quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Telecomunicação e Telepatia em São Paulo. Lido na FCSH para o Núcleo de Estudantes Católicos da Nova

Telecomunicação e Telepatia em São Paulo.
Lido na FCSH para o Núcleo de Estudantes Católicos da Nova

A Epístola aos Gálatas ou, melhor, às comunidades da Galácia,⁠1 uma das primeiras do Apóstolo datada entre 55 e 60 D.C. é redigida bastante tempo depois da data provável do acontecimento fundamental da sua vida na estrada para Damasco cerca de 34. Lemos logo nas primeiras linhas a sua apresentação, como é sempre seu costume: 

Gal. I.: (1.) Παῦλος ἀπόστολος, οὐκ ἀπ’ ἀνθρώπων οὐδὲ δι’ ἀνθρώπου ἀλλὰ διὰ Ἰησοῦ Χριστοῦ καὶ θεοῦ πατρὸς τοῦ ἐγείραντος αὐτὸν ἐκ νεκρῶν, (2.)  καὶ οἱ σὺν ἐμοὶ πάντες ἀδελφοί, ταῖς ἐκκλησίαις τῆς Γαλατίας· (3.)  χάρις ὑμῖν καὶ εἰρήνη ἀπὸ θεοῦ πατρὸς ἡμῶν καὶ κυρίου Ἰησοῦ Χριστοῦ,  (4.)  τοῦ δόντος ἑαυτὸν ὑπὲρ τῶν ἁμαρτιῶν ἡμῶν ὅπως ἐξέληται ἡμᾶς ἐκ τοῦ αἰῶνος τοῦ ἐνεστῶτος πονηροῦ κατὰ τὸ θέλημα τοῦ θεοῦ καὶ πατρὸς ἡμῶν, (5.) ᾧ ἡ δόξα εἰς τοὺς αἰῶνας τῶν αἰώνων· ἀμήν.

“Paulo, apóstolo⁠2, isto é, enviado como embaixador e mensageiro, com valor de particípio perfeito, não a partir dos humanos (plural) nem através de nenhum homem (singular)  mas através de Jesus Cristo e de Deus pai que o ressuscitou dos mortos.” Gal. I,1. A seguir transmite a mensagem que foi incumbido de entregar:  “A graça e a paz esteja convosco, a partir de Deus nosso pai e do senhor, Jesus Cristo, que se entregou pelos nossos pecados para que nos livrasse a nós desta vida em vão e precária, determinada inexoravelmente desde sempre à partida pelo fim do seu tempo: de acordo com a vontade de Deus que também é o nosso pai, a quem pertence a glória, para que nos libertasse para a vida que é para sempre e cria continuamente o tempo dos tempos em que é tempo.”

O que São Paulo nos diz é claro: é um embaixador, foi enviado com uma mensagem. Para desfazer equívocos diz de onde não vem: não é embaixador de nenhum ser humano, não foi enviado por (nem com a ajuda de) nenhum ser humano. Nenhum ser humano é seu meio ou instrumento. Contrariamente, diz afirmativamente quem o enviou: Deus Pai, se lermos o genitivo com regência da preposição: ἀπό e que foi enviado através de Jesus Cristo, em genitivo regido pela preposição “διά”: o modo como vem, o caminho que percorreu, o meio ou instrumento, se assim se pode dizer. 

O conteúdo da mensagem é a graça e a paz esteja convosco: χάρις ὑμῖν καὶ εἰρήνη . Parece apenas um bordão. Faz parte das regras de etiqueta epistolar. É o que escrevemos: “espero que esteja tudo bem”. Ou então quando nos despedimos de alguém, dizemos na nossa língua: “vai ou fica em paz”. Os gregos tinham essa uma saudação idêntica quando se encontravam: χαίρε! que exprime a expressão do prazer que temos em ver alguém ainda que o imperativo seja uma exortação: que te possas regozijar, que a graça esteja contigo. Nas cartas, Platão escreve sempre a Dionísio, o seu destinatário: Πλάτων Διονυσίῳ εὖ πράττειν, 309a1: Platão deseja a Dionísio um passar bem. Os latinos dizem: salue: que tenhas estado a salvo e perseverado ou uale: força, saúde.

Porém, a χάρις e a εἰρήνη aqui em causa não expressam a disposição do remetente Paulo aos seus destinatários. E mais: é certo que a carta tem conteúdos concretos e complexos que configuram os temas fundamentais da teologia paulina: a diferença radical entre fé e lei, a discussão da obrigação de circuncisão e a proibição de comer oferendas sacrificiais, a oposição entre o corpo como carne e a vida como espírito, pecado e redenção, dormir e acordar, morte e ressurreição.⁠3 

Se não houvesse mais nenhuma linha escrita por Paulo, nem mais nenhuma epístola de São Paulo, verificaríamos que estas linhas são são enigmáticas. Elas convertem o que dizemos por etiqueta ou só da boca para fora: no próprio conteúdo da carta. Quer dizer, convertem a saudação no próprio conteúdo da mensagem. E só não acharíamos estranho, porque há cartas que escrevemos ou mensagens que enviamos a dizer apenas: “espero que esteja tudo bem contigo”.

Mas estas linhas não podem deixar de nos causar perplexidade. É que não é Paulo que deseja na primeira pessoa, se assim se pode dizer, a Graça e Paz aos Gálatas. Paulo é mero transmissor da mensagem. Esta Graça e esta paz são enviadas exclusivamente por Deus, nosso pai e Jesus Cristo nosso senhor. Mais: elas apenas são configuráveis por Deus e em Deus através de Jesus. 

Paulo não está a transmitir uma mensagem de alguém de outrem. Ninguém no mundo, nenhum ser humano pode dar aquela graça e fazer aquela paz. Deus está absolvido das gerações de gerações de seres humanos e comunica telepaticamente se assim se pode dizer à distância absoluta do humano com Paulo. O conteúdo: a graça e a paz vêm do alto, ou do fundo, do exterior absoluto ou da interioridade total: de cima para baixo ou de baixo para cima de fora para dentro ou de dentro para fora: não importa a localização mas acontecem numa dimensão que esteve indisponível até à paixão de Cristo e até à compreensão do seu conteúdo transmitido directamente em contacto com Jesus a Paulo que o vê ao vivo e a cores em carne e osso. 

Peter Sloterdijk descreve o discurso apostólico precisamente a partir deste passo. A comunicação é uma telecomunicação no sentido etimológico do termo, e é telepática. 

“Diese midiumistische Wendung bedeutet nichts anderes, als Dass der Apostel in einem ontologischen Subjektwechsel austauscht. Dies hat Kierkegaard gesehen, wenn er seinen Paulus sagen läßt, ‘dass Gott selbst… der Sprechende ist.” (20.)  ζῶ δὲ οὐκέτι ἐγώ, ζῇ δὲ ἐν ἐμοὶ Χριστός: Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim.⁠4 

Paulo é constituído mensageiro de um conteúdo que não é humano. É embaixador de um reino que não está disponível ao humano. O conteúdo é apresentado de diversas modos: aqui graça e paz, aspectos fundamentais do que é designado por evangelho: τὸ εὐαγγέλιον, a boa nova, ou ἐπαγγελία, a promessa. Mas este possibilitante não é um conteúdo do mundo nem da vida humana se assim se pode dizer. Não é de todo em todo um conteúdo: é uma outra forma radicalmente diferente de vida. Implica uma metamorfose e uma transfiguração do horizonte tal que fôssemos metamorfoseados e transfigurados nesse e por esse horizonte. 

Em I, 11: lê-se: “eu dei-vos a conhecer, irmãos, a boa nova que [vos] foi transmitida por mim: é que ela não é segundo o humano. I, (11.)   Γνωρίζω δὲ ὑμῖν, ἀδελφοί, τὸ εὐαγγέλιον τὸ εὐαγγελισθὲν ὑπ’ ἐμοῦ ὅτι οὐκ ἔστιν κατὰ ἄνθρωπον·” E prossegue: “porquanto nem eu a recebi junto de nenhum ser humano, nem me foi ensinada por nenhum humano, mas pela própria revelação de Jesus Cristo.”  (12.) οὐδὲ γὰρ ἐγὼ παρὰ ἀνθρώπου παρέλαβον αὐτό, οὔτε ἐδιδάχθην, ἀλλὰ δι’ ἀποκαλύψεως⁠5 Ἰησοῦ Χριστοῦ.”

ἀπο-κᾰλύπτω, aor. 2 Pass. -καλύφην CPR1.239.5 (iii A.D.): 2. disclose, reveal, τόδε τῆς διανοίας Pl.Prt.352a; τὴν τῆς ῥητορικῆς δύναμιν Id.Grg.455d, cf. 460a:—Med., reveal one's whole mind, Plu.Alex.55,2.880e:—in Pass., LXX1 Ki.2.27, al.; ἀποκαλύπτεσθαι πρός τι let one's designs upon a thing become known, D.S.17.62, 18.23:—Pass., to be made known, Ev.Matt.10.26, etc.; of persons, 2 Ep.Thess.2.3,6,8, etc.; 

Com efeito: “foi decidido por quem me tirou do ventre de minha mãe: chamar-me a si por obra da graça e revelar-me o seu filho: o filho de Deus dentro de mim para que fosse dar a boa nova aos povos: (15.)  ὅτε δὲ εὐδόκησεν ὁ ἀφορίσας με ἐκ κοιλίας μητρός μου καὶ καλέσας διὰ τῆς χάριτος αὐτοῦ (16.) ἀποκαλύψαι τὸν υἱὸν αὐτοῦ ἐν ἐμοὶ ἵνα εὐαγγελίζωμαι αὐτὸν ἐν τοῖς ἔθνεσιν. 

A revelação faz descobrir Jesus Cristo: genitivo objectivo, é operada por Deus. Há um duplo conteúdo na revelação: aquilo por que passou Jesus, a vida de Jesus, e o chamamento, a convocação de Paulo para a missão de o comunicar. Como comunicar o que é impossível para a perspectiva humana? Como aceder ao que é impermeável ao ponto de vista humano? Mesmo acreditando nesse contacto directo telecomunicativo e telepático de Deus com Paulo, como poderá Paulo transmiti-lo? Como pode dizê-lo? Terá de tornar presente o absolutamente ausente, terá de provocar a própria presença do sentido que não tem referente, é exterioridade opaca ou invisível. Como é a comunicação possível entre Paulo se não houver a própria metamorfose de Paulo em Cristo, se não houver esse encosto mediúnico em que a presença viva do espírito pede de empréstimo a vida de outro para nela se incorporar, nela encarnar, e dizer de si? 

Esta revelação qualifica a natureza da libertação da condição precária de vida que é em vão. Paulo relata como vivia o seu judaísmo ao extremo: ἀναστροφή, como fariseu, e perseguia com zelo excessivo a igreja que agora proclama para a destruir. A Epístola aos Gálatas é escrita dezasseis a vinte anos depois da chamada conversão de Paulo. Pelo próprio punho, diz-nos o Apóstolo que, depois de três anos passados em partes da Síria e da Cilicia, em missão de evangelização, foi até Jerusalem, de acordo com a revelação: (2.) ἀνέβην δὲ κατὰ ἀποκάλυψιν. 

