segunda-feira, 28 de maio de 2012

Contemporânea, 18. Protocolo (TOMAZ FIDALGO)


18ª aula Filosofia Contemporânea

Última aula: introdução da 3ª forma de tédio.

Parágrafo 38 do Vol 29/30

O que é que está em causa na ideia de método na fenomenologia de Heidegger? Tentativa de mudança de perspectiva relativamente à habitual.
A mudança da aproximação analítica (por exemplo Frege) perspectiva uma captação dos objectos tentando neutralizar o sujeito --ex. descrever cidades sem um ponto de vista. Captar o que acontece de uma forma objectiva, como se não estivesse ninguém a ver. Mas nós não conseguimos ter acesso a nada sem uma perspectiva, nunca conseguimos ter um acesso que não é o nosso. É difícil pensar que a nossa perspectiva não contamine o em si das coisas. O primeiro ponto passa pela compreensão de que tudo é para mim.
Radicalizar a dificuldade para se perceber quais são as condições do acesso. No parágrafo 38 tenta-se fazer o acompanhamento do acesso não só no acompanhamento da disposição, mas no acordar dela. A ligação explícita do método tem que ver com o grego μέθοδος -- fazer caminho juntamente com, fazer caminho acompanhado desse percurso, percurso esse sem o qual não posso chegar. A partir do momento em que se deixa de aplicar o método ele deixa de existir. Não anulabilidade da nossa relação com o percurso. O processo do pensamento em causa na analítica existencial temporal do Dasein é uma forma de acordar a dimensão obscura do tempo através de uma disposição.
Não se trata de uma análise das disposições como se fossem sentimentos ou emoções, mas de apontar para o isolamento da disposição, para que possa haver uma elaboração do seu próprio sentido a partir da raiz que faz nascer as disposições e que se trata da proto-estrutura (Ur Struktur) da vida. O modo como nós estamos é uma forma de acontecimento que alarga à totalidade do acontecimento da vida, erradia de um determinado centro, mas toca tudo. Tonaliza não apenas do ponto de vista emocional ou afectivo, mas toda a nossa temporalidade. Corresponde à possibilidade de descer ao olho do furacão, onde está a calma. O que nós temos de fazer é uma tentativa de compreensão de uma situação de alastramento total de tédio, de forma a que se procure ver de que modo o acontecimento do tédio deste modo não me dá a conhecer mais pessoas, nem nada do género, mas sim um alastramento que condiciona tudo o que tem que ver comigo. Cria em nós a compreensão do sentido a esvaziar-se (ainda não se esvaziou). É esse esvaziar que anula todas as ocupações e esvazia o sentido de todas as coisas que geralmente faço com a maior alegria e das  pessoas que conheço.

Ponto a),pág. 243. A emergência no seu todo. Modificação do todo, no todo, através de si mesmo. Modifica tudo, tudo o que fazemos --acordar, o deitar, conversar, ir à praia, etc.. É no interior maciço da totalidade que se dá por este acontecimento. A aflição essencial da vida de hoje em dia, enquanto situação que nos deixa no vazio através de um tédio profundo e determinado. O tédio tem lugar naquele tempo da nossa vida -- o que está a ser determinado é a qualidade do momento da nossa vida, e não se é na Austrália, China ou Portugal.
Estamos a perspectivar um tédio profundo que alastra à totalidade dos acontecimentos e tem como origem a nossa própria vida. Desactiva toda a actividade de tempos livres e deixa-nos entregues ao seu vazio. Forma de acontecimento que permite analisar a vida fora do sentido. O tédio é começo da filosofia. O sentido fica esvaziado porque há uma interrogação pela própria vida. A vida dá-se a ver na ausência do preenchimento do seu sentido com ocupações. Nessa alturas vemos a vida como um ponto de vista que vê as próprias coisas da nossa vida, mas como se não fosse eu a ver, como se eu tivesse deixado lá os olhos a ver, mas contudo não estou lá. Por isso é que se esvazia o sentido.
O lado positivo deste tédio, que acontece num abrir e fechar de olhos, um piscar de olhos (Augenblinken), é um fenómeno de abertura. O tédio abre um sentido que habitualmente está escondido. Quando aparece trás indicações acerca da nossa vida. O que está em causa é uma determinação do enigma que nos faz ver esvaziamento e paralisia do tempo da nossa vida. A ἀλήθεια, como destapar e não destapar, corresponde à forma peculiar do acontecimento cognitivo, ou a forma como os disposições nos acontecem. Esta forma de abertura acontece num piscar de olhos. Como é que se dá este acontecimento? Há um esmagamento claustrofóbico que nos deixa entre um já não e um ainda não, e agora estamos parados num tempo que não tem configuração de sentido.

