sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Syllabus: Ancient Philosophy, 2nd Semester, FCSH/UNL


THE ROOTS OF POWER

Castro António Caeiro

Themes in Ancient Philosophy FCSH / UNL, 2nd Semester, Tuesdays and Thursdays (10AM-12AM).
Summary: The course aims at identifying the constitutive structures of human lucidity. We will then consider extreme possibilities of being with others. The course is based upon the Annals of Tacitus.
14/02: RES MORTALIUM. fatum, necessitas immutabilis, fors, sors. IV, 20; VI, 20, 37, 51, III, 18, 34, 69.
16/02: INGENIUM. I, 23, 29, 33, 80; II, 28; IV, 46, 60; VI, 41; XIII, 2, 3, 45, 47; XIV, 3, 59; XV, 42, 52, 61, 29.
23/02: ANIMUS: Ι, 25, 56; II, 21, 80, III, 3, 54, 55; IV, 1, 16, 40, 71, V(VI), 7, VI, 6, 38; XIII, 11, XIV, 53, XV, 21, 54, 68.
28/02: SPIRITUS. II, 43, 70, IV, 12; XIII, 16, 21; XV, 64; XVI, 24, 26, 34.
01/03: VITA. I, 3, 9, 17, 53, III, 30, 50, 54, 69; IV, 30, 62; VI, 29, 39, 51, XI, 6; XII, 39, 43, 52; XIII, 43; XIV, 51, 55, 59, 61, XV, 11, 49
06/03: INDOLES. XI, 23 ΧΙΙ, 26, ΧΙΙ, 15 e SPECIES: Ι, 8; II, 19, 41; III, 60; IV, 6; VI, 35; XI, 4, 21, 31; XIII, 24, 27; XIV, 16; XV, 48; XVI, 29.
08/03: MORES. I, 4, 35, 56; III, 55; IV, 39, VI, 12; XIV, 15, 43, XV, 30, XVI, 5.
13/03: ADFECTUS. 4, 42, ΧΙ, 38, ΧΙΙΙ, 16, 21, ΧV, 16, 44
15/03: FACIES Ι, 41, 49, 70; IV, 57, 63, 69, XIV, 10, XV, 48
20/03: CAUSA: I, 5, 7, 13, 14, 49, 53, 74; II, 34, 65, III, 12, 38, 53; IV, 1, 11, 15, 16, 18, 35, 36, 39, 46, 52, 58, 62; VI, 9, 16, 46, 49, II, 4, 27; XII, 44, 58; XIII, 9, 37; XIV, 32, 50, 57, XV, 2, 7, 14, 15, 68; XVI, 16
22/03: AMBITIO: I, 67, II, 38, III, 12, 14, 26, 34, 63, 69, IV, 20, 37, 55, 62, 64, VI, 46, XII, 24; XIV, 18, 22, XV, 15, 21; XVI, 23, XVI, 17.
27/03: GLORIA and FAMA: I, 59, II, 13, 26, 44, IV, 44, 50, XII, 11, XV, 6, 16, 30, 63. Fama: passim.
29/03: CUPIDO. I, 3, 10, 68, 75; II, 54, III, 44, IV, 68; V, 1; VI, 32; XII, 28, 56; XIV, 2; XV, 33, 36, 49; XI, 1, 26.
03/04: AVARITIA: I, 2, 44; III, 34; IV, 6,19;  72; II, 15; XII, 39, 45; XIII, 1, 18, 32, 48; XIV, 32; 56; XV, 20, 21; XVI, 32.
05/04: INVIDIA: I, 14, 41, 44, 80; II, 38, 56, 71; III, 15, 16, 17, 53, 75, IV, 60, VI, 5, 29, 43; II, 34, XII, 67, 69, XIII, 4, 6, 15, 42, XIV, 18; XV, 19, 64; XVI, 7, 18.
10/04: FLAGITIUM: I, 27; II, 48, III, 23, 36; 50, 60; IV, 66; VI, 6, 7; XI, 25, 34, 64; XIII, 33, XIV, 11, 15, 51; XV, 44, XVI, 10, 19, 21
12/04: POTENTIA: I, 1, 8; II, 34, 60; III, 24, 30, 66; IV, 1, 7, 21, 35, 43; VI, 5, 8, 45; XI, 5, 28; XII, 3, 54; XIII, 4, 12;  XIV, 39, XV, 54; XVI, 17
17/04: SAEVITIA: I, 44, II, 11, III, 40; Iv, 35, VI, 6, 19, 25; 51; XII, 10; XIV, 48; 64, XVI, 29; 32.
19/04: CRUDELITAS. I, 44, V (VI), 6; XV, 21; XVI, 18.
24/04: LIBIDO,I, 53, 72; II, 85; III, 26; IV, 1, 35, 46; VI, 6, 16, 42; XII, 20, 22; XII, 44; XIII, 12,13
26/04: LUXUS and LUXURIA,I, 53, 72; II, 85; III, 26; IV, 1, 35, 46; VI, 6, 16, 42; XII, 20, 22; XII, 44; XIII, 12,13
01/05: LASCIVIA: I, 53, 72; II, 85; III, 26; IV, 1, 35, 46; VI, 6, 16, 42; XII, 20, 22; XII, 44; XIII, 12,13.
10/05: Agripina, the Younger: IV 53, 75; XI, 12, XII (passim).
15/05: Continuation. XIII (passim), XIV, 14, 21.
17/05: Nero. XV, 18-74.
22/05: Nero. XVI, passim.
24/05: Seneca and Epicharis. XV, 48-74.
29/05: Examination.
31/05: Examination.

Bibliographical note: For each session there are obligatory readings.
TACITUS, Annalium, ab Excessu Divi Augusti Libri, Recognouit Breuique adnotatione Critica Instruxit,OTC.
Trad.: The Annals, The Reigns of Tiberius, Claudius, and Nero. A new translation by J. C. Yardley, Oxforf World’s Classics, 2008.


quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Filosofia Antiga, 4ª sessão, 29 de Setembro, 2011


Excurso Analíticos Posteriores, 93a14 e sgs: “ὥσπερ γὰρ τὸ διότι ζητοῦμεν ἔχοντες τὸ ὅτι, ἐνίοτε δὲ καὶ ἅμα δῆλα γίνεται, ἀλλ’ οὔτι πρότερόν γε τὸ διότι δυνατὸν γνωρίσαι τοῦ ὅτι, δῆλον ὅτι ὁμοίως καὶ τὸ τί ἦν εἶναι οὐκ ἄνευ τοῦ ὅτι ἔστιν· ἀδύνατον γὰρ εἰδέναι τί ἐστιν, ἀγνοοῦντας εἰ ἔστιν. τὸ δ’ εἰ ἔστιν ὁτὲ μὲν κατὰ συμβεβηκὸς ἔχομεν, ὁτὲ δ’ ἔχοντές τι αὐτοῦ τοῦ πράγματος.” (Tal como procuramos o porquê de qualquer coisa, quando sabemos que ela existe, ou seja, sabemos do facto dela— ainda que não saibamos o que é na sua essência ou por causa do quê é que essencialmente é o que é— por vezes acontece também que ambas as estruturas se tornam evidentes em simultâneo, ἅμα δῆλα γίνεται. Mas não se pode conhecer o porquê e desconhecer-se se existe. É evidente que de modo semelhante também o ser que algo é não existe sem ser algo de facto. Acontece por vezes que conhecemos qualquer coisa de forma meramente incidental dadas as circunstâncias em que primeiramente tomamos conhecimento dela, outras vezes, porém, sabemos, ἔχοντες, algo de essencial da própria coisa ou do que a coisa é na sua identidade, τι αὐτοῦ τοῦ πράγματος.)”