Aí, conferenciou com os outros apóstolos no que ficou conhecido para a história como o concílio de Jerusalem. Deu a conhecer o conteúdo da sua missão evangélica para soubessem por ele em conversa privada: e ele próprio não estivesse a correr agora em vão nem tivesse começado um dia a correr em vão: καὶ ἀνεθέμην αὐτοῖς τὸ εὐαγγέλιον ὃ κηρύσσω ἐν τοῖς ἔθνεσιν, κατ’ ἰδίαν δὲ τοῖς δοκοῦσιν, μή πως εἰς κενὸν τρέχω ἢ ἔδραμον.

Paulo tem pressa: corro agora e continuo a correr tal como comecei a correr mas não quero estar a correr nem ter começado a correr em vão: εἰς κενόν. Mas as dobras da sua vida são constituídas por golpes de vista se assim se pode dizer que não apenas lhe dão conteúdos formais do que quer que seja. Esses conteúdos revelados são expressos em acção. 

A revelação é simultaneamente acção. 

É o agente, o operador, que faz dramaticamente mudar absolutamente de vida. Compreender é ser. Se não fosse posto em prática não teria sido compreendido. Pôr em prática, iniciar uma actividade, estar assim no activo é concomitante ao conteúdo revelado. 

Em Phil. 3: 12: pronuncia-se acerca da natureza desta relação que acontece na vertical e o deixa exposto ao horizonte de acontecimento de Deus através de Jesus: 

κατελήμφθην ὑπὸ Χριστοῦ [Ἰησοῦ]. Eu fiquei apanhado por Jesus Cristo. 

O que quer que seja pensado como este ter ficado apanhado constituiu uma alteração radical na sua vida. Na linha seguinte enuncia a consequência formal desse coup de foudre: “Uma única coisa porém digo: esqueci-me de tudo o que tinha sido a minha vida até então e passei a ficar extaticamente estendido para o que está por ser: 13: ἓν δέ, τὰ μὲν ὀπίσω ἐπιλανθανόμενος τοῖς δὲ ἔμπροσθεν ἐπεκτεινόμενος. Esta tensão que se estende na direcção do futuro, que é esticada pelo próprio futuro, que o faz virar totalmente para o que está por vir é o que altera radicalmente o que ficou lá trás: A partir daí tudo ia ser diferente. 

Em 1 Cor 15, 8: lemos: foi visto por mim e apareceu-me a mim como alguém que nasce fora do tempo, o último de todos: ἔσχατον δὲ πάντων ὡσπερεὶ τῷ ἐκτρώματι ὤφθη κἀμοί. A vulgata traduz: 15: 8: nouissime autem omnium, tamquam abortiuo, uisus est et mihi. Independentemente de haver uma diferença fundamental entre “apareceu-me a mim também” e “foi visto por mim também”, o grego não diz “apareceu-me a mim como que a um aborto”. Mesmo que seja conotado com uma ideia de desprezo, o grego diz: que nasce fora do tempo: ou é prematuro ou serôdio.  ἔκ-τρωμα, ατος, τό, = παιδίον νεκρὸν ἄωρον, Hsch.; untimely birth, Arist.GA773b18 (pl.), LXX Jb.3.16, al., 1 Ep.Cor.15.8, Ph.1.59; as a term of contempt, Tz.H.5.515. Aqui é inequívoco não apenas nasceu tarde: foi o último de todos; ἔσχατον δὲ πάντων, o último de todos. 

Há uma segunda característica nesta aparição, para além da intervenção cirúrgica e cinergética de Deus através de Jesus. Provoca a própria fissura abismal entre Saul e Paulo. Há um conteúdo para além do facto da aparição que é propriamente o que é arrancado à opacidade, tornado descoberto: revelado: I.1. Em AA, 9, 3-19, lemos pelo punho de Lucas que à pergunta de Paulo: “‘quem és tu, senhor?’ (Τίς εἶ, κύριε;).”, a “voz respondeu: ‘sou eu, Jesus, quem tu persegues. Vá lá anda, levanta-te e entra na cidade. Lá haverá alguém que dirá o que deves fazer.’” I.2. O conteúdo da revelação é dar a saber  tudo aquilo por que deve passar em nome de Jesus, ὅσα δεῖ αὐτὸν ὑπὲρ τοῦ ὀνόματός μου παθεῖν”. Descreve Lucas cinematograficamente: “E de repente como que lhe caíram escamas dos olhos, e voltou a ver. Levantou-se. 9, 17-19. 

Em 22 Paulo resume o que lhe é dado a ver nesse encontro. Lucas põe-no a falar em discurso directo. Em sua defesa perante Agripa, o Apóstolo diz que Jesus lhe disse: 17: ἐξαιρούμενός σε ἐκ τοῦ λαοῦ καὶ ἐκ τῶν ἐθνῶν, εἰς οὓς ἐγὼ ἀποστέλλω σε (18.)  ἀνοῖξαι ὀφθαλμοὺς αὐτῶν, τοῦ ἐπιστρέψαι ἀπὸ σκότους εἰς φῶς καὶ τῆς ἐξουσίας τοῦ Σατανᾶ ἐπὶ τὸν θεόν, τοῦ λαβεῖν αὐτοὺς ἄφεσιν ἁμαρτιῶν καὶ κλῆρον ἐν τοῖς ἡγιασμένοις πίστει τῇ εἰς ἐμέ.” Em: 20 diz-nos: ἀπήγγελλον μετανοεῖν καὶ ἐπιστρέφειν ἐπὶ τὸν θεόν, ἄξια τῆς μετανοίας ἔργα πράσσοντας. “Libertei-te a ti do teu povo e dos gentios para te enviar de volta até eles, para lhes abrires os olhos, para se virarem da escuridão para a luz, para se virarem do poder de Satanás para o de Deus, para que possam receber remissão pelos seus pecados e a herança que é a daqueles que foram santificados pelo amor que tiveram por mim”. Em 20: resume o conteúdo da revelação forjado na aparição: “fui enviado para dizer aos povos que eles têm de mudar de compreensão e converterem-se em Deus, fazendo obras dignas da mudança da compreensão.”

Façamos zooming nas palavras de Lucas, para vincarmos os elementos decisivos. Lucas põe o Apóstolo a dizer em discurso directo o que Jesus lhe disse, A.A. 26 : O sentido da aparição é para duplo. Primeiro operatório, se assim se pode dizer, dividido em duas partes.

1. Paulo seja ministro e testemunha: do que sabe a respeito de Jesus e do que lhe fará ver a ele: ὧν τε εἶδές με ὧν τε ὀφθήσομαί σοι. 
2. abrir os olhos aos povos, para que se convertam ἀνοῖξαι ὀφθαλμοὺς αὐτῶν está implicado na viragem do olhar τοῦ ἐπιστρέψαι, primeiro ao pé da letra: ἀπὸ σκότους εἰς φῶς. Depois, em sentido teológico: τῆς ἐξουσίας τοῦ Σατανᾶ ἐπὶ τὸν θεόν.

Depois é teleológico também desdobrado por tuas frentes. 
1. e 2. é para que 
 1. recebam remissão dos pecados, τοῦ λαβεῖν αὐτοὺς ἄφεσιν ἁμαρτιῶν 
2. recebam a herança junto dos que foram consagrados pela fé que tiveram em Jesus: τοῦ λαβεῖν κλῆρον. 

O que é que Paulo viu e o que é que Jesus lhe terá feito ver? A que é que corresponde este “abrir de olhos”? E se compreendemos o que é virar-nos de um sítio para outro, de uma direcção para outra? Mas como virar-nos de Satanás para Deus? Mesmo que compreendamos o que é escapar à hora do diabo, que ele as há, como dizemos na nossa língua, graças a Deus, como se dá essa conversão, o duplo movimento de desvio e viragem? Em 26, 20 quando Paulo fala das suas actividades diz que transmitia a mensagem: que se arrependem-se e convertem-se para Deus, e que praticassem acções que merecessem arrependimento: ἀπήγγελλον μετανοεῖν καὶ ἐπιστρέφειν ἐπὶ τὸν θεόν, ἄξια τῆς μετανοίας ἔργα πράσσοντας. 

As palavras decisivas são o substantivo: μετάνοια, ἡ, change of mind or heart, repentance, regret, Batr.70, Th.3.36, Philem.198, Plb.4.66.7, LXXPr.14.15, Aristeas 188, Plu.2.712c (pl.), etc.; ἀνίατος γὰρ τῶν τοιούτων μ. Antipho 2.4.12; γαμεῖν ὁ μέλλων εἰς μ. ἔρχεται Men.Mon.91; ἡ εἰς τὸν θεὸν μ. Act.Ap.20.21; μ. ἀπὸ νεκρῶν ἔργων Ep.Hebr.6.1. II. Rhet., after-thought, correction, Rutil.1.16. E o infinitivo μετανο-έω, perceive afterwards or too late, opp. προνοέω, Epich. [280]; opp. προβουλεύομαι, Democr.66; concur subsequently, τισι BGU747 i 11 (ii A. D.). 2. change one's mind or purpose, Pl. Euthd.279c, Men.Epit.72; μ. μὴ οὔτε . . τῶν χαλεπῶν ἔργων ᾖ τὸ . . ἄρχειν change one's opinion and think that it is not . . , X.Cyr.1.1.3. 3. repent, Antipho 2.4.12; ἐν τοῖς ἀνηκέστοις Id.5.91: freq. in LXX and NT, Si.48.15, al.; ἀπὸ τῆς κακίας Act.Ap.8.22; ἐκ τῶν ἔργων Apoc.9.20; ἐπὶ τῇ ἀκαθαρσίᾳ 2 Ep.Cor.12.21, cf. OGI751.9 (Amblada, ii B. C.); ἐπί τινι Luc.Salt.84, etc.; περί τινων Plu.Galb.6; τοῖς πεπραγμένοις Id.Agis 19: c. part., μ. γενόμενος Ἕλλην Luc.Am. 36. 4. c. acc., repent of, τὴν ἄφιξιν J.BJ4.4.5.

O substantivo ἐπιστροφή que pode ser traduzido por conversão, mas que enuncia as mais diversas formas como um objecto se pode mudar de direcção ou de orientação espacial e temporalmente como qualitativamente: virar do avesso, de pernas para o ar, virar-se para dentro, não estar virado para aí, virar uma página na vida, etc.., do avesso, de dentro para fora, etc., etc.. e o infinitivo Ἐπιστρέφειν que pode ser facilmente traduzido por “conuertere” para latim, o que dá em português a palavra directa: virar-se de um sítio para outro, comutar de direcções, mudar de direcção: da escuridão para a luz, do poder de Satanás para Deus, de uma vida para outra. Mas o que é traduzido por arrependimento? Nem sequer em latim o encontramos. Muito menos em grego. 

Paulo diz: μετανοεῖν e ἄξια τῆς μετανοίας ἔργα πράσσειν. O infinitivo é composto de meta e de noein. Noein em grego refere uma capacidade de percepção, uma compreensão altamente sofisticada das coisas. É um vislumbre que vê não apenas para lá do que está dado a ver, mas também que vê o que de todo em todo não está dado a ver: capta coisas ou acontecimentos que vão para lá da percepção habitual. 

Homero usa-o na Odisseia do cão de Ulisses. Quando este regressa a Ítaca mascarado de velho andrajoso, apenas o cão tem o faro, o noos, para adivinhar o seu dono. A palavra refere o que se sente e se compreende por intuição, o nosso modo de sentirmos como é connosco, com os outros aí ao pé de nós e com o mundo. Mas há um elemento decisivo na palavra: meta. O convite não é para ver o que não está dado a ver apenas, nem para ver o que está dado a ver num sentido completamente diferente. 