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Hingehaltenheit, leergelassenheit, etc. Como pode o abrir e fechar de olhos acontecer? Como pode ser este Augenblinken para que possa acontecer concomitantemente a abertura de um sentido e a aflição? A mesma situação que não se aguenta traz consigo o possibilitante. Como? E o que vem a fazer isto? o que é isto que surge ao humano como Dasein enquanto tal?  O Tédio apresenta a minha vida como gerundivo (tem de ser feito) e por isso uma obrigação de futuro. Qual é o "por ser"? O que o tédio mostra é que o alongamento do tempo o esvazia e não nos deixa entrar nele. O que está em causa é um saber (Wissen). O Augenblinken abre para um saber. O que está em causa só pode ser compreendido quando a vida me pisca os olhos a mim, e só a mim. Não é um Wissen para toda a gente, é algo que a vida me dá quando me pisca o olho. É um saber sobre a minha vida. O que está em causa não é resolver o assunto, mas tratar de mim. Eu tenho de estar nesse ponto insuportável da abertura do olhar -- é esta a perspectiva da filosofia. É neste ponto que se tem o autêntico possibilitante. A possibilidade da impossibilidade da minha vida -- é isso que está a vibrar no tédio. O único objecto apresentado é um ter de ser que me está a por na projecção de mim a ter de preencher sentido e tempo. O carácter do tédio não abre para uma ocupação, uma qualquer, mas para uma modificação da configuração do meu próprio sentido. Ou seja, uma mudança do modo. Nós não conseguimos captar a extensão deste vazio e registar este tédio profundo como um facto. Ele é irreal, e contudo surte efeito. Esta é a característica fundamental acerca do ser da vida -- não é um conteúdo real, mas o "a ser" na tensão de um "a ser" no futuro, cujo sentido não está num quid, mas num modo de ser.  Só neste ângulo se anula o carácter absoluto em que eu me encontro e  por isso só este ângulo me põe de forma excêntrica fora da minha vida, ao ponto de perceber que não tem a ver com este ou aquele objecto, mas com o modo da vida.
Heidegger diz que faz teologia cristã, porque corresponde à transição do fenómeno da teoria para a concentração na vida como verdade e caminho. O que está em causa é o fenómeno mais radical da modificação do modo de vida. O que está em causa em S. Paulo como em Heidegger é uma modificação da vida enquanto tal. Uma conversão. Uma afectação com repercussões para toda a vida que se dá num só instante de tédio. Foi esse momento que me configurou na totalidade da minha vida. São momentos em que a vida está em crise e surgem possibilidade de resolver -- e nós somos os herdeiros dessas escolhas. O que está em causa em S. Paulo é a transformação da vida: o que começa a esvaziar-se quando saímos da barriga da nossa mãe transforma-se numa vida que é eterna.