De forma mais complexa é a interpretação do que é um homem. Sabemos que há homens, e que os seres humanos são uma espécie de seres vivos. Enquanto tais, isto é, enquanto seres vivos, os humanos são algo que é vivo, animado, e não se distingue de nenhum dos outros animais, de outros géneros: sabemos que o humano é algo vivente, ἄνθρωπος, ὅτι ζῷόν τι. Ou quando dizemos que a ψυχή, a lucidez, a existência, ou a alma humana, a vida humana, é um acontecimento que se desdobra a partir de si em si: Move-se a si própria: a si a partir de si ou a si por si. A lucidez não é um estigma, sem extensão. É um acontecimento multifacetado que se vê a ser movido, alterado, transformado e mudado por si mesmo: move-se, altera-se, transforma-se e muda o seu próprio acontecimento. Muda-se.

O que quer que isolemos como o que age e o que é agido, o que muda e o que é mudado:— é pensado neste desdobramento da lucidez constituída por si própria neste acontecimento: passivo, activo, médio: reflexivo, no interesse de si, vantagem e desvantagem, pergunta e resposta, transcurso temporal.
Sabemos da ψυχή que é algo que se muda a si em si próprio: ὅτι αὐτὸ αὑτὸ κινοῦν.

O que é o trovão, então? O que é o eclipse lunar, então?

O exemplo tem Aristóteles é elucidativo: Sabemos que há trovões. O contacto estabelecido desde sempre entre nós e trovões identifica a circunstância acidental mas estável em que ribombam. Um trovão é um certo estrondo nas nuvens. Ou seja, identificamos a forma da manifestação acústica e a localização do barulho nas (e proveniente) das nuvens. A respeito da βροντή sabemos que é um certo estrondo nas nuvens: ὅτι ψόφος τις νεφῶν. A determinação “estrondo” e os complementos circunstanciais de lugar onde e de lugar de onde não são suficientes, contudo, para se apurar a razão de ser, αἰτία, desse facto.

O que é que lhe está na base? Qual é a causa desse barulho? A causa eficiente está a ser interrogada. O que está na base de produção do barulho nas nuvens? Como é que o trovão vem a ter cabimento? Em tempestades até quando secas, escutamos um barulho provindo das nuvens. Isso é um facto. Mas o que é que o produz?

Podemos também dizer o que é um eclipse da lua. É a privação da luz da lua. Como tal pode ser pensado como um apagamento maciço e gradual da sua luminosidade. Um apagamento que tem lugar na lua. Mas o que provoca? É algo nela ou fora dela? Será algo que acontece entre uma fonte de luz: o sol, e a lua, onde se projecta a sombra do objecto que tapa a lua?

A privação da luz é um facto. Verifica-se um obscurecimento evidente. Resultante de uma causa indefinida, verifica-se o desaparecimento da lua ou o seu obscurecimento. A lua eclipsa-se, desaparece, mas apenas sabemos que é uma certa privação de luz: ὅτι στέρησίς τις φωτός.

Em primeiro lugar, liga-se o eclipse a um determinado acontecimento, ἔκλειψις ἐφ’ οὗ τὸ Α. A lua é um ente susceptível de se eclipsar, σελήνη ἐφ’ οὗ Γ. Dá-se a hipótese de a terra se interpor entre a lua e o sol, ἀντίφραξις γῆς ἐφ’ οὗ Β.

A questão prende-se justamente com a formulação de B. Para se saber o porquê do eclipse da lua tem de se saber se acontece a hipótese da interposição da terra entre a lua e o sol, de tal sorte que tapa a luz solar que tira o brilho à lua e por sua vez a claridade obtida por deflexão à terra. τὸ μὲν οὖν πότερον ἐκλείπει ἢ οὔ, τὸ Β ζητεῖν ἔστιν, ἆρ’ ἔστιν ἢ οὔ. τοῦτο δ’ οὐδὲν διαφέρει ζητεῖν ἢ εἰ ἔστι λόγος αὐτοῦ· καὶ ἐὰν ᾖ τοῦτο, κἀκεῖνό φαμεν εἶναι. ἢ ποτέρας τῆς ἀντιφάσεώς ἐστιν ὁ λόγος, πότερον τοῦ ἔχειν δύο ὀρθὰς ἢ τοῦ μὴ ἔχειν.

Quando descobrimos a verdade dessa hipótese, ὅταν δ’ εὕρωμεν, sabemos em simultâneo, ἅμα, o facto de que acontece, τὸ ὅτι, e o por quê acontece. καὶ τὸ διότι ἴσμεν. Se não se desse o caso de sabermos do facto de eclipses, também não saberíamos o porquê, a razão de ser desse fenómeno, εἰ δὲ μή, τὸ ὅτι, τὸ διότι δ’ οὔ. A hipótese da interposição, ἀντίφραξις, da Terra entre o Sol e a Lua é o que causa o eclipse lunar. O eclipse não é um fenómeno em si, explicável apenas por um mega apagão ocorrido na lua. É um fenómeno que resulta da sincronização de determinados elementos circunstantes. Quando esses elementos: o Sol, a Lua e a Terra se encontram numa determinada constelação, dá-se o eclipse da lua.

O mesmo se passa a respeito do trovão. A hipótese interpretativa é que se trata de um fenómeno provocado pela extinção de fogo na água ou na humidade nas nuvens. Tal como um ferro em brasa, quando mergulhado em água fria, emite som, ao extinguir-se, assim também há um elemento húmido que extingue o relâmpago e cujo efeito é o lado acústico do estrondo que provoca, ao apagar-se nas nuvens. Τί ἐστι βροντή; πυρὸς ἀπόσβεσις ἐν νέφει. διὰ τί βροντᾷ; διὰ τὸ ἀποσβέννυσθαι τὸ πῦρ ἐν τῷ νέφει. O que é o trovão? É a extinção de fogo nas nuvens. Qual é a razão de ser pela qual o trovão acontece? É em razão de o fogo se extinguir nas nuvens.

Fim do excurso.