O convite ou a intimação é para que se produza uma alteração absolutamente radical no nosso modo de ser, para que nos compreendamos de um modo completamente transtornado. Ou seja para alterarmos a nossa maneira de sentir e compreender as coisas. Apenas assim será possível o epistrephein. Nós não podemos alterar nada, não conseguimos mudar de vida, nem inverter rumos ou direcções se nem sequer soubermos o que há para mudar, que existimos numa maneira de compreender as coisas. Por maioria de razão como podemos mudar completamente a nossa compreensão das coisas? 

E ainda assim poderíamos estar a anos luz de perceber a natureza radical desta transformação. A transformação que esta mudança radical do coração levada a cabo pela tristeza tem um único conteúdo: Cristo na Cruz: o escândalo e a loucura: “até esta hora temos fome e sede estamos nus fomos esbofeteados e ficámos sem segurança e esforçamo-nos por trabalhar com as nossas próprias mãos: amaldiçoados abençoamos, fomos reduzidos à porcaria do mundo a escória de todas as coisas é o que somos até agora”, 1 Cor. 4, 11-13.

As palavras são fortes, mas não trazem nada que nos possam dizer, podem estar afastadas tanto de nós que nada nos dizem. Que metamorfose é esta por que passa a nossa compreensão das coisas? Que compreensão é esta que tudo muda como se pela primeira vez tivéssemos finalmente compreendido o que era ininteligível e não conseguíamos perceber? Ouvimos constantemente no relato: Cristo na Cruz e Cristo renascido. Cristo morre e Cristo ressuscita. 

Não há outro conteúdo na visão de Paulo. É este o conteúdo que ele tem de anunciar. Mas não será anunciar apenas a morte, o opróbrio, a traição, a perda, a tristeza aviltante a que Jesus foi condenado? É Paulo obrigado a pensar no que fez ao perseguir inocentes? Terá Paulo que se arrepender? E lamentar para todo o sempre o que foi até então e daí para a frente apenas terá de lamentar a sua sorte? Isso seria apenas uma consequência de uma tomada de consciência dos nossos actos. 

Sentimos culpa, amargura, impossibilidade e impotência. Mas não é isto que acontece a Saúl. 

Saúl morre na estrada para Damasco. Os seus pecados foram-lhe perdoados, ele não é quem era. Saúl não terá sido o que foi até então. Nasce Paulo. Paulo renasce com Jesus, mas não se trata de uma passar por cima do tempo, um ultrapassar da situação das situações na vida. 

No renascer está a vibração da morte. A morte constitui a possibilidade radical para a sermos. Sermos no encaminhamento da morte e compreender ser esse encaminhamento é o que diz a teologia da Cruz. A glória consiste em fazer esse caminho, não em nascer como se nada fosse, como se tudo fosse possível. “Τί καὶ ἡμεῖς κινδυνεύομεν πᾶσαν ὥραν; 31 καθ΄ἡμέραν ἀποθνῄσκω”. Eu estou a morrer em cada hora, diz o verbo frequentativo em grego: morro-me, diz o latim: morior. 

A linha 4 revela o teor da borla, da graça, que aqui está em causa. Jesus deu a sua vida pelos nossos pecados. 

Não que não tenha havido mártires e que o sacrifício humano seja desconhecido bem como a grandeza da alma humana. Não que não se saiba que houve quem morreu pela pátria, por uma causa, pelo que quer que seja. Mas que alguém se tivesse entregue pelos nossos pecados é completamente absurdo e uma tolice do ponto de vista humano. Para um grego uma loucura. Para um judeu o opróbrio. 

Esta entrega da vida tem um propósito, mesmo que estranho e absurdo ou com um preço incomensurável para o ganho ou com uma perda absurda relativamente ao ganho: para que fôssemos retirados deste tempo presente que está constituído e que é πονηρός. A vulgata traduz: ut eriperet nos de praesenti saeculo nequam. Nequam quer dizer várias coisas: sem dúvida: ruim, mau, depravado, vil, maldoso, mas quer dizer também que não presta, inútil: em vão. O mesmo diz o adjectivo grego.⁠6 Ο primeiro sentido que nos oferece o LSJ é físico: agastado pelo sofrimento, penoso, grave. O segundo sentido é: inútil, bom para nada e pode ser referido a apetrechos, instrumentos, coisas, circunstâncias, situações e pessoas. No terceiro sentido refere-se então à moralidade: sem valor, mau, ou à natureza do carácter: cobarde, vil.

O que o adjectivo qualifica é a natureza do tempo da vida humana.⁠7 Αἰών é traduzido na vulgata por “saeculum”⁠8, que fez história tanto que a história é medida em séculos e milénios, mas que acentua o carácter do mundo como conteúdo do tempo. O latim conhece, contudo, a mesma palavra com a mesma raiz: αἰϝών: aeuum⁠9 que refere a natureza do tempo da vida humana. O mundo é como é porque está configurado por uma cronologia crónica: é sempre transitória. O mundo é o que é porque o seu horizonte de acontecimento é tempo que passa. Ora tal não quer dizer que seja pouco tempo. Pode ser o tempo da eternidade: séculos de séculos, gerações de gerações: desde sempre e para sempre. O que sucede é que desde sempre e para todo o sempre o tempo específico da idade, do ser humano, se assim se pode dizer é precário: desde sempre e para todo o sempre o tempo da vida humana é precário. 

Quer dizer: Jesus entregou-se pelos nossos pecados, mas o mesmo é dizer Jesus entregou-se pela essência do tempo transitório e passageiro da vida humana: que está continuamente a inutilizar-se se assim se pode dizer, porque cada instante que se constitui de novo vindo do por vir representa a morte do instante que esteve vivo e em vigor mesmo agora aí, há pouco, e por maioria de razão traga continuamente todos os outros mais remotos e afastados tanto que até caíram no esquecimento. Esta vida é uma modalidade da vida. Paulo qualifica-a como sendo precária, porque nem todos os momentos têm o mesmo teor, em vigor está apenas o tempo presente: e obliterados estão sempre os momentos passados, o passado todo e o por ser ainda do futuro que ainda não foi. A própria vida humana é assim como diziam os Gregos antigos: um dia. Na nossa língua ainda dizemos que a vida é um só dia. 

O tempo presente converte todas as minhas acções em pecado: O resultado desta tensão especialmente vibrante entre fazer a vontade de Deus ou fazer a vontade que nos dá é o que Paulo tem claramente aqui sob foco. Ela pode ver-se descrita na I Epístola de João 2, 15-17: “Não ameis o mundo nem o que há no mundo (τὰ ἐν κόσμον). Se alguém ama (ἀγαπᾷ) o mundo, o amor do Pai não está nele. Pois tudo o que há no mundo— a concupiscência da carne (ἡ ἐπιθυμία τῆς σαρκός/concupiscentia carnis), a concupiscência dos olhos (ἡ ἐπιθυμία τῶν ὀφθαλμῶν, concupiscentia oculorum) e o estilo de vida orgulhoso (ἡ  ἀλαζονεία τοῦ βίου/iactantia diuitiarum/ambitio saeculi)— não vem do pai, mas sim do mundo. Ora, o mundo passa e também as concupiscências, mas quem faz a vontade de Deus permanece para sempre. (οὐκ ἔστιν ἐκ τοῦ πατρός, ἀλλὰ ἐκ τοῦ κόσμου ἐστίν: [17] καὶ ὁ κόσμος παράγεται καὶ ἡ ἐπιθυμία [αὐτοῦ], ὁ δὲ ποιῶν τὸ θέλημα τοῦ θεοῦ μένει εἰς τὸν αἰῶνα.)”
O que me configura é a expressão máxima da condição de escravidão e servidão em que desde sempre já me encontrei: a ἁμαρτία, o que na tradução latina se traduz por pecado, de pecco, as, aui, are, peccatum que tem em sânscrito a raiz pik- ficar furioso. A raiz grega significa falhar o, e atirar além do, alvo, passar das marcas. O que o desejo, a aspiração, o apetite devorador, a vontade irresistível, a ambição, a cobiça e a ganância fazem ao substituírem-se a nós não é o que queremos mas confundem-nos ao ponto de nos fazerem pensar que é isso mesmo que queremos.
Assim a esfera do que peca, do que erra e falha, é vastíssima e não se circunscreve ao que habitualmente pensamos que é. Não se trata apenas dos pecados capitais nem daqueles que se prendem especificamente com a sensualidade ou a irascibilidade. Na verdade o pecado entendido como o que nos obriga a concentrar-nos em nós. Faz-nos esquecer de tudo o que não tenha que ver com o conteúdo em que estamos num dado momento única e exclusivamente interessados. E esse interesse é total. Estende-se, portanto, a todos os momentos da nossa vida. A nossa condição é tal que eu nos servimos a nós desde sempre, já à nascença.
A fome é a minha fome no preciso instante em que se faz sentir e só penso em comer, isto é, quando ela me submerge na ditadura do seu instante e me isola na sua cápsula. A sede é a minha sede no preciso instante em que se faz sentir e só penso em beber, isolando-me consigo no conteúdo preocupante e necessário do que preciso. E até o sono é o meu no momento em que me adormece. O cansaço em geral é o meu cansaço, quando me cansa. O mesmo com a minha sexualidade, a minha auto-afirmação, o meu feitio e temperamento, a minha peculiaridade, a avidez incontrolável da vontade de saber, a minha afectação pelo sublime na arte ou na natureza, a precipitação cega da força da minha vontade, mas também a minha mais profunda necessidade religiosa: todas estas tendências mais ou menos acentuadas e que vincam as dobras do tecido de que a minha vida se encontra revestida encontram-se enraizadas na condição aparentemente não anulável, inexpugnável, irresistível, incontrolável da minha servidão e da minha escravidão de nascimento: A MIM. 
Eu sou esta fúria que me dá, este tiro que erra o alvo, falha objectivos, se excede, passa das marcas, sai para fora dos eixos, transgride, ultrapassa os limites. Sou por outro, ou por outros, e até no momento da submersão e do naufrágio no isolamento absoluto em que sou a fome, a sede, o apetite sexual, a curiosidade científica, a auto-afirmação, o temperamento, humor e feitio, a cegueira da vontade, o toque do sublime, a necessidade religiosa: eu sou isso tudo para que me deu, sem margem de manobra, totalmente absolvido dos outros, só eu e o meu mundo. (Karl Barth, Römerbrief).
E até no simples adormecer de cansaço tão compreensivelmente humano, posso converter-me em traidor:  Lc, 22. 45-46: “Depois de orar, levantou-se e foi ter com os discípulos, encontrando-os a dormir, devido à tristeza. Disse-lhes: ‘Porque dormis? Levantai-vos e orai para que não entreis em tentação’”.
Jesus deu a sua vida, assim, para que nos libertássemos desta presente vida cujo tempo é como se fosse um só dia, não vinga, é de má qualidade, tem os dias contados: é constitutivamente precária e cronicamente transitória. É passageira para sempre. Da mesma forma que cada momento registado na nossa agenda se transforma em momento passado, riscado, que já está e não regressa mais, assim também é a nossa vida no seu todo. 