Epistola ao Coríntios. Um pouco depois do cap. 13, da descrição da ἀγάπη, descrita como uma borla de Deus que configura a vida de uma forma radical e extrema.
A ἀγάπη jamais cai ou jamais deixa cair. As profeceias serão desactivadas, as linguas serão desctivadas, a γνῶσις será deixada cair. Nós apenas perspectivamos a partir da parte. É a partir da parte que vemos. Mas quando chegar o que torna completo, tudo o que é parcial há de ser destruído. Quando eu era pequenino eu falava como uma criança e pensava como criança e previa como criança. Quando me tornei homem eu destrui o que era de criança. Estamos a olhar através de um espelho e de um enigma. Mas quando chegar o que completa eu conhecer-me-ei a mim, melhor, tal como sou conhecido por Deus.
Descativação completa da forma normal da nossa vida. Espargata entre as partes (μέρα) e o totalizante (τέλειον). Quando estamos a ver as partes estamos a ver o que está a falhar, mas ainda assim está a ser posto na sua ausência. Nós vemos através de um espelho -- vemos todas as coisas através de qualquer coisa que está entre nós e elas. É isso que corresponde ao enigma. A perspectiva da conversão implica que eu não vejo as coisas em si, mas por um espelho, implica perceber que entre o si em mim e as coisas existe um ecrã que me sincroniza com todas essas coisas. Nenhuma coisa é sem mim -- é a perspectiva do espelho -- mas eu não sou suficiente para ver as coisas. Nós não vemos nada fora do espelho, mesmo quando estamos a ver o espelho como espelho. Todas as coisas podem ser vistas por mim se eu estiver a ver ao espelho e a pô-las a ser. Mas quem é que me põe a mim à frente do espelho? A sincronização não é nem eu nem as coisas, mas eu a ser com as coisas. Mas quem é que me põe a ser com as coisas? A relação da visão com as coisas vistas implica uma compreensão da visão que acende as coisas e as põe a ser para mim como peças da minha vida. Todas as pessoas são determinadas por esta perspectiva de espelho. O em si das coisas é irrecuperável para nós. Não há nada que não seja no para mim. Eu acredito que existam as coisas em si, mas a sua sincronização comigo é que as permite estar a ser. O esvaziamento de sentido é que justamente abre, pela primeira vez, para as coisas em si. O em si determinado pelo esvaziamento do para mim. Mas, no fundo, é um para mim de segunda ordem. Apaga a perspectiva da minha vida. É isso que permite olhar pessoa a pessoa, como diz S. Paulo. O que está a ser visado é o possilitante que permite ver em cada pessoa o que ela é. Nessa altura eu vejo-me a mim da perspectiva da possibilidade que a faz ser. Eu passo a estar exposto à vinda do pleno, do perfeito, do possibilitante, que me conhece porque me fez. Possibilidade radical de eu ser aquilo que efectivamente sou. Quando acontece esta forma particular de disposição, eu saio do enigma. Aí passo a estar exposto à abertura que me diz como é que comigo. E nessa altura o meu rosto é o rosto da disposição.
A forma de acontecimento do tempo no tédio é a do instante -- dura um abrir e fechar de olhos, um instante que fulmina. Mas não dura um instante porque marca. Passa a ser algo visto como irrepetível. Passa a ser visto o carácter irrepetível da nossa vida -- o que marca é a morte. Eu passo a ser posto na totalidade de mim no possível em tensão com a impossibilidade de mim.
O que está  ser descrito é uma forma de acontecimento sem a qual nada do que ocupa a minha vida tem sentido, ou seja, tudo é vazio. O que está em causa é o φιλοσοφεῖν como forma de interpretação de todos os acontecimentos e momentos da minha vida. Tudo isto com o fenómeno compulsivo e obsessivo da transparência -- uma forma de acontecimento que me põe em causa a mim sempre. Eu percebo no impacto da ἀγάπη a anulação do carácter do eu que sou exclusivo da existência e tenho possibilidade de ver o outro e estar com o outro --  descubro isto quando me vejo a mim e a ele como caminhando para a morte. O que sucede neste reconhecimento é uma descrição que acontece no encontro da ἀγάπη no outro, na realização do "ama o próximo como a ti próprio". Eu vejo o outro como a vida. O que eu vejo dele é a vida. O que está a ser descrito é eu ser visto por esse olhar que me põe a ser.
Eu não faço a pergunta pelo sentido do ser -- ela surge-me . O que está em causa é uma experiência, e não uma pergunta académica. O ser é que traz até mim a interrogação de que eu sou o fiel depositário.
É a ἀγάπη que me tem a mim. Ela não envergonha, não procura o amor próprio, não provoca, não calcula o mal para o fazer, acredita em tudo, acredita na verdade, resiste com paciência a tudo.... Personificação da ἀγάπη. Eu estou a por a forma do meu acontecimento como efeito de um agente da passiva que me põe a ser de tal forma. A possibilidade deste acontecimento implica a compreensão do sentido que me apresenta como princípio de fundamento. É o sentido que me põe a ser. O que está a ser descrito altera disposicionalmente a minha própria vida. O reconhecimento do outro não é cognitivo, mas como susceptível de amor, como possível de ser amado, e que implica uma compreensão de mim como susceptível de amor de Deus (isto não tem nada a ver com o cogito). Mas isto implica uma obra de graça. Dá-se-me a ver que eu sou susceptível do amor de Deus, e é isto que me permite perceber os outros como susceptíveis de amor. Eu vejo sempre o outro como modo de ser, como forma de acontecimento, como agente que opera a passagem do tempo -- anulação do primado teórico no reconhecimento do outro. Depois percebo-o como uma onda, um clima. E depois percebo que a sua disposição fundamental é a sua tensão para a morte -- o que está em causa é a descoberta do outro como ser para a morte, que é concomitante com a minha descoberta como ser em tensão com a morte. É esta possibilidade extrema do não que abre para o reconhecimento dos outros como outros que estão a ir comigo como ondas de uma única forma de acontecimento ( e por isso como susceptível de amor de Deus).
O aspecto da problematicidade ontológica poder ser determinado por fenómenos da religião, mas a certidão de nascimento dos fenómenos de problematicidade dá a possibilidade de eles alastrarem à totalidade da vida -- crises religiosas ou afectivas são formas críticas de alteração do modo de nós vermos as coisas.
Tenta-se mostrar o carácter violento destes acontecimentos. É nele que se dá  possibilidade de fixação do próprio sentido. Tentativa de despertar uma disposição fundamental que corresponde à filosofia. Nessa tentativa descobrimos que as perguntas por mim, pelos próximo e pelo mundo em que estou não são três perguntas diferentes, mas uma só pergunta. Eu, os outros e o mundo encontramo-nos de forma completamente estruturada no tempo, e por isso dependemos do contacto com o sentido. A pergunta pelo sentido vem ter comigo e alastra-se de forma incontrolável pela minha vida. De tal forma que o tédio, a solidão e a finitude são as características fundamentais da nossa vida.  A essência do tempo é a raiz destas três perguntas. Esta expansão da solidão, da minha finitude em não saber como posso ser no tempo é o mundo. O mundo não é o que estudam as ciências, mas isto.
Como é que o Dasein pode ser posto a ser no seu todo? O que é que está a funcionar quando este "no seu todo" me aflige na sua totalidade? Nós designamos esta extensão do "no seu todo", aquilo que se manifesta no tédio profundo como mundo. O mundo não é a res extensa, o mundo é tão irreal como a projecção do tédio que me põe a ser no vazio de sentido e na finitude do meu saber como reagir a isso. Como ser num mundo vazio de sentido? Só perante esta disposição fundamental perguntamos o que é o mundo. Só quando a totalidade das coisas surgem numa situação em que tudo está na ausência de transição no "por ser", quando está posta de lado a possibilidade de obliteração do tempo.

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