Podemos assim voltar ao passo de α da Metafísica: 994a10-20: καὶ ἐπὶ τοῦ τί ἦν εἶναι δ’ ὡσαύτως. τῶν γὰρ μέσων, ὧν ἐστί τι ἔσχατον καὶ πρότερον, ἀναγκαῖον εἶναι τὸ πρότερον αἴτιον τῶν μετ’ αὐτό. εἰ γὰρ εἰπεῖν ἡμᾶς δέοι τί τῶν τριῶν αἴτιον, τὸ πρῶτον ἐροῦμεν· οὐ γὰρ δὴ τό γ’ ἔσχατον, οὐδενὸς γὰρ τὸ τελευταῖον· ἀλλὰ μὴν οὐδὲ τὸ μέσον, ἑνὸς γάρ (οὐθὲν δὲ διαφέρει ἓν ἢ πλείω εἶναι, οὐδ’ ἄπειρα ἢ πεπερασμένα). τῶν δ’ ἀπείρων τοῦτον τὸν τρόπον καὶ ὅλως τοῦ ἀπείρου πάντα τὰ μόρια μέσα ὁμοίως μέχρι τοῦ νῦν· ὥστ’ εἴπερ μηδέν ἐστι πρῶτον, ὅλως αἴτιον οὐδέν ἐστιν.

Nesta passo, percebemos claramente que Aristóteles procura apontar ao núcleo definível de um qualquer ente que corresponda à pergunta fundamental pelo quê que qualquer coisa é. O sentido nuclear de qualquer coisa exclui o acessório e o acidental. Vai ao essencial. Podemos descrever qualquer coisa apenas apontando, mesmo que pormenorizadamente, às qualidades secundárias, à realidade apresentada pela notícia sensorial. E, no entanto, não dizer o que uma coisa é. O que uma coisa é, é então definida pela sua αἰτία no sentido em que responde à pergunta pela petição do que é. Dizer a sua causa é responder à razão de ser dessa demanda. Um ente, um trovão, o eclipse da lua, a lucidez humana e o ser humano, está continuamente num processo de requisição do pedido deferido durante algum tempo para ser o que é. O que confere esse deferimento é a razão de ser que torna cada ente no ente que é.

O mais das vezes e primariamente encontramo-nos na situação de ter as coisas respondidas ou feitas corresponder ao seu quê.

994a10-20: καὶ ἐπὶ τοῦ τί ἦν εἶναι δ’ ὡσαύτως. τῶν γὰρ μέσων, ὧν ἐστί τι ἔσχατον καὶ πρότερον, ἀναγκαῖον εἶναι τὸ πρότερον αἴτιον τῶν μετ’ αὐτό.

Ao dizermos o que uma coisa é, dizemos o que lhe está na base como razão de ser essencial. O que essa coisa primeiramente é: Se considerarmos diversos estados no processo de desenvolvimento de um X, por exemplo, um ser humano singular que existe como indivíduo e que não é plural nem outros seres individuais, dizemos que é uma pessoa. Pode ser homem ou mulher, jovem ou de idade, desta ou daqueloutra etnia, com todas as características identificadas por um documento de identificação. Mas nenhuma delas diz o que é uma pessoa, o que faz, como se comporta, classe, estado, quem é quem.

Aristóteles aponta para o encadeamento de diversas fases do processo de desenvolvimento de uma coisa que é, de um determinado ente, e diz que as do meio pressupõem sempre um estado anterior e um estado ulterior. Mas a causa primeira não é um momento primeiro no encadeamento das fases de desenvolvimento do que quer que seja, do mesmo modo que o derradeiro estado de desenvolvimento de alguém ou de algo pressupõe um estado de inexistência desse alguém. O último momento de existência pressupõe o primeiro momento do não ser já de algo ou de alguém, pensado como corrupção ou desintegração do seu ser.

O que primeiramente é causa corresponde à definição formal do aspecto essencial com que qualquer coisa nos surge na sua essência. Assim, ser homem, não é nem apenas esperma e óvulo, não é ovulação, concepção, desenvolvimento do feto, nascimento do recém nascido, criança, adolescente, adulto, etc., etc.. é o que de algum modo é visado nisso tudo como operador que permite antecipar essas fases de desenvolvimento.

Do mesmo modo que ser mesa, ser cadeira, não é ter um aspecto físico determinado, mas é o que esses entes oferecem, o modo como podem ser intervencionados, a forma multifacetada como podem ser utilizados nas mais diversas circunstâncias, o que activamente oferecem. Tudo isso implica a leitura do núcleo duro da função que oferecem quando activada por quem os usa. Essa leitura atinge o nervo da essência que faz ser essa coisa uma coisa que é essencial.

Recapitulação dos pontos: A razão de ser que é causa fundamental das coisas, nos seus quatro desdobramento possíveis, é principial, isto é, a causa dos entes, das coisas que são, não pode ser desprovida de limite, nem na série específica constituída pela relação entre condição e condicionado ou condição primária e condição secundária, ou causa e efeito, ou fundamento e fundamentado. Mas também é evidente que não pode ser desprovida de limites quanto à forma. 


Nem na série que articula a relação entre os componentes materiais de algo é possível progredir indefinidamente até ao infinito sem se chegar a elementos. οὔτε γὰρ ὡς ἐξ ὕλης τόδ’ ἐκ τοῦδε δυνατὸν ἰέναι εἰς ἄπειρον,

O mesmo se passa a respeito da origem de onde vem o princípio da mudança: οὔτε ὅθεν  ἀρχὴ τῆς κινήσεως (οἷον τοῦτον μὲν ἄνθρωπον ὑπὸ τοῦτου κινηθῆναι, 


Bem como o princípio de explicação tem de apontar ao fundamento que responde à pergunta a respeito do que cada coisa é na sua essência: καὶ ἐπὶ τοῦ τί ἦν εἶναι δ’ ὡσαύτωςἀναγκαῖον εἶναι τὸ πρότερον αἴτιον τῶν μετ’ αὐτό

A essência de uma ente é o seu ser, isto é, o que faz do A ser um homem, de B ser uma mesa, de X ser uma alma, de Y ser um eclipse ou de Z ser um trovão. Quer dizer: o sentido definitório de uma substância subsiste ao longo do tempo sem si mesma a ser o que é integra em si com propriedade as mais diversas características nucleares e satélites de um determinado ente. O homem não é o corpo nem o que vemos dele, homem, mulher, jovem ou velho, grego ou bárbaro, mas o que justamente integra essas propriedades: uma lucidez que lhe dá vida, o faz ser e compreender que se move e é movido pelo mover-se na mudança ao modo como muda. O que faz de B ser uma mesa não é o ser rectangular, nem de madeira, nem castanho, num tampo nem um suporte. Ser uma mesa manifesta-se pela prestação de uma utilidade específica que permite uma intervenção nela de um determinado modo. As mais diversas utilidades que a mesa tem implicam modos específicos de aproximação a ela com intervenções de natureza diferente e usos diversos: para comer, para escrever, para jogar, para… O ser da alma não consiste num ponto indivisível, inextenso e imaterial que acompanha o corpo ou está algures no corpo, mas é o próprio princípio da mudança, uma forma de acontecimento que é compreendido como o mudar da mudança do que é mudado, do mudar-se: a si reflexivo, para si, interesse, por si, causal. Na mudança há sempre uma motivação e uma causa, um resultado ou efeito, uma interrupção, aborto. A lucidez tem esta forma esquizofrénica de oferecer a partir do seu próprio ser o seu próprio campo de intervenção que faz dela precisamente quem é. Ser um trovão não é ser um ruído nas nuvens. E ninguém ou nada apagou a luz da lua ou do sol para que haja eclipses.