Pode, contudo, dar-se uma outra possibilidade. O que se apresenta como δόξα, como Glória de Deus, a vida de Jesus, não é o acontecimento exuberante e exultante que se dá quando se sente euforia no transe da alteração de estados mentais. A Glória é construída precisamente pela compreensão do carácter temporal da vida cronicamente finita. Mas no sentido em que cada gesto não acaba no momento em que dura a acção da sua expressão mas fica inscrito não apenas para o futuro da nossa vida como para o futuro total do tempo dos tempos. A vida de Jesus é a possibilidade extrema e radical de vencer a morte através da compreensão do carácter mortal do horizonte vital tal como está constituído. É a força da pressão que exerce a parede maciça, a montanha escarpada da morte com que Cristo arrosta. Cada momento da vida é assim um momento que não é o último e tudo seria possível, mas um momento que tem um conteúdo que está a ser inscrito no para sempre e tem de ser resgatado à possibilidade de não ter sido. A glória de Jesus é a ressurreição: Deus acordou-o dos mortos, e projectou-o e projectou-se para todo o sempre num a haver de ser. Mas a glória da ressurreição está intrinsecamente ligada à compreensão da da entrega de Jesus à morte, ao seu viver por que é tão extremo como morrer por. É este o conteúdo da configuração universal revelada pela vontade de Deus que Jesus fez. 

Em 3, 26-29: lê-se “todos são filhos de Deus por causa da fé em Cristo Jesus, 27 todos quantos mergulharam em Cristo, em Cristo se revestiram. 28 não há Judeus, nem gregos, não há escravos nem homens livres, não há homens nem mulheres: todos são um único acontecimento em Cristo Jeus”. Por que Deus não faz acepção de pessoas: Rom. 2, 11: οὐ γάρ ἐστιν προσωπολημψία παρὰ τῷ θεῷ. 29: se forem de Cristo, são semente de Abraão, herdeiros de acordo com a promessa.   

No capítulo 4, Paulo descreve num símile em que consiste esta alteração do sentido do horizonte da vida. Compreende-se de uma forma clara o sentido da revelação escatológica como testamento e herança ou melhor como habilitação de herdeiros a uma herança deixada em testamento, por alguém que deixa Paulo como executor testamentário e tutor. O conteúdo da herança é: promessa, o evangelho, a graça, a paz, a liberdade e o amor. Os herdeiros são cada um dos seres humanos sem excepção.

4,1: Eu digo-vos que durante o tempo em que o herdeiro é menor, não se distingue em nada de um escravo, mesmo podendo ser o dono de todas as coisas, 2: mas está à guarda de um tutor e a cargo de procuradores. 3: assim também se passa connosco, enquanto éramos menores estávamos escravizados aos elementos deste mundo, 4: quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu filho, nascido de uma mulher, vinculado pela lei, 5: para que resgatasse os que se encontram sob a custódia da lei, para que pudéssemos ser recebidos em adopção. 

O processo é idêntico ao das agências que procuram herdeiros para se poderem habilitar à herança deixada em testamento por alguém que não conheciam. Um herdeiro cujo paradeiro é desconhecido. O processo passa pela habilitação à herança que alguém nos deixou em testamento. Por outro lado, trata-se da qualificação de um tempo que é vivido sob tutela e a cargo de outrem sem poder habilitar-se à herança ou ter plenos poderes sobre o que lhe foi deixado em testamento justamente por causa da menoridade. 

O conteúdo da herança testamentária é que é completamente diferente. É como se o processo de adopção permitisse um desvinculamento do humano como membro de uma família ou etnia. A configuração da adopção de cada humano por Deus é internacional. A possibilidade é um ganho de maioridade, mais a possibilidade de uma emancipação tal que deixássemos de estar na situação de escravos sem vontade nem querer e passássemos a ser: filhos. 7: É pelo facto de vocês serem, diz-nos Paulo, filhos que o único Deus, ὁ θεός, soprou o espírito do seu filho para dentro vossos corações, quando ele, naquele momento gritou: Abba, pai.

É assim que no tempo em que não tínhamos sabido de Deus, servíamos a deuses que não o eram na sua essência, φύσει μὴ ὄντες. 9: mas agora já reconheceram Deus, ou antes: foram reconhecidos por Deus. O passo marca dois tempos completamente diferentes: τότε e νῦν, que correspondem não apenas a datas diferentes mas a situações de vida completamente diferentes: μέν, δέ. O que define essas situações são a ignorância relativamente a Deus: nunca tinha sido visto: οὐκ εἰδότες e o momento em que se fica a conhecer Deus, se reconhece Deus: γνόντες. Contudo, Paulo rectifica a formulação. Verdadeiramente, não somos os agentes do conhecimento de Deus, o humano não pode ver, nem conhecer muito menos reconhecer Deus seja de que modo for: cognitivamente ou afectivamente. É Deus que se dá a conhecer. Somos γνωσθέντες ὑπὸ θεοῦ. A passiva divina não nos constitui apenas em objecto de saber cognitivo teórico por Deus, o que quer que isso queira dizer. Deus reconhece-nos como seus filhos e esse reconhecimento é a entrega de Jesus, o seu filho, para que compreendêssemos o conteúdo radical da vida, o ser no encaminhamento da morte, a asfixia absoluta e o estrangulamento, a claustrofobia do reconhecimento da vida com um tempo inexoravelmente finito, já feito, e nós já feitos, como se ter nascido fosse ter ficado para morrer. É no reconhecimento efectivo da possibilidade radical da morte e na verdade da morte a que apenas eu me posso habilitar que me é dado a compreender a uia crucis de Cristo. E assim habilitar-me a que ela me trabalha de tal sorte que esse acontecimento da vida desse horizonte irrompa em mim, me configure, me metamorfoseie, não seja em vão, faça valer a pena.

Mas é neste encaminhamento que ganhei tempo. Não quantidade de tempo, pela primeira vez ganhei o poder do tempo. E o poder do tempo só pode ser ganho se escolhermos viver a vida arrostando com a morte. Mesmo que vivamos a eternidade, do ponto de vista humano será sempre a resvalar, sempre a perder, sempre a obliterar possibilidades atrás de possibilidades. 

O conteúdo de Cristo na Cruz em que a vida de Paulo se converteu é de uma outra natureza. É um coup de foudre fulminante. No primeiro olhar, a esperança. Uma esperança que não é vã. Um esperança que nasce no desespero: 2 Cor. 4, 7-12 “temos este tesouro em vasos quebráveis para que aconteça o sublime poder de Deus: o poder e o sublime não vêm de nos. Em todas as coisas passamos por aflições, mas não nos angustiaremos; sentiremos dificuldades mas não desistiremos. Sofreremos perseguições, mas não seremos nunca abandonados, seremos escorraçados mas jamais seremos destruídos: é por todo o lado que levamos Jesus sempre a morrer na nossa vida, para que também Jesus a viver seja manifestado na nossa vida. Com efeito nós que vivemos fomos entregues à morte por causa de Jesus para que a vida de Jesus se manifestasse na nossa carne mortal. É por isso que somos trabalhados pela morte para que a vida vos seja dada.”

O que quer que tenha acontecido a Paulo é esta história incrível e improvável de uma paixão de um amor impossível. Improvável e impossível: mas do ponto de vista humano. Num abrir e fechar de olhos uma deflagração e uma detonação. 1 Cor., 52: “num instante, num golpe de vista, num piscar de olhos, num abrir e fechar de olhos: os mortos hão-de acordar indestrutíveis e nós seremos mudados, allagêsometha. A morte há-de ser tragada pela vitória.” 

4.16-: “Não foi em virtude da Lei, mas da justiça obtida pela fé que a Abraão, ou à sua descendência, foi feita a promessa de que havia de receber o mundo em herança. De facto, se os herdeiros o são em virtude da lei, nesse caso tornou-se inútil a fé e ficou sem efeito a promessa. É que a lei produz a ira; mas onde não há lei também não há transgressão. Por isso, é da fé que depende a herança. Só assim é que esta é gratuita, de tal modo que a promessa se mantém válida para todos os descendentes.”
A ἐπαγγελία, a promessa, é garantida apenas pela justificação da fé, διὰ δικαιοσύνης πίστεως. De outro modo, se a fé for anulada também a promessa é neutralizada: κεκένωται ἡ πίστις καὶ κατήργηται ἡ ἐπαγγελία. A lei produz a fúria e possibilita a transgressão: ὁ γὰρ νόμος ὀργὴν κατεργάζεται· οὗ δὲ οὐκ ἔστιν νόμος οὐδὲ παράβασις. É no próprio reconhecimento da condição em que nos encontramos que encaramos a libertação da lei da morte pela transposição do regime de servidão para o domínio próprio e autêntico do seu Senhor. 
Isto é, a consciência aguda da presença lancinante da fúria de Deus, a aflição e a angústia, a falta de esperança, a derrota, esgotam qualquer espécie de antecipação ao que quer que seja. Mas é precisamente no esgotamento completo de todos os nossos recursos, na perda de toda a possibilidade de resistência, que se testemunha também uma possibilidade radicalmente nova, nascida não se sabe onde, provinda não se sabe para quê, dada não se sabe por quem. 
O anúncio faz-se de graça, é a promessa de que há uma possibilidade impossível. Impossível do ponto de vista mundano, impossível na psicologia da culpa, impossível deste lado de cá da vida. E contudo é esse impossível em que nos encontramos que é reconfigurado e se torna de novo no possível, numa nova aurora, numa outra hipótese, com uma outra oportunidade, pelo menos ainda. A promessa está constituída em anúncio novo da possibilidade de reclamar a herança. A promessa é o convite quase segredado na submersão e sucção do abismo: vem atrás de mim:
Coríntios II, 4. [5] οὐ γὰρ ἑαυτοὺς κηρύσσομεν ἀλλὰ Χριστὸν Ἰησοῦν κύριον, ἑαυτοὺς δὲ δούλους ὑμῶν διὰ Ἰησοῦν. Não somos nós que pregamos a partir de nós próprios, mas Jesus Cristo, senhor, pois nós próprios nos convertemos em escravos pelo fundamento de Jesus. [6] ὅτι ὁ θεὸς ὁ εἰπών Ἐκ σκότους φῶς λάμψει, ὃς ἔλαμψεν ἐν ταῖς καρδίαις ἡμῶν πρὸς φωτισμὸν τῆς  γνώσεως τῆς δόξης τοῦ θεοῦ ἐν προσώπῳ Χριστοῦ. A razão é o facto de que Deus, Quem disse que a luz reluzirá da escuridão, foi quem fez e tem feito reluzir nos nossos corações a luz da nascença da glória e do esplendor de Deus no rosto concreto de Cristo.
[7] Ἔχομεν δὲ τὸν θησαυρὸν τοῦτον ἐν ὀστρακίνοις σκεύεσιν, ἵνα ἡ ὑπερβολὴ τῆς δυνάμεως ᾖ τοῦ θεοῦ καὶ μὴ ἐξ ἡμῶν: É assim, pois, que possuímos este tesouro em vasos de barro para que a superabundância da potência nos aconteça provinda de Deus e não a partir das nossas próprias forças [8] ἐν παντὶ θλιβόμενοι ἀλλ᾽ οὐ στενοχωρούμενοι, ἀπορούμενοι  ἀλλ᾽ οὐκ ἐξαπορούμενοι, É assim que podemos estar na aflição total a respeito de tudo e ainda assim não totalmente asfixiados pelo esmagamento, é assim que podemos estar presos de grandes dificuldades e ainda assim não totalmente desesperados, [9] διωκόμενοι ἀλλ᾽ οὐκ ἐγκαταλειπόμενοι; καταβαλλόμενοι  ἀλλ᾽ οὐκ ἀπολλύμενοι, perseguidos e não abandonados, abatidos e, contudo, não destruídos. [10] πάντοτε τὴν νέκρωσιν τοῦ Ἰησοῦ ἐν τῷ σώματι περιφέροντες, ἵνα καὶ ἡ ζωὴ τοῦ Ἰησοῦ ἐν τῷ σώματι ἡμῶν φανερωθῇ: Por toda a parte e durante o tempo todo das nossas vidas transportamos a morte de Jesus no nosso corpo para que a vida de Jesus se deixe manifestar no nosso próprio corpo. [11]  εὶ γὰρ ἡμεῖς οἱ ζῶντες εἰς θάνατον παραδιδόμεθα διὰ Ἰησοῦν, ἵνα καὶ ἡ ζωὴ τοῦ Ἰησοῦ φανερωθῇ ἐν τῇ θνητῇ σαρκὶ ἡμῶν. Com efeito, ao vivermos entreguemo-nos no encaminhamento da própria morte por Jesus, para que a vida de Jesus possa deixar manifestar-se nesta morte de carne que é a nossa. [12] ὥστε ὁ θάνατος ἐν ἡμῖν ἐνεργεῖται, ἡ δὲ ζωὴ ἐν ὑμῖν. E tudo isto de tal maneira que a morte trabalhar a partir do nosso interior para que a vida vos aconteça.

