἐροῦμεν· οὐ γὰρ δὴ τό γ’ ἔσχατον, οὐδενὸς γὰρ τὸ τελευταῖον· ἀλλὰ μὴν οὐδὲ τὸ μέσον, ἑνὸς γάρ
A causa formal deixa-se enunciar por Aristóteles de diversas formas. Esta aqui presente é das mais completas. O quê que já era o ser de algo, isto é, o quê, que é o que algo é, existe antes disso que é, o que quer que seja, ter chegado à existência. A forma indicia a compreensão do que é preciso que esteja em X para ser o que é: o que é preciso a um homem para ser homem e compreendido como tal, o que era preciso para ser cadeira para ser o que é e compreendida como tal, etc., etc.. Podemos perceber, a respeito das causas anteriores, com excepção da causa final— que pode definir a essência de um ente quanto à finalidade que a define— que elas não definem completamente o que um ente é. A forma define o sentido que dá a compreender um ente na sua essência, no que o faz ser ao modo como é. É como se um nome ou um substantivo fosse compreendido como um verbo. Um homem por exemplo é SER AO MODO DE UM HOMEM, HOMINIZA-SE. Um cão é ser cão, isto é, ser ao modo de um cão, "canidiza". 
Quando dizemos que carne consiste em terra, esta em ar e este em água está-se a apontar para a sua consistência. A carne é formada por proteínas, gorduras e água. A carne pode ser animal ou humana, e a animal diferente em cada espécie e anatomia. Mas a determinação da matéria admite graus de precisão. O mesmo se passa com a determinação eficiente. Pode haver afecções acessórias ou acidentais ou casuais. Pode haver afecções essenciais: a possibilidade radical de ser-se afectado pelo próprio potencial que torna uma coisa naquilo que ela é. Ou seja, pode haver uma razão eficiente que actue essencial e estruturalmente sobre cada coisa. A causa final pode descrever o que uma coisa é, normalmente se for meio ou instrumento: o fim específico em vista do qual qualquer coisa é determinada antes mesmo de existir. A pergunta "o que é X?" requer uma resposta que enuncie "um quê": o quê específico que define essencialmente uma coisa. 


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