Mas vimos também que não há uma multiplicidade indefinida no tipo de causas: οὔτε κατ’ εἶδοςδῆλον. Isto é, nem a relação de nexo causal é de natureza coisal nem há mais tipos de causa a serem apurados para além do material, eficiente, final e formal. O que é visado por esta definição do horizonte etiológico são os próprios elementos que constituem a bateria causal no seu ser e no modo seu modo de ser. A causa estrutura as coisas que são, conhecer as causas é conhecer as coisas. A causa tem de ter princípios, isto é, não pode progredir indefinidamente sem se fixar no sentido essencial de cada coisa e do efeito peculiar que cada causa produz em cada coisa.

Compreender uma coisa é compreender os diversos requisitos ontológicos que tem de preencher para ser a coisa específica que é. Sem preencher esses requisitos ou sem sabermos quais são esses requisitos, uma coisa é “apátrida”, “não tem origem”, “não tem sítio”, “não tem cabimento”, é uma “não coisa” numa sentido em que é uma coisa não compreendida, sem género nem espécie, sendo um indivíduo de uma espécie indefinida e de um género indeterminado: uma incógnita. O que uma causa é implica-a num ser uma causa e na relação constitutiva com o efeito que provoca e com o resultado específico que produz. Não produzindo nenhum efeito não é causa, não tendo nenhum resultado não opera.

A argumentação de Aristóteles visa agora a explicação das diversas expressões que têm em vista o passar a ser de qualquer coisa. É forma complexa como se pensa o passar a ser de uma substância e o seu deixar de ser, a sua geração e corrupção que aqui está em causa. Por um lado, a condição sem a qual uma coisa não é uma coisa. O material de que uma coisa é feita é, ainda que não suficiente, para dizer o que é, necessário para ser algum ente que existe. Mas uma substância ou um ente que passa a ser não existia num dado momento. Do mesmo modo que uma alteração mesmo que acidental e meramente incidental de uma coisa faz dela diferente ainda que não outra. Assim também, uma coisa que deixa de ser, ou uma alteração de uma qualidade numa substância que deixa de ocorrer ou de se verificar permite perceber o estado definitivo de não ser em que passou a estar ou a natureza incólume relativamente a uma mudança que não ocorre.

Mas não há apenas uma relação implícita entre o ser de uma coisa como o seu fundamento e o conhecimento do fundamento. Conhecer a causa é conhecer a coisa. Não conhecer a coisa não é fazê-la desaparecer é relacionar-se com a sua impermeabilidade, com a impossibilidade de a contornarmos e de termos que lidar com um bloco ou um buraco negro de opacidade. Quando não sabemos o que uma coisa é, o que está aí perante subsiste na (e resiste à) sua indeterminação. A característica de indeterminação é interpretada como interpretável. Convida ou obriga, por assim dizer, a lidar ou a ter que se ver com essa coisa. Melhor a termos que ver com a sua razão de ser. 

Há também, em segundo lugar, uma relação implícita entre causa e o coisa que é pensada como geração ou uma das suas formas: uma produção, um nascimento, um facto, um feito, uma forma qualificada de passar a ser, de passagem de um não ser nada para um ser algo, a transformação de uma qualidade inexistente numa coisa numa qualidade específica de uma coisa que resulta de uma transformação que tem lugar nela. O processo de geração, as fases de geração, gestação, fabricação, nascimento, florescimento, realização, etc., etc., dos mais diversos entes dos mais diversos géneros nas mais diversas espécies de ser que são não pode ser indefinido.

É o que parece estar a ser indiciado pela nota feita relativamente ao nexo entre uma causa e efeito ou entre momentos que causais anteriores à produção de um dado efeito que pode ser uma única coisa ou um estado numa coisa. Se o princípio de uma coisa está num espaço horizontal de sentido superior de que depende um estado inferior ou num estado anterior que tem a depender de si um estado ulterior, a relação entre superior e inferior ou anterior e ulterior, antecedente e consequente, não pode alongar-se ao infinito e indefinidamente sob pena de qualquer coisa não chegar a ser ou abortar. ἀλλὰ μὴν οὐδ’ ἐπὶ τὸ κάτω οἷόν τε εἰς ἄπειρον ἰέναιτοῦ ἄνω ἔχοντος ἀρχήν.

O decisivo está em procurar compreender o sentido específico da geração, do gerar-se, isto é do passar a ser de qualquer coisa que não era ou do produzir-se alterações numa coisa que a deixam diferente ou uma alteração tal que acaba com uma coisa. A γένεσις, o γίνεσθαι, é pensado como um processo em que o X que não era e passa a ser, o passar a ser de X, é pensado como o próprio X. O X que se gera é um nomen agentis, isto é, obtém a sua designação a partir da natureza da acção específica que é enunciada pelo infinitivo que descreve essa acção. Ou seja, ser condutor é um nomen agentis da condução, isto é, do conduzir. A condução não existe sem o acto de conduzir, sem o condutor conduzir o condutível ou susceptível de ser conduzido. O conduzir é reduzido, por outro lado, à condução executada pelo condutor. É um sentido que implica tempo, intervenção, deslocação de um sítio para o outro em que um condutor, o agente de condução, conduz algo susceptível de ser conduzido ou deslocado e guiado numa determinada direcção. A acção de conduzir não existe como tal no mundo. O seu ser é a relação complexa de um processo que decorre no tempo e que ultrapassa os referentes. O seu sentido excede condutor, viatura, direcção de um sítio para outro, intervenção do condutor transformando o veículo em meio ou instrumento.

Há uma relação entre causa e ente pensada como uma relação de causa e efeito ou produtor e produzido, fabricante e fabricado, trabalhador e trabalho, agente e agido, geração e gerado, fazer ser e ter vindo a ( e estar) a ser. Por outro lado, parece que compreendemos estruturalmente esta relação através da compreensão preposicional que articula um momento com o outro. Por exemplo, se dizemos que a água resulta do fogo, que, por sua vez, a terra resulta da água e que assim há sempre continuamente um certo género de coisas de que resulta um outro género de coisas, o que estamos a identificar é a transformação de X em não X, de fogo em não fogo, de água em não água, ou positivamente de fogo em água, de água em terra, etc.. A compreensão aponta à lógica da relação entre X e não X ou entre A e B: isto resulta ou provém disto, ou mais compactamente: isto disto: de, ἐκ+genitivo: origem e proveniência.
Neste caso parece apontar-se à transformação dos elementos uns nos outros a partir da origem que uns têm nos outros: ὥστ’ ἐκ πυρὸς μὲν ὕδωρἐκ δὲ τούτου γῆνκαὶ οὕτως ἀεὶ ἄλλο τι γίγνεσθαι γένος