A fé é trabalhada pelo amor: πίστις δι’ ἀγάπης ἐνεργουμένη. Gal, 5, 6. Vocês foram chamados para a liberdade: ἐπ’ ἐλευθερίᾳ ἐκλήθητε, sirvam-se uns aos outros sob o fundamento do amor, porque a lei será cumprida numa única palavra: amarás o próximo como a ti próprio:  ὁ γὰρ πᾶς νόμος ἐν ἑνὶ λόγῳ πεπλήρωται, ἐν τῷ ἀγαπήσεις τὸν πλησίον σου ὡς σεαυτόν. Que amor é este e como é que o amor é lei. Como se pode converter em lei o que é a liberdade. Parece uma contradição na lógica humana. O amor deve ser gratuito. Mas este amor não é um amor de nenhuma natureza humana. 

Tem a sua expressão radical no reconhecimento de si como adoptável por Deus, como susceptível do amor de Deus. Tem a sua expressão radical no reconhecimento do outro como susceptível do mesmo amor. Este amor a mim e o por mor de mim não é nem nunca poderá ser confundido com amor próprio e querer que o outro tenha amor próprio como se isso não fosse converter a vida humana numa impossibilidade de impermeabilização total entre uns e outros. 

Paulo descreve este amor como sendo obra e graça do espírito santo, obtido por uma paixão assolapada sentida num coup de foudre. A proveniência é de Deus, de nenhum ser humano, nem está no poder de nenhum ser humano amar daquela maneira. Mas é de mim que se trata. Este a mim que me acontece, mas que não vem do mundo, não é ninguém, não é nada. É uma promessa que se rasga e age retroactivamente sobre mim, não me visa particularmente na pessoa que sou. Na verdade, não tem nenhuma consideração por mim, se assim se pode dizer. Elege-me a mim como uma paixão e como as paixões acontecem quer queiramos quer não. Uma paixão que põe já em contacto comigo numa relação de haver de mim, de haver de ser eu, de poder ser ainda eu apesar da configuração precária e ruinosa do tempo cronicamente finito da vida humana. Este a amor por mor do qual eu sou, está ido por aí além até sempre, é o encaminhamento que me permite oferecer a resistência em face da possibilidade simples da impossibilidade. Vira-me e orienta-me para um por ser cuja possibilidade reconheço que não vem de mim, mas que me pode ser oferecida, uma ἀγάπη por mim que vem de Deus: agente da promessa, da boa nova, da graça, da paz e da liberdade. 

Eu livro de mim e liberto-me para mim configurado na possibilidade extrema e radical de um tempo que faz tempo, o meu tempo, em que eu sou quem sou por esse lance e esse projecto que eu compreendo ser eu próprio. É isso que eu reconheço no outro e na verdade em todos os outros. Não converto os estranhos em conhecidos, nem os outros em irmãos, reconheço-os como susceptíveis de amor, configurados por vidas também elas no constante escoar das suas possibilidades e dos seus tempos, e ao compreendê-los como podendo viver na relação radical e extrema do amor de Deus por eles, compreendo também um único acontecimento, uma única configuração, um único horizonte de vida. 

Em Mt 22, 39 é “πλησίος” o próximo, o que está na vizinhança, mas na passagem da ER é “ἕτερος” o outro, o estranho, o estrangeiro. Na passagem de Jo 15, 13: a  ἀγάπη é pôr a sua vida à disposição dos seus amigos. A aproximação vai da estranheza dos outros que são toda a gente que é como ninguém até à zona da vizinhança, que faz deles amigos e radicalmente os torna  δελφοί. O outro, o próximo, o amigo e o irmão são graus que podem encontrar-se em cada um de nós, na relação de nós connosco mesmos, desde quando não nos reconhecemos, ficámos diferentes, nos tornamos outros, ou estamos cada vez mais na mesma iguais aos próprios. A passagem de João indica ainda que a nossa escravidão passa a ser esclarecida. 
“Não vos falo como a escravos, δοῦλοι, porque o escravo não sabe o que faz o seu senhor, κύριος; falo-vos como amigos porque tudo o que escutei junto do meu pai vos fiz conhecer também a vós.” 
É esta possibilidade da configuração de mim pelo próprio de mim e não por quem em mim me obriga a servi-lo, esta possibilidade por obra e graça do espírito Santo que ao derramar me faz uma promessa, na expectativa do que há por vir, nesse golpe de vista, ῥιπὴ ὀφθαλμοῦ, olhar retrospectivo da eternidade, onde há amanhã e a esperança substitui o desespero, a alegria desintegra a angústia e a aflição.
É esta reconfiguração do “a mim” em Deus que equaciona a viragem e me permite abrir ao outro na verdade da sua vida a ser no encaminhamento da morte. Sermos susceptíveis de Deus pela fé, e não pela lei, faz de nós portadores da possibilidade desta vivência concreta. Cada um é, singularmente e não individualmente, cada qual e tanto mais o próprio quanto mais se reconhece radicalmente susceptível de si próprio descoberto no amor de Deus por si. É assim também que o outro é reconhecido enquanto um outro configurando-se a si em Deus pelo amor que Deus tem por outrem. A possibilidade de me tornar em mim próprio e não no que me deu, a possibilidade de que o outro seja aí na possibilidade que é sua de ser como é e não como lhe deu para ser, tudo isto resulta já de um redimensionamento provocado e produzido pela transfiguração e metamorfose que nos permite dizer: 
Cada um de nós existe implicado no horizonte em que somos com outros nesta geração mas também nas dos nossos pais, avós e bisavós ou filhos, netos e bisnetos, na verdade, cada um de nós existe envolvido pelo horizonte humano desde a primeira geração que tiver havido até à derradeira pessoa da última geração que tiver deixado de ser. Cada um de nós é, assim, a priori, à escala mundial, o tempo da vida sempre a ser com todos os outros, mesmo que a “todos os outros”, aos “outros” não corresponda senão o conteúdo confuso de “muita gente”. Mas para além desta metamorfose da nossa vida que a faz explodir para fora dos limites estanques datados pelas certidões de nascimento e de óbito, esticando-se até aos confins dos tempos do que foi e do que será, ela é este lapso de tempo que dura um piscar de olhos durante o qual há outros que continuamente chegam no próprio instante em que outros estão a deixar de ser. 
Cada um e cada qual é susceptível de comungar desta totalidade infinita, de uma forma concreta, em que as alegrias e os sofrimentos dos outros, passados, presentes e futuros, nos tocam e acontecem. 
Cada um de nós pode ser esse horizonte aí que se sente na vida com os outros aos quais nos ligam laços íntimos e estreitos ou uma ligação vaga e até mesmo aparentemente inexistente. Os outros são, contudo, a possibilidade de os encontrarmos, de por eles aguardarmos a vinda ou de os guardarmos já depois da sua partida, mesmo quando deles estamos num contínuo desencontro, numa eterna despedida. 
É a vida que verdadeiramente escancara a possibilidade de reconfigurar o conceito abstracto que resulta do somatório da população mundial. Se fixarmos o tempo de acordo com as coordenadas das nações unidas, o homo sapiens nasceu 52 000 anos. Os cálculos a partir daqui dizem-nos que terão vivido 107, 602, 707, 791 pessoas, que o número de pessoas que vivem em 2011 é 6,5 biliões. O planeta terra tem 4, 578 Biliões de anos. 52 mil anos é uma gota de água. Como o futuro do planeta está intimamente ligado ao do sol, consegue prever-se que devido à acumulação de hélio no núcleo do sol a luminosidade da estrela aumenta lenta mas consistentemente. Dentro fde 1, 1 bilhões de anos crescerá 10% e em 3, 5 bilhões de anos 40%.. Calcula-se assim que o planeta será habitado apenas durante os próximos 500 milhões de anos. Hoje nasceram aproximadamente  358,192 pessoas and 154,889 terão morrido. Em contas aproximadas dá-nos 255 bebés a nascerem a cada minuto e 102 pessoas morrem em cada minuto. 

Em 6.2: lê-se suportai o fardo que os outros têm de suportar e assim a lei de Cristo será cumprida. 3: se alguém se julgar ser algo quando não é ninguém, está a enganar-se a si próprio. 5: cada um singularmente terá de suportar o seu fardo.

Já lemos em 4,6: que Deus soprou o espírito do seu filho para dentro dos nossos corações  quando o fez chamar por si: pai. O amor aqui em causa é um acontecimento pneumático, é o amor declarado por Deus, através de Jesus. A história de paixão mais extrema que possamos pensar não pode ser comparável com ele. É uma atmosfera que se constitui e nos toca. Não é um acontecimento psicológico. 

Ensaiemos uma possibilidade de interpretação do que pode estar em causa na metamorfose e radical transfiguração da conformação habitual para o horizonte da vida.

Em 1. Cor, 15, 50-55: lê-se: Afirmo-vos, irmãos que a carne e o sangue não terão serão capazes de se habilitarem à herança testamentária do reino de Deus, βασιλείαν θεοῦ κληρονομῆσαι οὐ δύναται, nem é possível que a destruição herda o indestrutível: οὐδὲ ἡ φθορὰ τὴν ἀφθαρσίαν κληρονομεῖ. (51.) Eis o mistério: nem todos ficaremos adormecidos, mas todos seremos metamorfoseados: πάντες δὲ ἀλλαγησόμεθα, num instante indivisível, 52.) ἐν ἀτόμῳ, no golpe de vista, ἐν ῥιπῇ ὀφθαλμοῦ, no som da última trompeta. Porque quando houver ressoado os mortos ressuscitarão incólumes à destruição e nós estaremos metamorfoseados:, καὶ οἱ νεκροὶ ἐγερθήσονται ἄφθαρτοι, καὶ
ἡμεῖς ἀλλαγησόμεθα.  54: será então nessa altura que a palavra escrita se cumprirá: A morte será engolida pela vitória: Oh morte onde está agora a tua vitória 
τότε γενήσεται ὁ λόγος ὁ γεγραμμένος,
  Κατεπόθη ὁ θάνατος εἰς νῖκος.
(55.)   ποῦ σου, θάνατε, τὸ νῖκος;
   
É a transmutação radical do próprio, do mundo e dos outros. É uma forma de derramamento, um aluvial, que alaga e tudo imerge. Mas para além desta dimensão disposicional, irreal mas efectiva, diz Paulo em 5, 5: nós no espírito encontramo-nos na expectativa da esperança na justificação que resulta da fé: ἡμεῖς γὰρ πνεύματι ἐκ πίστεως ἐλπίδα δικαιοσύνης ἀπεκδεχόμεθα. Mas uma tal expectativa que forja a esperança é constituída numa vida que se expõe em absoluto à Cruz: τί καὶ ἡμεῖς κινδυνεύομεν πᾶσαν ὥραν; καθ’ ἡμέραν ἀποθνῄσκω. 1. Cor, 15, 30-31.