Mas há dois medos de pensar geração de um ente com origem num outro: διχῶς γὰρ γίγνεται τόδε ἐκ τοῦδε— Um parece ser extrínseco e resultar apenas de uma verificação da relação entre os momentos em que respectivamente ocorrem. O sentido é não de origem e proveniência mas temporal. Um acontecimento tem lugar depois de outro. Por exemplo, os jogos olímpicos são depois dos jogos Ístmicos. (μὴ ὡς τόδε λέγεται μετὰ τόδεοἷον ἐξ Ἰσθμίων ὈλύμπιαEm ático também se pode referir a organização temporal da mesma forma que se diz que se enuncia a relação de origem a originado. Assim, poder-se-ia pensar que os Jogos Ístmicos estão na base dos jogos Olímpicos ou que os Ístmicos fizeram nascer os Olímpicos. Mas na verdade a relação entre I e O enunciada pelo ἐκ também com genitivo não aponta à origem de onde mas ao tempo depois. Um tempo vem depois do outro e assim também uns jogos vêm depois dos outros, mas a relação é meramente de anterioridade ou ulterioridade temporais não de geração. Não há nada nos jogos Ístmicos que esteja na origem dos Olímpicos: jogos diferentes, sítios diferentes. 

Formalmente a γένεσις implica uma relação de anterioridade e ulterioridade temporais entre um acontecimento antes de X e um outro depois de X, antes de X ter nascido e depois de X ter nascido. Ou a forma peculiar como a corrupção é pensada como uma forma de geração. O deixar de ser é um passar a ser do não ser que era. Mas a relação genética entre isto disto, embora pensada abstractamente como uma vinda depois da outra, é intrínseca e constituída de forma irreversível e absolutamente estruturante. Quando se diz que o ar provem da água ou a água é origem do ar não se está a pensar que primeiro havia uma mancha de água e depois vapor, do mesmo modo que primeiro havia um pedra de gelo e depois uma mancha de água ou vice versa que a água congelou. A congelação e a condensação são processos que põem em relação diferentes estados de uma dada realidade ou entidade que explicam o que temporalmente acontece no decurso da transformação de uma coisa na outra: condensação do vapor de ar em torno de um copo gelado de água é diferente da descrição extrínseca do copo sem gotículas e com gotículas, apenas dizendo-se que X vem depois de não X. Os fenómenos de evaporação e de condensação explicam a transformação da água em vapor por acção do calor ou do vapor e do gelo em estado líquido. A relação da mesma realidade com o meio produz uma determinada reacção.

Mas o mesmo é pensado na relação entre as fases de desenvolvimento de um ser vivo, por exemplo de um ser humano, o homem nasce da que criança que se transforma. Não o contrário. A relação entre estados diferentes no processo de crescimento de um determinado ser vivo não são explicáveis apenas pelo facto de até agora em todos os casos se ter verificado que um adulto primeiro foi criança e que um velho primeiro foi adulto. Trata-se da relação complexa estruturada a partir da própria vida que se pensa na concepção e gestação, nascimento e crescimento. ὡς ἐκ παιδὸς ἀνὴρ μεταβάλλοντος  ὡς ἐξ ὕδατος ἀήρ.

O exemplo permite a formalização: ὡς μὲν οὖν ἐκ παιδὸς ἄνδρα γίγνεσθαί φαμενὡς ἐκ τοῦ γιγνομένου τὸ γεγονός, tal como dizemos que um homem passa a sê-lo a partir, com origem e proveniência na criança que foi, assim também que aquilo que foi gerado foi gerado a partir do que se gera. O que passou a ser resulta de um processo em que não tendo ainda passado a ser está no processo de passagem, está ainda no em vias de ser, que pode precisamente ser abortado.

Numa outra acepção: aquilo que chegou a um estado completamente acabado e portanto está completamente feito, é perfeito ou não lhe falta nada para ser, resulta do próprio processo que deu início ao seu acabamento.  ἐκ τοῦ ἐπιτελουμένου τὸ τετελεσμένον.

Aristóteles joga aqui com os diferentes aspectos do particípio presente médio: estar em vias de ser o que quer dizer que não é ainda, está a formar-se, não está formado, está a gerar-se, não está gerado, etc., etc.. Depois, por outro lado, com os aspecto verbal do particípio passado, perfeito ou passivo: o que foi gerado ou está gerado, foi produzido, acabado. Há uma relação intrínseca entre um momento estrutural e outro, mas de tal forma que quando X está ainda em vias de ser não se pode dizer que seja já: está em projecto, é um projecto de ser acabado. A mesa que está a ser fabricada numa marcenaria está no processo de escolha dos materiais e na passagem dos materiais por todas as fases no processo de fabricação: medir as tábuas, serrar a madeira, aplainar, afixar, colar, pregar, etc., etc..

A γένεσις é determinada como um estado intermédio como ser a meio caminho entre o não ser de todo de nada que intervenha no ser de algo e esse algo já formado: O passar a ser existe entre o não ser e o ser do mesmo modo que o que está em vias de ser gerar encontra-se entre o que não é ainda e o que está sendo já o que é. Τὸ γεγονός é o nome agentis cujo sentido da acção que lhe está na base é a γένεσις ou o γενέσθαι. O que implica a compreensão entre o que está em vias de ser mas ainda não é τὸ γιγνόμενον e o que é já sido: τὸ γεγονός.  (ἀεὶ γάρ ἐστι μεταξύὥσπερ τοῦ εἶναι καὶ μὴ εἶναι γένεσις, οὕτω καὶ τὸ γιγνόμενον τοῦ ὄντος καὶ μὴ ὄντος.)



terça-feira, 27 de setembro de 2011

Filosofia Antiga, 3ª sessão, 27 de Setembro


994a10-20: καὶ ἐπὶ τοῦ τί ἦν εἶναι δ’ ὡσαύτως. τῶν γὰρ μέσων, ὧν ἐστί τι ἔσχατον καὶ πρότερον, ἀναγκαῖον εἶναι τὸ πρότερον αἴτιον τῶν μετ’ αὐτό. εἰ γὰρ εἰπεῖν ἡμᾶς δέοι τί τῶν τριῶν αἴτιον, τὸ πρῶτον ἐροῦμεν· οὐ γὰρ δὴ τό γ’ ἔσχατον, οὐδενὸς γὰρ τὸ τελευταῖον· ἀλλὰ μὴν οὐδὲ τὸ μέσον, ἑνὸς γάρ (οὐθὲν δὲ διαφέρει ἓν ἢ πλείω εἶναι, οὐδ’ ἄπειρα ἢ πεπερασμένα). τῶν δ’ ἀπείρων τοῦτον τὸν τρόπον καὶ ὅλως τοῦ ἀπείρου πάντα τὰ μόρια μέσα ὁμοίως μέχρι τοῦ νῦν· ὥστ’ εἴπερ μηδέν ἐστι πρῶτον, ὅλως αἴτιον οὐδέν ἐστιν.