 Ou seja, é porque a vida terá sido toda ela como é no princípio já a hora da nossa morte, é porque desde todo o sempre e continuamente estou à beira da hora da minha morte que também tudo o que na vida se passa, a curto, médio ou longo prazo é sempre e continuamente passageiro: não se sustenta, tem uma qualidade precária. O que marca a essência do tempo da vida e na verdade o que lhe constitui a precariedade é o facto de ser o presente: ἐνεστώς. A categoria gramatical do tempo: 2. esp. Gramm., ὁ ἐνεστὼς (sc. χρόνος) the present tense, Stoic.2.48, D.T.638.22, A.D.Pron.58.7, al.; also ἐνεστῶσα συντέλεια the state of completion expressed by the perfect tense, Id.Synt.205.15: also in aor., τοῦ ποτὲ ἐνστάντος when the moment has arrived, Plot.4.3.13; τὰ ἐνεστηκότα πράγματα present circumstances, X.HG2.1.6; so τὰ ἐνεστῶτα Plb.2.26.3.

É como se todas as categorias gramaticais de tempo: passado, presente e futuro, como se todos os aspectos: imperfeito, perfeito e mais que perfeito estivessem colonizados e presos por este tempo já dado e já feito, mesmo que possa ser dilatado a toda a eternidade. Quer dizer: a vida humana é temporalmente tanto o tempo presente que no seu primeiro instante esse tempo está todo ele dado. É nele que desde sempre nos encontramos desde a mais tenra idade: 

“Omitto commemorare quae mala in hac ipsa transitoria uita pene omnes patiantur infantes, et quomodo explicetur quod dictum est: "Graue iugum super filios Adam a die exitus de uentre matris eorum, usque in diem sepulturae in matrem omnium”⁠10. Ou no adágio alemão: [1306] 38. Alsbald du geboren bist, so bistu alt genug zu sterben. – Wachter.⁠11 2. Alsbald wir werden geboren, so sind wir schon verloren. – Henisch, 1391, 65. »Die grösste Sünd' ist das Geborensein.« (Calderon, Das Leben ein Traum.). Ou em Calderón de la Barca: qué delito cometí/ contra vosotros, naciendo/ aunque si nací, ya entiendo/ qué delito he cometido: pues el delito mayor/del hombre es haber nacido⁠12.

O que quer que aconteça nesta possibilidade de transfiguração da vida constitui uma passagem de um tempo qualificado desta natureza não anulavel a partir da perspectiva humana para um tempo constituído por Deus, cuja expressão é Cristo Jesus. O αἰών deixa de ser determinado pelo ἐνεστὼς (sc. χρόνος) que enquanto tal é πονηρός, precário e passa a ser configurado por Jesus em Glória de Deus num tempo que passa a ser para todo o sempre: εἰς τοὺς αἰῶνας τῶν αἰώνων: saecula saeculorum. 

A passagem, a transfiguração, a alteração ou a metamorfose não é feita por nenhum ser humano. O saber dessa possibilidade, a compreensão dessa possibilidade não é humana. É um projecto de Deus: a vontade de Deus: κατὰ τὸ θέλημα τοῦ θεοῦ. Ou seja, o agente da passiva se assim se pode dizer é Deus, que actua através do seu filho Jesus, ao fazê-lo viver como viveu entregando-se pelos nossos pecados ou pela natureza do tempo da nossa vida presente e como tal sem passado, mas sem passado por que o presente está marcado pela anulação e erradicação total do futuro. Ou seja, o tempo presente está todo ele constituído como se houvesse sempre presente, mesmo passado e o futuro fosse como agora: uma espécie de nunc stans: um agora que está de pé e que se dilata à duração da eternidade. Mas o que sucede é precisamente que o presente, toda a minha vida, as vidas de cada um de nós, das gerações de gerações de humanos que viveram e viverão está determinadas pela ausência maciça de futuro. 

A vulgata traduz o verbo da acção de Jesus sobre nós ao fazer a vontade do Pai: eriperet, imperfeito do conjuntivo em oração final: ut de eripio⁠13, eripui, ereptus e que quer dizer raptar, tirar à força, mas também libertar, resgatar. O grego utiliza ἐξαιρέω: ὅπως ἐξέληται⁠14 ἡμᾶς e que quer dizer especificamente na voz média aqui empregue: libertar, liberar, pôr em liberdade. É utilizado em Acta apostulorum por São Lucas para dizer: libertar das aflições. Aqui: libertar-nos ou livrar-nos: ἐκ τοῦ αἰῶνος τοῦ ἐνεστῶτος. I, 5: permite compreender claramente a direcção do movimento do desvio: εἰς: para uma vida cujo tempo está por ser e constituir, um futuro que promete, e abre a possibilidade da esperança. 

Qualquer que seja a mudança de sentido da vida que deixa de ser precária constitutivamente de passagem e escoamento para passar a ser exponencial de si própria, Paulo descreve-a como um acto de libertação realizado por Jesus cumprindo a vontade do nosso Pai. Ou seja, o projecto vital qualquer que ele seja mas a própria forma da vida passa a ser determinada de acordo com Deus. Quer dizer não apenas seríamos à escala mundial, do tamanho do mundo ou universais, seríamos configurados pelo próprio horizonte de Deus em nós, que irrompe da exterioridade absoluta, de fora da temporalidade da vida e insusceptível de ser acompanhado, provocado, estimulado por um humano. Paulo não é Saul. Paulo não é ἄνθρωπος se assim se pode dizer mas existe ao fazer a vontade de Deus, cumprindo o seu desígnio, tendo a mesma intenção, se assim se pode dizer. 

O conteúdo da revelação é a própria forma de vida que foi obrigado a testemunhar inesperadamente, contra a direcção que a sua vida tomada. A convocação para essa forma de vida é concomitante à sua divulgação. Revelação, convocação e vocação estão intrinsecamente ligados. No segundo capítulo, lemos a descrição do que é Paulo já metamorfoseado ou conformado pelo que Jesus teve de passar, Jesus que existia já nele, como vimos que Deus lhe revela: I, 19: “eu, com efeito, morri para além por causa da lei, para que possa viver para Deus: Estou crucificado com Jesus na Cruz: Χριστῷ συνεσταύρωμαι. 20: Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim: ζῇ δὲ ἐν ἐμοὶ Χριστός. 

A despeito do carácter extremo que esta formulação revela: eu não sou eu, há outro que vive em mim, da total exterioridade e heteronomia: Paulo vive ainda no agora através da carne: ὃ δὲ νῦν ζῶ ἐν σαρκί, mas por outro lado diz: ἐν πίστει τῇ τοῦ θεοῦ τοῦ ἀγαπήσαντός με καὶ παραδόντος ἑαυτὸν ὑπὲρ ἐμοῦ. Mas vivo com a fé, a segurança absoluta e a garantia total do Deus que me amou e se entregou à morte por mim. O objecto με e a construção preposicional ὑπὲρ ἐμοῦ e o reflexo: ἑαυτόν acentuam o que tinha sido dito: ζῶ δὲ οὐκέτι ἐγώ, já não vivo mais.

Este é o conteúdo da revelação: Cristo cruxificado. É isto pelo qual ele passou. Cristo não foi crucificado pelos Romanos num determinado dia, sofrendo horrores até soltar o último suspiro. Cristo viveu na configuração da cruz. Toda a vida crucificado. É assim que Paulo entende ou diz que lhe foi dado a entender o encontro com Jesus e o conteúdo da sua conversa. Não se compreende o conteúdo: Cristo crucificado se não se ficar crucificado. É este viver no encaminhamento da morte, de uma uia crucis, que é o próprio conteúdo da revelação, o sentido de um tal viver o conteúdo fundamental da mensagem.

Mas não parece que o que se está a afirmar é então o carácter precário do tempo cronicamente finito da vida humana, desde sempre já como se tivesse decorrido todo ele? Não parece haver um confinamento no tempo tal que se tudo está perdido, tudo é possível? Não parece que será possível um movimento de absoluto retrocesso e queda no mundo, uma entrega ao que efectivamente pode ser tido de qualquer maneira, quando se pode querer ter tudo e já?