  A causa formal deixa-se enunciar por Aristóteles de diversas formas. Esta aqui presente é das mais completas. O quê que já era o que era, que antes de qualquer ente chegar à existência ou antes de o vir a ser era compreendido quanto ao que era e ao que era preciso ter para ser o que é.

Podemos perceber que com a excepção da causa final, a material e a eficiente não podem definir a essência de um ente, a não ser de forma derivada. Em que sentido é que podemos reduzir qualquer uma das outras causas ao seu sentido formal? Ao definirmos uma causa não estamos a fazê-lo do ponto de vista formal?

Quando dizemos que carne consiste em terra, esta em ar e este em água. A carne é formada por proteínas, gorduras e água. A carne pode ser animal ou humana, e a animal diferente em cada espécie e anatomia. A determinação da matéria admite graus de precisão. Mas o mesmo se passa com a determinação eficiente. Pode haver afecções acessórias ou acidentais ou casuais. Pode haver afecções essenciais: a possibilidade radical de ser-se afectado pelo próprio potencial que torna uma coisa naquilo que ela é. Ou seja, pode haver uma razão eficiente que actue essencial e estruturalmente sobre cada coisa.

A causa final pode descrever o que uma coisa é, normalmente como meio ou instrumento ou como o fim específico em vista do qual qualquer coisa é determinada antes mesmo de existir.

A pergunta o que é X requer uma resposta quê, o quê específico que define essencialmente uma coisa. O que é X ou qual é o seu quê? Um ente é definido pela forma de ser. Neste sentido é como se houvesse uma redução de um nome a um verbo. A maneira de ser específica de um ente é normalmente definida por um é X ou seja por uma predicação. Mas o que efectivamente se está a operar quando se diz de X que é X? Trata-se de uma simples nomeação? Alguém é de uma determinada maneira. Um animal é de uma determinada maneira. Uma peça de mobiliario é de uma determinada maneira: tem um determinado aspecto, uma dada configuração, reage e actua de determinada maneira é certo e regular ou não.

Excurso Analíticos Posteriores, 93a14.: ὥσπερ γὰρ τὸ διότι ζητοῦμεν ἔχοντες τὸ ὅτι, ἐνίοτε δὲ καὶ ἅμα δῆλα γίνεται, ἀλλ’ οὔτι πρότερόν γε τὸ διότι δυνατὸν γνωρίσαι τοῦ ὅτι, δῆλον ὅτι ὁμοίως καὶ τὸ τί ἦν εἶναι οὐκ ἄνευ τοῦ ὅτι ἔστιν· ἀδύνατον γὰρ εἰδέναι τί ἐστιν, ἀγνοοῦντας εἰ ἔστιν. τὸ δ’ εἰ ἔστιν ὁτὲ μὲν κατὰ συμβεβηκὸς ἔχομεν, ὁτὲ δ’ ἔχοντές τι αὐτοῦ τοῦ πράγματος, οἷον
Tal como procuramos saber qual é o porquê de qualquer coisa, quando sabemos que ela é, ou seja, sabemos que de facto existe— ainda que não saibamos o que é na sua essência ou por causa do quê é essencialmente o que é— por vezes ambas as estruturas tornam-se evidentes, δῆλα γίνεται, embora não se possa conhecer a razão de ser sem pelo menos saber-se que qualquer coisa existe. É evidente que de modo semelhante também não se pode conhecer o ser essencial de algo antes de saber que esse algo existe, mesmo sem se conhecer a sua essência. Acontece por vezes que conhecemos qualquer coisa de forma meramente incidental dadas as circunstâncias em que primeiramente tomamos conhecimento dela, outras vezes, porém, sabemos, ἔχοντες algo de essencial da própria coisa ou do que a coisa é na sua identidade.

O exemplo tem Aristóteles é elucidativo: Sabemos que há trovões. O contacto estabelecido desde sempre entre nós e trovões identifica a circunstância acidental mas estável. Um trovão é um certo barulho nas núvens. Ou seja, identificamos a forma da manifestação acústica e a localização do barulho nas e proveniente das núvens. βροντήν, ὅτι ψόφος τις νεφῶν. Mas não saber qual é a razão de ser desse facto. O que é que está na base, qual é a causa desse barulho. Uma vez mais ser percebe que a causa eficiente é interrogada. O que está na base de produção do barulho nas núvens? Como é que o trovão vem a ter cabimento? Em tempestades ou em tempestades secas escutamos barulho proviendo das nuvens. Isso é um facto, mas que o produz?

Podemos também dizer o que é um eclipse da lua. É a privação da luz da lua. Mas o que provoca. Isso é um facto. Podemos também saber o que é um eclipse solar, uma privação da luz do sol e também um obscurecimento evidente resultante como efeito dessa causa, de desaparecimento da lua e do sol ou do seu tornarem-se invisíveis: ἔκλειψιν, ὅτι στέρησίς τις φωτός.

De forma mais complexa é a interpretação do que é um homem. Sabemos que há homens, e que os seres humanos são uma espécie de seres vivos. Enquanto tais, isto é, enquanto seres vivos, os humanos são algo que é vivo, animado e não se distingue de nenhum dos outros animais, diferentes géneros de seres vivos. ἄνθρωπον, ὅτι ζῷόν τι. Ou quando dizemos que a lucidez, a existência, ou a alma humana, a vida humana, é um acontecimento que se desdobra a partir de si em si: Move-se a si própria: a si a partir de si ou a si por si. A lucidez não é algo estigmático ou inextenso, mas antes um acontecimento multifacetado que se vê a ser movido, alterado, transformado e mudado por si mesmo e um acontecimento que move, altera, transforma e muda o seu próprio acontecimento. Muda-se de si por si. O que quer qeu isolemos como o que age e o que é agido, o que muda e o que é mudado é pensado neste desdobramento da lucidez constituída por si própria neste acontecimento: passivo, activo, médio: reflexivo, no interesse de si, vantagem e desvantagem, pergunta e resposta, transcurso temporal.
ψυχήν, ὅτι αὐτὸ αὑτὸ κινοῦν.

Mas concentremo-nos no exemplo de Aristóteles: quando temos ou sabemos algo do que qualquer coisa é, seja por hipótese deste modo: ὧν οὖν ἔχομέν τι τοῦ τί ἐστιν, ἔστω πρῶτον μὲν ὧδε·
Primeiro liga-se o eclipse a um determinado acontecimento, ἔκλειψις ἐφ’ οὗ τὸ Α. A lua é um ente, σελήνη ἐφ’ οὗ Γ. Há a hipótese de a terra se interpor entre a lua e o sol, ἀντίφραξις γῆς ἐφ’ οὗ Β.

A questão prende-se justamente com a formulação de B. Para se saber o porquê do eclipse da lua tem de se saber se acontece a hipótese da interposição da terra entre a lua e o sol, de tal sorte que tapa a luz solar que tira o brilho à lua e por sua vez a claridade obtida por deflexão na terra. τὸ μὲν οὖν πότερον ἐκλείπει ἢ οὔ, τὸ Β ζητεῖν ἔστιν, ἆρ’ ἔστιν ἢ οὔ. τοῦτο δ’ οὐδὲν διαφέρει ζητεῖν ἢ εἰ ἔστι λόγος αὐτοῦ· καὶ ἐὰν ᾖ τοῦτο, κἀκεῖνό φαμεν εἶναι. ἢ ποτέρας τῆς ἀντιφάσεώς ἐστιν ὁ λόγος, πότερον τοῦ ἔχειν δύο ὀρθὰς ἢ τοῦ μὴ ἔχειν.

ὅταν δ’ εὕρωμεν, ἅμα τὸ ὅτι καὶ τὸ διότι ἴσμεν, ἂν δι’ ἀμέσων ᾖ· εἰ δὲ μή, τὸ ὅτι, τὸ διότι δ’ οὔ.

σελήνη Γ,
ἔκλειψις Α,
τὸ πανσελήνου σκιὰν μὴ δύνασθαι ποιεῖν μηδενὸς ἡμῶν μεταξὺ ὄντος φανεροῦ,
ἐφ’ οὗ Β.

εἰ τοίνυν τῷ Γ ὑπάρχει τὸ Β τὸ μὴ δύνασθαι ποιεῖν (93b.) σκιὰν μηδενὸς μεταξὺ ἡμῶν ὄντος, τούτῳ δὲ τὸ Α τὸ ἐκλελοιπέναι, ὅτι μὲν ἐκλείπει δῆλον, διότι δ’ οὔπω, καὶ ὅτι μὲν ἔστιν ἔκλειψις ἴσμεν, τί δ’ ἐστὶν οὐκ ἴσμεν. δήλου δ’ ὄντος ὅτι τὸ Α τῷ Γ ὑπάρχει, ἀλλὰ διὰ τί ὑπάρχει, τὸ ζητεῖν τὸ Β τί ἐστι,

πότερον ἀντίφραξις
ἢ στροφὴ τῆς σελήνης (5)
ἢ ἀπόσβεσις.

τοῦτο δ’ ἐστὶν ὁ λόγος τοῦ ἑτέρου ἄκρου, οἷον ἐν τούτοις τοῦ Α·

ἔστι γὰρ ἡ ἔκλειψις ἀντίφραξις ὑπὸ γῆς.

O mesmo se passa a respeito do trovão. A hipótese interpretativa é que se trata da extinção de água ou de humidade nas núvens. Tal como um ferro em brasa quando mergulhado em água emite som ao extinguir-se assim também há um elemento húmido que extingue o relâmpago e cujo efeito é o lado acústico do barulho que faz ao apagar-se nas núvens. Τί ἐστι βροντή; πυρὸς ἀπόσβεσις ἐν νέφει. διὰ τί βροντᾷ; διὰ τὸ ἀποσβέννυσθαι τὸ πῦρ ἐν τῷ νέφει. νέφος Γ, βροντὴ Α, ἀπόσβεσις πυρὸς τὸ Β. τῷ δὴ Γ τῷ νέφει ὑπάρχει τὸ   B (ἀποσβέννυται γὰρ ἐν αὐτῷ τὸ πῦρ), τούτῳ δὲ τὸ Α, ψόφος· καὶ ἔστι γε λόγος τὸ Β τοῦ Α τοῦ πρώτου ἄκρου. Ἂν δὲ πάλιν τούτου ἄλλο μέσον ᾖ, ἐκ τῶν παραλοίπων ἔσται λόγων.
994a10-20: καὶ ἐπὶ τοῦ τί ἦν εἶναι δ’ ὡσαύτως. τῶν γὰρ μέσων, ὧν ἐστί τι ἔσχατον καὶ πρότερον, ἀναγκαῖον εἶναι τὸ πρότερον αἴτιον τῶν μετ’ αὐτό. εἰ γὰρ εἰπεῖν ἡμᾶς δέοι τί τῶν τριῶν αἴτιον, τὸ πρῶτον ἐροῦμεν· οὐ γὰρ δὴ τό γ’ ἔσχατον, οὐδενὸς γὰρ τὸ τελευταῖον· ἀλλὰ μὴν οὐδὲ τὸ μέσον, ἑνὸς γάρ (οὐθὲν δὲ διαφέρει ἓν ἢ πλείω εἶναι, οὐδ’ ἄπειρα ἢ πεπερασμένα). τῶν δ’ ἀπείρων τοῦτον τὸν τρόπον καὶ ὅλως τοῦ ἀπείρου πάντα τὰ μόρια μέσα ὁμοίως μέχρι τοῦ νῦν· ὥστ’ εἴπερ μηδέν ἐστι πρῶτον, ὅλως αἴτιον οὐδέν ἐστιν.

Nesta passo, percebemos claramente que Aristóteles procura apontar ao núcleo definível de um qualquer ente que corresponda à pergunta fundamental pelo quê que que qualquer coisa é. O sentido nuclear de qualquer coisa exclui o acessório e o acidental. Vai ao essencial. Podemos descrever qualquer coisa apenas apontando, mesmo que pormenorizadamente, às qualidades secundárias, à realidade aprensentada pela notícia sensorial. E, no entanto, não dizer o que uma coisa é. O que uma coisa é, é então definida pela sua αἰτία no sentido em que responde à pergunta pela petição do que é. Dizer a sua causa é responder à razão de ser da demanda.

O mais das vezes e primariamente encontramo-nos na situação de ter as coisas respondidas ou feitas corresponder ao seu quê.

994a10-20: καὶ ἐπὶ τοῦ τί ἦν εἶναι δ’ ὡσαύτως. τῶν γὰρ μέσων, ὧν ἐστί τι ἔσχατον καὶ πρότερον, ἀναγκαῖον εἶναι τὸ πρότερον αἴτιον τῶν μετ’ αὐτό.

Ao dizermos o que uma coisa é, dizemos o que lhe está na base como razão de ser essencial. O que essa coisa primeiramente é: Se considerarmos diversos estados no processo de desenvolvimento de um X, por exemplo, um ser humano singular que existe como indivíduo e que não é plural nem outros seres individuais, dizemos que é uma pessoa. Pode ser homem ou mulher, jovem ou de idade, desta ou daqueloutra etnia, com todas as características identificadas por um documento de identificação. Mas nenhuma delas diz o que é uma pessoa, o que faz, como se comporta, classe, estado, quem é quem. Aristóteles aponta para o encadeamento de diversas fases do processo de desenvolvimento de uma coisa que é, de um determinado ente, e diz que as do meio pressupõem sempre um estado anterior e um estado ulterior. Mas a causa primeira não é um momento primeiro no encadeamento das fases de desenvolvimento do que quer que seja, do mesmo modo que o derradeiro estado de desenvolvimento de alguém ou de algo pressupõe um estado de inexistência desse alguém. O último momento de existência pressupõe o primeiro momento do não ser já de algo ou de alguém, pensado como corrupção ou desintegração do seu ser.