O tempo que depende desde derrame no coração é o que está a chegar. Não é o tempo que passa e que nunca mais regressa, mas é o tempo que dizemos na nossa língua no plural: tempos virão. “O princípio não começa no início” começa no por vir. O humano é este transcurso que decorre num percurso excêntrico: num ir por aí além, até lá ao limite da hora da sua morte. É lá que os primeiros dias das nossas vidas se encontram à nossa espera desde sempre havendo-nos ultrapassado, mas é lá também que se encontra o começo dos começos. O começo dos começos veio desde sempre do futuro. É no futuro que se encontra o princípio. É de lá que vem o presente, é o futuro que modifica o presente e o passado. O conteúdo formal do telepático, telecomunicacional e mediúnico que Paulo nos transmite é o A e o Ω. É a forma crónica do antecipar-se desde sempre a si que nos desobriga de qualquer conteúdo mas nos vincula ao que desde sempre desde a primeira vez de todas as vezes. 
A formulação complexa e o modo de perceber o carácter concomitante das estruturas, implica uma vivência maciça e concreta da implantação da estrutura originária no futuro, no que Paulo designa o que orienta, o por ser e o por vir: até onde está ido, na tensa vibração da comoção temporal radical do futuro: de onde vem o tempo. O desdobramento do lance projectado em que desde sempre nos encontramos encontra-se aqui formulado na não coincidência entre princípio e começo. Estamos já desde sempre a ser. Quando acordamos e ficamos despertos já estávamos por assim dizer no mundo. Não começamos quando começamos. Por outro lado, despertamos para o traço excêntrico da temporalidade a desdobrar-se mas toda ela já compreendida e comprimida no primeiro momento. 
Nesse abrir de olhos constitui-se a vida e o mundo a um só tempo com todos os outros possíveis, comigo já compreendido e já a saber de mim e como é consigo na tranquilidade do deslizar para esse despertar, num debate contínuo por vir a si, num desde sempre estar-se exposto à possibilidade necessária que obriga a ser-se quem se é. 
A cada momento estrutural corresponde uma forma de visão: retrospectiva do passado que não tem conteúdos vividos por mim, mas que não deixa de co-apresentar um ter havido tempo, ter sido. Uma perspectiva do presente em que se vê o conteúdo perceptivo. Finalmente, temos uma forma específica de olhar o futuro, um prospecto, que não é um olhar de relance em que se antecipa x, y ou z, mas o encontro com a maciça e incontrolável definição do tempo total.
 Retrospectiva, perspectiva e prospecto são momentos da própria estrutura efectiva do sentido e constituem-se de uma forma complexa: no deslizar suave em que se desperta e acorda ou de uma forma súbita. 
“Wir durchlaufen alle eine excentrische Bahn, und es ist kein anderer Weg möglich von der Kindheit zur Vollendung” Hölderlin, Hyperion, II, 545, citado por Heidegger, p. 189. 
No antecipar-se o que fica presente é o abrir do olhar do seu limite futuro, não quantificável, mas qualificável: da beira do futuro abre-se retrospectivamente o olhar de se que nos olha a nós. Estamos assim já estendidos, esticados, pelo tempo que há-de vir e que mostra já o seu rosto. Por outro lado, ao mesmo tempo, trata-se de um vislumbre prospectivo que antecipa tempo, assim sem mais. 
Ou seja, o olhar retrospectivo de si encontra-se com o vislumbre prospectivo de si. A perspectiva corresponde ao ponto de encontro desses vislumbres retrospectivo e prospectivo. A perspectiva é constituída de tal maneira que não apenas apresenta conteúdos ausentes como ela é constituída por formas de olhar que já se fecharam ou ainda não se abriram, mas que estão sempre a ver o que foi e a ver o que vai ser. Os olhares do futuro e do passado estão copresentes a apresentar concomitantemente conteúdos já idos ou por vir.
O despertar que me traz a mim para ser quem sou apenas me faz coincidir comigo nesse momento, cristalizado no tempo para todo o sempre. Com o meu dealbar acontece o mundo e todos os que lá estão: todos os outros com quem nos vamos encontrar e que vão deixar marcas para sempre mas também todos os outros que se foram e estarão por vir que eu nunca conhecerei e que também são comigo de alguma maneira. 
O rasgar da lucidez no seu primeiro momento de obtenção de transparência é o princípio da mudança. Altera-se-nos tudo simplesmente. Nesse processo de alteração está, porém, sempre pensado um processo de apropriação. A condição constitutiva do ser da vida humana é uma mudança mutante de alteração do si. A alteração é a própria definição do limite excêntrico do percurso já percorrido previamente na sua forma.
Der Aufenthalt in der Fremde und das Lernen des Fremden, nicht um des Fremden, sondern um des Eigenen willen, verlangt jenes Ausharren, das nicht mehr an das Eigene denkt. Solches Ausbleiben des Andenkens ist nicht das Vergessen, das aus der Gleichgültigkeit stammt, sondern aus der Tapferkeit des Herzens, das gleichwohl des kommenden Eigenen gewiß bleibt. pp. 190-191 A estadia no estrangeiro, que é o mundo, e a aprendizagem do estranho [que são todos os outros] não por mor do estranho, mas por mor do próprio exige aquele perseverar que não pensa já no interesse próprio. Uma tal perda da recordação de si não é o esquecimento que provem da indiferença mas provem da coragem do coração, que assim também está segura do que o próprio si está por vir. 
Isto é, apesar do zehren, p. 190, do ‘langsame Zerstören und Verwüsten’, há um Zu-‘sich’-kommen que é um herkommen aus einem Anderen, ibid.: o Beseeler, 191, o Stimmende, o Ermöglichende.  