O que primeiramente é causa corresponde à definição formal do aspecto essencial com que qualquer coisa nos surge na sua essência. Assim, ser homem, não é nem apenas esperma e óvulo, não é ovulação, concepção, desenvolivmento do feto, nascimento do recem nascido, criança, adulescente, adulto, etc., etc.. é o que de algum modo é visado nisso tudo como operador que permite antecipar essas fases de desenvolvimento.

Do mesmo modo que ser mesa, ser cadeira, não é ter um aspecto físicio determinado, mas é o que esses entes oferecem, o modo como podem ser intervencionados, o forma multifacetada como podem ser utilizados nas mais diversas circunstâncias, o que activamente oferecem. Tudo isso implica a leitura do núcleo duro da função que oferecem quando activada por quem os usa. Essa leitura atinge o nervo da essência que faz ser desa coisa uma coisa que é essencial.

οὐ γὰρ δὴ τό γ’ ἔσχατον, οὐδενὸς γὰρ τὸ τελευταῖον·
Não é nem a a última: porque a última fase de desenvolvimento ou de existência de um determinado ente não está na base de nada que continue num estado de coisas que é, antes antecipa o fim e o princípio do fim já não é nenhum momento do ser de algo, ou então, é a transformação de um sentido em que uma coisa é no sentido em que essa coisa não é.

ἀλλὰ μὴν οὐδὲ τὸ μέσον, ἑνὸς γάρ
Mas também não é nada que esteja a ser numa das fases de desenvolvimento ou do processo de ser ou subsistência de algo. Aristóteles aponta para um meio qualititativo. Não se trata do momento temporal que existe entre a quantidade de tempo que passou desde que uma coisa começou a ser até à quantidade de tempo igual que há-de passar até que essa coisa dure. O meio pode ser qualquer fase depois de qualquer coisa começar a ser e antes que essa mesma coisa termine. Trata-se de uma definição qualitativa. Qualquer momento ôntico é candidato a ser um momento do meio. A sua definição ou circunscrição abstracta: criança, jovem, adulto, etc., etc., implica que é causa apenas de uma situação que pode ser definida como uma das muitas em que um ser vivo da espécie humana está a ser. Uma fase está na base de outra: ἀλλὰ μὴν οὐδὲ τὸ μέσον, ἑνὸς γάρ

Neste sentido não faz diferença alguma se se trata de uma única fase intermédia ou de uma pluralidade delas e no caso de se tratar de uma pluralidade deleas, é indiferente saber se é limitada ou desprovida de limite: (οὐθὲν δὲ διαφέρει ἓν ἢ πλείω εἶναι, οὐδ’ ἄπειρα ἢ πεπερασμένα).

A consideração de uma mulitplicidade de partes que compõem uma coisa podem ser pensadas como auto-inclusão das partes das partes, e destas integrando partes de partes de partes até ao infinito. Ao mesmo tempo há um processo de exclusão de elementos que não fazem parte de determinadas partes. Se isolarmos numa mesa o tampo e as pernas, podemos perceber que as partes do tampo, a madeira e a sua estrutura molecular, uma mulécula e a sua estrutura atómica e subatómica não fazem parte das partes das pernas da mesa, que podem ser como as da sala de aula de metal e com uma estrutura molecular e atómica diferente. Mas quando penso o tampo da mesa como tampo da mesa não penso como um rectângulo de madeira e quando penso na estrutura molecular da base da mesa não penso nas “pernas da mesa” como prismas rectangulares de metal cinzento.

Por outro lado, podemos pensar nas fases do processo de fabricação de uma mesa: abate de uma árvore, fabricação de uma tábua com uma determinada dimensão, fusão dos metais numa determinada estrutura, ligação entre uma estrutura metálica e uma outra de madeira, transporte da mesa para uma grande superfície, a sua compra, deslocação do local de compra para a faculdade, para a sala de aula, a sua subsistência ao longo de todos esses momentos, a uma determinada distância, com determinadas funções nas vidas das pessoas que se encontraram com esta mesa, etc., etc.. As fases ilimitadas estão já integradas e incluídas no que uma coisa é. Uma coisa é justamente o que é mesmo na sua multiplicidade aparente tal como é até aqui. A história de uma mesa é a história da sua manutenção e preservação até ao momento em que não está degradada e não se desintegrou, continua a poder ser utilizada.  τῶν δ’ ἀπείρων τοῦτον τὸν τρόπον καὶ ὅλως τοῦ ἀπείρου πάντα τὰ μόρια μέσα ὁμοίως μέχρι τοῦ νῦν·

A conclusão é: ὥστ’ εἴπερ μηδέν ἐστι πρῶτον, ὅλως αἴτιον οὐδέν ἐστιν. Quer dizer do ponto de vista estático podemos perceber que o processo de fabricação e os estados num processo de fabricação de algo têm já um quê formal que define todos os materiais intervenientes, os escolhe, todos os instrumentos que os trabalham e fases de envolvimento de uns com outros na fábrica de mesas ou na carpintaria, etc., etc.. O mesmo se passa quando pensamos num ser vivo. Quando ouvimos notícias de recem nascidos serem abandonados, pensamos logo no seu serem humanos, terem tido pais, que se encontraram biológicamente de forma directa ou indirecta, que foram concebidos, gerados. Antecipamos-lhe uma vida em geral, hipóteses e oportunidades ou então vidas difíceis, etc., etc.. Esta antecipação baseia-se no substrato vital que faz de um recem nascido anónimo um ser humano na sua essência. Descobrimo-lo já a ser posto numa relação com outros num ser com outros que o abandonaram, que o descobriram, que o acolheram: numa relação com o meio ambiente: se estava bem vestido e tratado, onde foi encontrado, se para ser visto ou para ser escondido, se foi deixado para viver ou para morrer, na sua relação consigo: nas hipóteses que tem contra todas as circunstâncias e condições, etc., etc..
τῶν δ’ ἀπείρων τοῦτον τὸν τρόπον καὶ ὅλως τοῦ ἀπείρου πάντα τὰ μόρια μέσα ὁμοίως μέχρι τοῦ νῦν· Tal como até aqui no princípio e no fim, independentemente da “make up” necessária para que algo seja a unidade da multiplicidade que a compõe e independentemente da metamorfose que admite consoante o ser que é. Ou seja, a transformação que vemos operada na degradação, preservação e manutênção de uma qualquer coisa, o esgotamento e a deterioração de bens alimentares, é diferente do modo como o estado de saúde de um ser humano se altera. Em todos os casos Aristóteles pensa formalmente na possibilidade de uma multiplicidade indefinida ser provida de limite e que a causa primária responsável pelo ser de todos os momentos durante os quais algo existe é um núcleo duro, um substrato que subsiste e que existe durante o tempo em que integrar cada novo instante com o anterior com a consistência idêntica que tinha no princípio antes mesmo de começar a ser.

Ross ad loc.: Aristotle is assuming throughout this section a present effect whose cause is being sought for. 

TEMAS DE FILOSOFIA ANTIGA. 3ª SESSÃO. HANDOUT

3ª sessão. Handout. 19 de Feveiro, 2019 Sen. Ep. 58. 6.  Quomodo dicetur ο ὐ σία res necessaria , natura continens fundamentum o...