1 Reis 19: 11-13: DEPOIS (…) OUVIU-SE O MURMÚRIO DE
UMA BRISA SUAVE.”
22



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1 Die Galater waren ein seit 278 v. Chr. bei Ankyra (heute Ankara) in Kleinasien (der heutigen Türkei) ansässiger keltischer Volksstamm; das Wort Galater ist urverwandt mit Kelten. Ihre Eigenbezeichnung war Galatai. Von römischen Autoren wurden sie dagegen als Gallo-Griechen bezeichnet. Die Landschaft Galatien war eine Hochebene nördlich von Ankara. Die römische Provinz Galatien reichte über die Landschaft Galatien hinaus und umfasste auch u.a. die Landstriche Phrygien, Pisidien, und Lykaonien, in denen sich die auf Paulus' erster Missionsreise besuchten Städte Antiochia bei Pisidien, Ikonion, Lystra und Derbe befanden. Möglicherweise gehörten damals auch Attalia und Perge zur Provinz Galatien, die Paulus nach Apg 13,15 EU; 14,25 besucht hat, aber dies lässt sich aus den antiken Quellen nicht eindeutig erkennen.
Es ist nicht eindeutig, ob Paulus den Brief an Christen in der Provinz oder in der Landschaft Galatien gerichtet hat. Aus dem Inhalt geht jedoch klar hervor, dass es sich bei den Adressaten um Heidenchristen handelt, die von Judenchristen zur Annahme der Beschneidung gedrängt wurden. Dass in der Landschaft Galatien Juden erst im 5. Jh. nachzuweisen sind, spricht für die Landeshypothese.
2 ἀπόστολ-ος, ὁ, messenger, ambassador, envoy, ὁ μὲν δὴ ἀ. ἐς τὴν Μίλητον ἦν Hdt.1.21; ἐς Λακεδαίμονα τριήρεϊ ἀ. ἐγίνετο he went off on a mission to Laced., Id.5.38.
b. commander of a naval force, Hsch.
2. messenger from God, LXX 3 Ki.14.6; esp. of the Apostles, Ev.Matt.10.2, al.
II. = στόλος, naval squadron or expedition, Lys.19.21; ἀπόστολον ἀφιέναι, ἀποστέλλειν, ποιεῖσθαι, D.3.5, 18.80,107, IG2.809b190.
2. colony, D.H.9.59.
3. = ἀποστολή, of envoys, J.AJ17.11.1.
4. ἀπόστολον, τό, with or without πλοῖον, packet, Pl.Ep.346a, Ps.-Hdt.Vit.Hom.19.
5. ἀπόστολος, ὁ, order for dispatch, of a vessel, CPHerm.6.11 (iii A.D., pl.), PAmh. 2.138.10 (iv A.D.), cf. Dig.49.6.1.
6. export-licence, PGnom.162 (ii A.D.).
7. gen. dub., cargo dispatched by order, POxy.522.1,al. (ii A.D.), PTeb.486 (ii/iii A.D.).
3 Mas todos esses conteúdos estão contidos de forma comprimida nestas linhas 3-5. A graça e a paz é o conteúdo da própria carta. A graça e a paz são a mensagem.
4 Peter Sloterdjik, Sphäre II, Globen, p. 682.
5 ἀπο-κάλυψις [κᾰ], εως, ἡ, uncovering, of the head, Phld.Vit.p.38J.; disclosing, of hidden springs, Plu.Aem.14: metaph., ἁμαρτίας Id.2.70f; revelation, esp. of divine mysteries, Ep.Rom.16.25, etc.; of persons, manifestation, 2 Ep.Thess.1.7, etc.; title of the Apocalypse.
6 πονηρός, ά, όν, in physical sense, oppressed by toils, πονηρότατος καὶ ἄριστος, of Heracles, Hes.Frr.138, 139.
2. of things, toilsome, painful, grievous, ἔργα Hom.Epigr.14.20; νούσων πονηρότερον Thgn. 274; φορτίον Ar.Pl.352.
II. in bad case, in sorry plight, useless, good-for-nothing, σύμμαχοι ib.220, cf. Nu.102; στράτευμα X.An.3.4.34; ἰατρός Antipho 4.2.4 (v.l. for μοχθηρός); κύων, ἱππάριον, Pl. Euthd.298d, X.Cyr.1.4.19; δίαιτα, τροφή, σιτία, injurious, Pl.R.425e, Lg.735b, Grg.464d, etc.; π. ἕξις σώματος Id.Ti.86e; π. σῶμα, opp. χρηστόν, Id.Prt.313a, cf.R.341e; π. σκώμματα sorry jests, Ar.Nu.542; π. βούλευμα Id.Lys.517 (Comp.); π. πράγματα a bad state of things, Th.8.97, cf. 24; π. ἀρχὴ τῆς παιδείας a bad beginning, Aeschin.1.11; π. τὴν ναυτιλίαν ναυτίλλεσθαι Pl.R.551c; π. πολιτεία Arist.Pol. 1294b38. Adv., πονη-ρῶς ἔχειν to be in bad case, Th.7.83, etc.; ἂ πονηρῶς ἔχει τῶν πραγμάτων Lys.14.35; π. διακεῖσθαι, διατεθῆναι, Isoc. 19.12, D.59.55.
III. in moral sense, worthless, knavish, φήμη, βίος, ζόη, A.Ch.1045, Frr.90, 401, etc.; οὐδεὶς ἑκὼν π. Epich.78; π. ἦθος Democr.192; πονηρὸς . . κἀκ πονηρῶν rogue and son of rogues, Ar.Eq. 336-7; ὦ πόνῳ πονηρέ in a comic jingle, Id.V.466, cf. Lys.350; π. πόρρω τέχνης past master in knavery, Id.V.192; π. τοῖς φίλοις X.Cyr.8.4.33; πρὸς ἀλλήλους Id.An.7.1.39; π. λόγων ἀκρίβεια Antipho 3.3.3; πονηρότεροι σύμβουλοι Id.5.71; π. [ῥῆμα] malicious, Ev.Matt.5.11; τὰ π. wickednesses, X.Cyr.2.2.25; πονηρὰ δρᾶσαι E.Hec.1190; τὸ π. LXX De.17.2; δόλῳ πονηρῷ, Lat. dolo malo, SIG693.6 (Methymna, ii B.C.); ὁ π. the evil one, Ev.Matt.13.19; π. δαίμων PLips.34.8 (iv A.D.), etc.
2. base, cowardly, S.Ph.437, etc.; π. χρώματα, i.e. the coward's hue, X.Cyr.5.2.34 (interpol.).
3. with a political connotation, of the baser sort, E.Supp.424; οἱ λεγόμενοι π. Pl.R.519a; opp. καλοὶ κἀγαθοί, Isoc.15.100, 316, cf. Ar.Eq.186.—On the variation of accent, πονηρός and πόνηρος, v. μοχθηρός fin.
7 αἰών, ῶνος, ὁ, Ion. and Ep. also ἡ, as in Pi.P.4.186, E.Ph.1484: apocop. acc. αἰῶ, like Ποσειδῶ, restored by Ahrens (from AB363) in A.Ch.350: (properly αἰϜών, cf. aevum, v. αἰεί):—period of existence (τὸ τέλος τὸ περιέχον τὸν τῆς ἑκάστου ζωῆς χρόνον . . αἰὼν ἑκάστου κέκληται Arist.Cael.279a25):
I. lifetime, life, ψυχή τε καὶ αἰών Il.16.453; ἐκ δ’ αἰ. πέφαται Il.19.27; μηδέ τοι αἰ. φθινέτω Od.5.160; λείπει τινά Il.5.685; ἀπ’ αἰῶνος νέος ὤλεο (Zenod. νέον) 24.725; τελευτᾶν τὸν αἰῶνα Hdt.1.32, etc.; αἰῶνος στερεῖν τινά A.Pr.862; αἰῶνα διοιχνεῖν Id.Eu.315; συνδιατρίβειν Cratin. 1; αἰ. Αἰακιδᾶν, periphr. for the Aeacidae, S.Aj.645 s.v.l.; ἀπέπνευσεν αἰῶνα E.Fr.801; ἐμὸν κατ’ αἰῶνα A.Th.219.
2. age, generation, αἰ. ἐς τρίτον ib.744; ὁ μέλλων αἰών posterity, D.18.199, cf. Pl.Ax.370c.
3. one's life, destiny, lot, S.Tr.34, E.Andr.1215, Fr.30, etc.
II. long space of time, age, αἰὼν γίγνεται 'tis an age, Men.536.5; esp. with Preps., ἀπ’ αἰῶνος of old, Hes.Th.609, Ev.Luc.1.70; οἱ ἀπὸ τοῦ αἰ. Ῥωμαῖοι D.C. 63.20; δι’ αἰῶνος perpetually, A.Ch.26, Eu.563; all one's life long, S. El.1024; δι’ αἰῶνος μακροῦ, ἀπαύστου, A.Supp.582,574; τὸν δι’ αἰ. χρόνον for ever, Id.Ag.554; εἰς ἅπαντα τὸν αἰ. Lycurg.106, Isoc.10.62; εἰς τὸν αἰ. LXX Ge.3.23, al., D.S.21.17, Ev.Jo.8.35, Ps.-Luc. Philopatr.17; εἰς αἰῶνα αἰῶνος LXX Ps.131(132).14; ἐξ αἰῶνος καὶ ἕως αἰῶνος ib.Je.7.7; ἐπ’ αἰ. ib.Ex.15.18; ἕως αἰῶνος ib.1 Ki.1.22, al.:— without a Prep., τὸν ἅπαντα αἰ. Arist. Cael.279a22; τὸν αἰῶνα Lycurg. 62, Epicur.Ep.1p.8U.; eternity, opp. χρόνος, Pl.Ti.37d, cf. Metrod. Fr.37, Ph.1.496,619, Plot.3.7.5, etc.; τοὺς ὑπὲρ τοῦ αἰῶνος φόβους Epicur.Sent.20.
2. space of time clearly defined and marked out, epoch, age, ὁ αἰὼν οὗτος this present world, opp. ὁ μέλλων, Ev.Matt.13.22, cf. Ep.Rom.12.2; ὁ νῦν αἰ. 1 Ep.Tim.6.17, 2 Ep.Tim.4.10:—hence in pl., the ages, i.e. eternity, Phld.D.3 Fr. 84; εἰς πάντας τοὺς αἰ. LXX To.13.4; εἰς τοὺς αἰ.ib.Si.45.24, al., Ep.Rom.1.25, etc.; εἰς τοὺς αἰ. τῶν αἰώνων LXX 4 Ma.18.24, Ep.Phil.4.20, etc.; ἀπὸ τῶν αἰ., πρὸ τῶν αἰ., Ep.Eph.3.9, 1 Cor.2.7; τὰ τέλη τῶν αἰ. ib.10.11.
3. Αἰών, ὁ, personified, Αἰὼν Χρόνου παῖς E.Heracl.900 (lyr.), cf. Corp.Herm.11, etc.; as title of various divine beings, Dam.Pr.151, al.; esp.Persian Zervan, Suid. s.v. Ἡραΐσκος.
4. Pythag., = 10, Theol.Ar.59.
B. spinal marrow (perh. regarded as seat of life), h.Merc 42, 119, Pi.Fr.111, Hp.Epid.7.122; perh. also Il.19.27.
8 saecul.um            N      2 2 NOM S N                 
saecul.um            N      2 2 VOC S N                 
saecul.um            N      2 2 ACC S N                 
saeculum, saeculi  N (2nd) N   [XXXAO]  
age; generation, people born at a time; breed, race; present time/age; century;
worldliness; the_world; heathenism;
time; past/present/future (Plater); [in ~ => forever];
*
9 aeu.um               N      2 1 ACC S M                 
aevus, aevi  N (2nd) M   [XXXAO]  
aeu.um               N      2 2 NOM S N                 
aeu.um               N      2 2 VOC S N                 
aeu.um               N      2 2 ACC S N                 
aevum, aevi  N (2nd) N   [XXXAO]  
time, time of life, age, old age, generation; passage/lapse of time; all time;
10 p. 200 Eccli. XI, 1. Augustinus: opera omnia, Guillon, vol. 35
11 Wander-DSL Bd. 5 , Spalten 1305-1306
12 Calderon de la Barca, la vida es sueño. Monólogo de Segismundo, 1635.
13 erip.eret            V      3 1 IMPF ACTIVE  SUB 3 S    
eripio, eripere, eripui, ereptus  V (3rd)   [XXXAX]  
snatch away, take by force; rescue;
14 ἐξαιρ-έω, fut. -ησω, later ἐξελῶ D.H.7.56, etc.: aor. 2 ἐξεῖλον, Ep.and Lyr. ἔξελον Il.16.56, Pi.O.1.26; inf. ἐξελεῖν:—Med., fut. ἐξαιρήσομαι A.Supp.924; later ἐξελοῦμαι Alciphr. 1.9: aor. 2 ἐξειλόμην, rarely 1 ἐξῃρησάμην Ar.Th.761 (perh. interpol.):—Pass., pf. -ῄρημαι, Ion. -αραίρημαι Hdt.:—take out, ἔνθεν . . ἔξελε πέπλους Il.24.229; ἐπεί νιν καθαροῦ λέβητος ἔξελε Κλωθώ Pi.l.c.; τὸ δέλτα τοῦ ὀνόματος Pl.Cra.413e; simply, take out, τὴν κοιλίην, τὴν νηδύν, Hdt.2.40 (tm.), 87; πρὶν ἀνταράξας πῖαρ ἐξεῖλεν γάλα Sol.36.21:—Pass., εἰ τὸ ἔαρ ἐκ τοῦ ἐνιαυτοῦ ἐξαραιρημένον εἴη Hdt.7.162, cf. Pericl. ap. Arist.Rh.1365a33.
2. Med., take out for oneself, φαρέτρης ἐξείλετο πικρὸν ὀϊστόν from his quiver, Il.8.323; ἐξελέσθαι τὰ μεγάλα ἱστία their large sails, X.HG1.1.13; ἐ. τὰ φορτία discharge their cargoes, Hdt.4.196; τὰ ἀγώγιμα X.An.5.1.16; τὸν σῖτον ἐς [τὴν στοὰν] ἐξαιρεῖσθαι Th.8.90: abs., Syngr. ap. D.35.13, etc.:—Pass., to be discharged, of a cargo, Hdt.3.6, D.34.8.
II. take from a common stock, reserve, κούρην, ἣν ἄρα μοι γέρας ἔξελον υἷες Ἀχαιῶν Il.16.56; Ἀλκινόῳ δ’ αὐτὴν γέρας ἔξελον Od.7.10, cf. Il.11.627; βασιλέϊ τεμένεα ἐξελὼν καὶ ἱερωσύνας Hdt.4.161; Νίσῳ ἐ. χθόνα S.Fr.24.5; θεοῖσιν ἀκροθίνια E.Rh.470; κλήρους τοῖς θεοῖς Th.3.50:—Med., choose for oneself, carry off as booty, τὴν ἐκ Λυρνησσοῦ ἐξείλετο Il.2.690, cf.9.130; choose, μενοεικέα Od.14.232; μίαν ἕκαστος σιτοποιὸν ἐ. Hdt.3.150, cf. X.An.2.5.20; ταύτας ἐξείλεθ’ αὑτῷ κτῆμα S.Tr.245; δῶρον . . πόλεος ἐξελέσθαι to have accepted as a gift, Id.OC541 (lyr.):—Pass., to be given as a special honour, τινί to one, Th.3.114; ἐξαραιρημένος Ποσειδέωνι dedicated to him, Hdt.1.148; γέρεα . . σφι ἦν τάδε ἐξαραιρημένα Id.2.168; ἐ. αὐτοῖς set apart for them, Pl.Criti.117c; τὰ τεμένη τὰ ἐξῃρημένα IG12.45.10; of funds, to be set apart, ear-marked, SIG577.64 (Milet., iii/ii B. C.); but τοῦ ἀργυρίου τοῦ ἐκ τοῦ λιθοτομείου ἐξαιρουμένου moneys received from . ., IG22.47.
2. take out of a number, except, μητέρας ἐξελόντες Hdt.3.150; Σιμμίαν ἐξαιρῶ λόγου Pl.Phdr.242b, cf. X.Mem.1.4.15.
III. remove people from their country, Hdt.2.30; τοὺς ἐν τῇ λίμνῃ κατοικημένους Id.5.16; στρουθούς (sc. ἐκ τοῦ νηοῦ) Id.1.159: generally, remove, τὸν λίθον Id.2.125; ἐκ τοῦ λυχνούχου τὸν λύχνον Alex.102; πατρὸς φόβον E.Ph.991, cf. Isoc.2.23; ὀδυρμούς, ἄγνοιαν, ἔρωτα, Pl.R.387d, Lg.771e, Smp.186d; ἀλλήλων τὴν ἀπιστίαν X.An.2.5.4:—Med., νεῖκος E.Med.904; ὑμῶν ἐ. τὴν διαβολὴν . . ταύτην remove this prejudice from your minds, Pl.Ap.19a, cf. 24a.
2. get rid of, [ὗν] ἐκ τῆς χώρας Hdt.1.36; θῆρας χθονός E.Hipp.18; make away with, παῖδας, θῆρα, Id.HF39, 154; Ἀθηναίους X.HG2.2.19.
b. destroy, πόλιν Hdt.1.103, al., cf. Th.3.113, 4.69, D.18.30; χωρία Id.23.115; οἰκίδιον Men.Pk.199, cf. 278; φρούριον D.H.8.86.
c. annul, bring to naught, θέσφατα S.OT908 (lyr.), cf. D.23.36.
3. Med., ψυχήν, θυμόν, φρένας ἐξελέσθαι, either c. acc. pers., bereave a person of life, etc., as μιν ἐξείλετο θυμόν Il.15.460, 17.678 (so in Trag., E.Alc. 69, IA972): or c. gen. pers., as μευ φρένας ἐξέλετο Ζεύς Il.19.137, cf. Hes.Sc.89; σεῦ ψυχὴν χαλκῷ Il.24.754; μου τέρψιν ἐξείλου βίου E.Alc. 347, etc.: rarely, c. dat. pers., Γλαύκῳ φρένας ἐξέλετο Ζεύς Il.6.234; [οἰωνοῖς] τέκνα Od.16.218: in tmesi, ἐκ δέος εἵλετο γυίων 6.140; ἐκ θυμὸν ἕλοιο 20.62, cf.Il.11.381:—Med., take away from one, τὰ φίλτατα S.El.1208:—Pass., ἐξαιρεθέντες τὸν Δημοκήδεα having had him taken out of their hands, Hdt.3.137; τὸ ἐπιθυμοῦν τοῦ πλοῦ οὐκ ἐξῃρέθησαν Th.6.24, cf. Pl.Grg.519d, etc.
4. Pass., to be removed from, i.e. transcend, τοῦ τῶν ὄντων πλήθους Procl. in Prm.p.546 S.; ἑνάδες ἐξῃρημέναι transcendent, ib.p.547 S., cf. Dam.Pr.7; τὸ μᾶλλον -μένον μᾶλλον καὶ χωρεῖ διὰ τῶν ἄλλων ib.325. Adv. ἐξῃρημένως transcendently, ib.270; ultimately, opp. προσεχῶς, Phlp.in de An.270.14.
IV. Med., set free, deliver, τινά A.Supp.924, Ar.Pax316; ἐκ τῶν κινδύνων τινά Decr. ap. D.18.90; ἐκ τῆς ἀνάγκης PPetr.3p.74; ἐκ τῶν θλίψεων Act.Ap.7.10; ἐξαιρεῖσθαι εἰς ἐλευθερίαν claim as a freeman, Lys.23.9, D.8.42, 10.14.
2. bring to an end, accomplish, πᾶν γὰρ ἐξαιρεῖ  λόγος E.Ph.516.—Freq. confounded with ἐξαίρω.

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